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II SÉRIE-C — NÚMERO 31

de imprensa, quer através do seu relatório anual, apresentado à Assembleia da República.

E acrescenta: «Nalguns países, designadamente em França e na Inglaterra, vai-se mais longe c estabclcce--se que, uma vez entregue o relatório anual [...] ao Planeamento, este deve pôr a funcionar uma comissão parlamentar especial cujo objectivo é o de chamar a depor perante ela as autoridades administrativas que não tenham cumprido as recomendações [...].» (P. 66.)

Nos termos do actual Regimento da Assembleia da República, de 1988, pode o Provedor comunicar à Assembleia que a Administração não actuou de acordo com as suas recomendações ou se recusou a prestar a colaboração pedida; esse relatório especial é publicado no Diário da Assembleia da República, onde, aliás, também são publicadas as recomendações legislativas que ele transmita (artigos 261.9 e 262.9).

Quanto ao relatório anual, deve ser debatido no Plenário da Assembleia, após recepção do parecer da comissão parlamentar especializada (artigo 260.9).

6 — Por exemplo em 1979 foram apresentadas 2336 queixas escritas ao Provedor e 601 queixas verbais, lendo ele tomado, independentemente dc queixa, 46 iniciativas; os processos de declaração de inconstitucionalidade foram nesse ano dc 51.

Em 1986 — ano a que se reporia o último relatório publicado — esses números foram, respectivamente, de 2876, 478, 22 e 65.

Tudo me leva a supor que o número dc queixas lerá aumentado desde então, até porque, como sc consigna no relatório desse ano, sc verificou «um espectacular aumento de esclarecimento público».

«Bastará anotar — diz-se aí — que houve 19 entrevistas concedidas à imprensa (contra 10 no ano anterior), 30 entrevistas concedidas à rádio (conira nenhuma no ano anterior), 6 entrevistas concedidas à televisão (contra 3 no ano anterior), 10 palestras proferidas pelo Provedor (contra 4 no ano anterior) e 2 palestras proferidas pelo adjunto do Provedor (contra nenhuma no ano anterior).»

Na realidade, a força da opinião pública, consciencializada através do direito a informar e a ser informada, é uma vertente nuclear de qualquer sociedade democrática, operando como um «plcsbicito quotidiano» dos poderes. A tutela da dignidade — não uma tutela mecânica e abstracta mas uma tutela efectiva c visível — passa por uma promoção activa do civismo, e o civismo não se traduz apenas em as pessoas cumprirem os seus deveres, mas em exercitarem, com conhecimento de causa, os seus direitos, quer em matéria de liberdades públicas, quer na área dos direitos sociais, culturais e económicos.

Daí que, impenitente defensor e — por que não dizê-Io? — promotor do acesso ao direito, acredite que uma das tarefas maiores do provedor de Justiça será a divulgação do conteúdo e da significação de cada um dos direitos e liberdades fundamentais — tarefa que, aliás, lhe é cometida pela alínea d) do n.9 1 do artigo 18.9 do Estatuto dc 1977.

E, na verdade, a democracia uma prática dc participação responsável. Ora só poderá participar quem conhecer. Há que aproximar o direito, desdobrado cm direitos, das pessoas, rctirando-lhc o sopro de mágica que o desumaniza.

7 — Por isso mesmo me sentia muito bem na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a que presidi durante quase três anos, num conjunto de colegas que, por tão qualificados, nunca mc fizeram sentir «presidente». Desta experiência poderei repetir o que em princípios dc 1978 disse, ao deixar a Ordem dos Advogados: «Valorizo já, com saudade e emoção, os momentos em que contactei com pessoas que ganharam presença firme no meu espírito c na minha afectividade. Vejo, assim, desde já, com uma ponta de tristeza, encerrar-se este ciclo da minha vida»; cm circunstâncias por vezes tabelarmcntc não muito fáceis pude sempre actuar «de harmonia com a minha consciência e num clima de generalizada compreensão c dc csümulantc simpatia humana.»

A lodos os Srs. Deputados, direi que, para além da mágoa da partida, poderão ter a certeza dc que elegeram um Provedor de Justiça independente, não por postura formal, mas por convicção bem precisa e firme. Transpondo de algum modo as clássicas palavras de Burke, ditas cm 1774 quando foi eleito deputado por Bristol, dir-vos-ei que foi eleito um deputado do PSD, mas que, uma vez eleito, ele será um Provedor de Justiça sem qualquer adstrição ou liame político-partidário.

A V. Ex.!, Sr. Presidente da Assembleia da República, dirijo as minhas muito amigas saudações, dc inalterado e sempre renovado apreço pelo muito que tem feito pela dignificação da instituição parlamentar.

Entre a aventura e a rotina (*)

1 — Contém a Constituição uma pormenorizada listagem de direitos fundamentais, que, na generalidade, estão formalmente transpostos para as leis. E logo, como ideia-força, proclama, no artigo l.°, que «Portugal 6 uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana c na vontade popular e empenhada na construção dc uma sociedade livre, justa c solidária». A pessoa é, pois, como não podia deixar de ser, o essencial valor programático do nosso direito.

Questão diversa será a dc apurar até que ponto os direitos formalmente consignados estão a ter equivalência na realidade; isto, mesmo aceitando que num programa normativo (como é o da Consumição, nesta área) interceda sempre um certo (e saudável) grau de utopia; só que o «apelo ao Céu (appeal to lleaven), dc que já falava Locke, apenas encontra resposta, em não muito bem contados casos, no purgatório.

Há direitos que somente estão nos textos (sobretudo nas áreas do social, do económico e do cultural), há percursos que, afirmados, ficaram a meio, há metas insuficientemente definidas.

Não sc ignora que há portugueses com fome, sem casa, sem emprego estável, sem segurança, sem o mínimo de qualidade de vida. Há demasiados direitos «adormecidos» e não poucos direitos ignorados. Para que dizer, por exemplo, como no desígnio constitucional (artigo 64.8), que «todos têm direito à protecção da saúde» se doentes graves, carecidos de intervenções cirúrgicas urgentes como condição de sobrevivência, aguardam meses a fio cm

(*) Depoimento publicado no Público, em 16 dc Setembro dc 1990.