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II SÉRIE-C — NÚMERO 31

dc eficácia, que as colheitas se façam só depois de haver a certeza da morte: «revogou a Portaria n.° 156/71, de 24 de Março, e nada dispôs sobre a verificação do óbito».

A inconstitucionalidade promana de os médicos poderem fazer a colheita sem diligenciarem em averiguar a eventual

oposição do falecido. E ilegítimo — salvo, naturalmente,

em casos muito graves e urgentes — que tais colheitas se

possam fazer contra a vontade do falecido. Daí a afectação do direito à integridade física e moral (artigo 25.°, n.9 1), do direito à reserva da intimidade da vida privada (artigo 26.9, n.fl 1) e da liberdade de consciência, dc religião c de culto (artigo 41.e, n.05 1, 3 e 6).

O artigo 5.° integrado no conjunto normativo do Decrcto-Lei n.B 553/76, arrasta à desvalorização do direito de dispor do próprio cadáver, à sua trivialização ou inutilização.

3.3 — Reitera o conselheiro Monteiro Dinis que o artigo 5.9 e todo o sistema do diploma criam a objectiva possibilidade de os médicos efectuarem colheitas sem que diligencia alguma, efectiva e real, haja de por eles ser feita no sentido de a averiguação de uma eventual oposição por parte do falecido. Não está instituído um sistema minimamente credível que impeça a imediata oposição dos médicos cm oposição à vontade do falecido. Aliás a ausência de um regime que imponha critérios legais, com base cm padrões científicos, para a determinação da morte, permite, pelo menos no plano das hipóteses, que possam ser recolhidos órgãos em indivíduos nao cadáveres. Todos os cidadãos estão transformados em potenciais dadores forçados. Está consentido o desenvolvimento dc iniciativas comerciais privadas, directamente relacionadas com os transplantes.

3.4 — O conselheiro Cardoso da Costa, tendo volado o acórdão, não deixou de, em declaração de voto, reconhecer que a disciplina legal da colheita de órgãos e tecidos apresenta «consideráveis deficiências ou insuficiências». Lembrou, no entanto, que do artigo 5.° já sc extrairá um certo dever de diligência ou de cuidado dos médicos — embora dc conteúdo imperfeitamente determinado— cm ordem a evitar-se a realização de colheitas contra a vontade do falecido.

II

As deficiências do Oecreto-Lel n.e 553/76

4.1 — São patentes as deficiências detectáveis no Decrcto-Lei n.fi 553/76, de 13 de Julho.

Desde logo, versa apenas sobre a colheita de órgãos e tecidos em cadáveres, omitindo por completo o enquadramento legal da extracção dc tecidos e órgãos dc pessoas vivas.

A Lei n.B 1/70, de 20 de Fevereiro, diz somente respeito à colheita de «produtos biológicos humanos» (como por exemplo sangue c leite — este nas «condições especiais» a fixar por portaria) e não de órgãos e tecidos.

4.2—O escasso apuro técnico do Decrcto-Lei n.9 553/76 poderá ser consequência da intencionalidade expedita que o determinou: a de substituição, quase que em «estado dc necessidade», do sistema do Decrelo-Lei n.9 45 683, de 25 de Abril de 1964, cm ordem a facultar soluções mais praticáveis no tocante às transplantações.

Dizia respeito este diploma dc 1964, dc igual modo, à colheita no corpo de pessoa falecida dc tecidos ou órgãos de qualquer natureza («nomeadamente ossos, cartilagens, vasos, pele, globos oculares e sangue»), quando cies fossem necessários «para fins terapêuticos ou científicos» e essa

intervenção, para ser útil, não pudesse aguardar «o decurso do prazo legal de prevenção contra a morte aparente» (artigo l.9).

Podia a colheita ser efectuada em «bancos gerais especializados em olhos ou outros órgãos ou tecidos» ou

em bancos instalados por cmiúaúcs particulares autorizadas

por alvará passado pelo Ministério da Saúde e Assistência — e ainda em clínicas c institutos universitários c hospitais públicos ou privados e casas de saúde autorizados por portaria do Ministério da Saúde e Assistência (arügo 3.9 e § único do artigo 2.9).

4.3 — Na execução das colheitas deveria observar-se rigoroso respeito pelo decoro do cadáver e evitar-se mutilações ou dissecções não necessárias para a recolha dos tecidos ou órgãos e para as verificações indispensáveis à utilização destes c por forma a, quanto possível, não prejudicar a realização da autópsia, se viesse a mostrar-se necessária. Depois da operação deveria ser restabelecida a morfologia do corpo, podendo usar-se para esse efeito elementos de prótese (artigo 13.9).

5 — A verificação da morte era objecto dc detalhada regulamentação, complementada depois pelas Portarias n.M 20 688, de 27 dc Julho dc 1964, c 156/71, de 24 dc Março.

6 — A gratuitidade da colheita — em relação ao dador ou a quem tivesse autorizado (a família) — era regra (artigo 8.9), apenas sendo válida a disposição pela qual o falecido tivesse imposto ao serviço que, por ele autorizado, determinasse a colheita, o encargo dc custear o seu funeral, até ao limite que fosse fixado em despacho ministerial (§ único desse artigo 8.9).

7 — Ainda que autorizadas pelo falecido, as colheitas não poderiam efectuar-se quando contrárias «à moral ou aos bons costumes» (§ l.9 do artigo l.9).

Significava isto que não poderiam ser efectuadas, por exemplo, transplantações do cérebro ou das glândulas sexuais, já que violadoras da dignidade humana (assim, v. g.. Lei italiana n.9 644, dc 2 de Dezembro de 1975).

8 — Ora, o Decrcto-Lei n.9 553/76, embora mantendo em vigor, em tudo o que o não contrarie, as Portarias n.05 20 799 e 20 800, ambas dc 10 de Setembro dc 1964, e 24 217, de 2 de Agosto de 1969 (que regulamentaram, respectivamente, a criação c funcionamento dos bancos de órgãos ou tecidos, gerais ou especializados, que vierem a ser criados em estabelecimentos oficiais, e a criação do banco de olhos dos Hospitais Civis de Lisboa, e que autorizou os Hospitais da Universidade de Coimbra a procederem à colheita dc tecidos ou órgãos), deu causa a uma certa indefinição quanto aos «estabelecimentos hospitalares» autorizados a proceder às colheitas (artigo 2.").

É, por outro lado, ambíguo quanto à gratuitidade ou não da colheita, se bem que o parecer n.9 35/52 da Pro-curadoria-Geral da República, de 27 dc Novembro, referenciado no preâmbulo, sc tivesse pronunciado no sentido da gratuitidade.

9.1 —O Dccrcto-Lci n.B 45 683 previa que a colheita se efectuasse para «fins terapêuticos ou científicos» (arügo l.B).

Já o Decrcto-Lei n.9 553/76 fala apenas em colheitas «para transplantação ou outros fins terapêuticos».

Será esta última formulação redutora cm relação à primeira, significando a primeira a efectivação de colheitas para «experimentação científica»?

No respeitante às colheitas em pessoas vivas tudo aponta para que elas se destinem exclusivamente a fins curativos imediatos e personalizados.