18 DE MAIO DE 1991
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Iização». E buscando, na tradicional tentação, o exemplo francês, lembrar-se-á, porventura, que ali, embora com peso, conta e medida, se estão a ensaiar alterações de grafia.
Aduzir-se-á, finalmente, que o grande móbil do Acordo é o de reforçar a «lusofonia», estreitando os liames culturais entre os sete países que usam o português.
Deste regaço de razões despontará o «milagre», que até poderá devolver para mais discreto plano outras iniciativas, por certo mais espinhosas, de aproximação cultural.
0 Acordo será o complemento nominalista, nesta ponta última do século XX, da esplêndida aventura planetária dos séculos xv e xvi. À mescla de valências culturais então
vivida seguir-sc-á agora, sc bem que menos historicamente, a mescla de ortografias. Isto porque Portugal não é «dono» do português, nem se pode empenhar no «imperialismo» da língua.
2 — Claro que em tudo isto haverá uma ponta de verdade. Mas só uma ponta.
É que, num esboço de contramitologia, poder-sc-á dizer que, para os Portugueses, as raízes da sua língua estarão e deverão continuar a estar em Portugal c que não pouco risco se corre quanto à sua «colonização», com peso excessivo, pelo afro-brasileiro.
Nestas coisas as soluções inventadas e impostas resvalam quase sempre no artificial. Não direi, por recato, no caricatural.
3 — Houve negociações. Mas tudo ou quase tudo se passou ao nível dos poderes e das chancelarias oficiais ou oficiosas. O problema passou ao lado das pessoas comuns. Não se fomentaram acções de debate prévio, não se estimulou a apetência pela questão, desleixou-se a boa (e pragmática) regra do envolvimento participativo. No meio de difusão mais penetrante de que se disporia (a TV) optou--se por «controvérsias» do estilo da de apurar quais os direitos dos fumadores e dos não fumadores, como se toda a gente não soubesse já que o tabaco faz mal à saúde própria e alheia e que os direitos daqueles nunca deverão afligir os direitos destes.
4 — O inglês é a mais universal das línguas de comunicação (e de trabalho) e, no entanto, o inglês britânico cada vez diverge mais do inglês dos Estados Unidos.
E dá-se a circunstância de o nosso Acordo Ortográfico, quando (e se) chegar a 1994, se arriscar a não ser cumprido pelos países lusófonos, a começar pelo primeiro deles, que é o dos Portugueses: os hábitos não se mudam por decisões político-legislativas, sobretudo se não se operarem, preliminarmente, adesões «existenciais». E, se acontecer isso, a nova ortografia ortopédica não só não remediará as disparidades externas, como será fonte de divergências (ortográficas, pelo menos ...) internas.
Por mim não me sinto «dono» da minha língua, tal como está. Mas sinto-me, e muito bem, seu legítimo «usufrutuário».
Os novos direitos do homem (*)
1 — Os anos passam mais depressa do que os dias. Pois parece ter sido ontem — e já passaram quase 20 anos! — que eu insistia que a Declaração Universal de 1948 deveria propagar a «universalidade democrática» ao nosso ordena-
(*) Intervenção, em 10 de Dezembro de 1990, na sessão comemorativa do 42.° Aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem, promovida, cm Lisboa, pela Ordem dos Advogados e poT «Direito e Justiça», Secção Portuguesa da Comissão Internacional de Juristas.
mento jurídico no tocante aos direitos fundamentais, nestes englobando não apenas os direitos civis e políticos, mas os direitos económicos, sociais e culturais.
O tempo e a mudança viriam ao meu encontro e, logo na formulação de 1976, ditaria a Constituição, no n.9 2 do artigo 16.9, que «os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem». Seja tal preceito uma regra hermenêutica, seja uma norma de recepção, o certo é que a nossa lei matricial acolhe cm pleno não apenas o catálogo dos direitos consagrados na Declaração, como o seu essencial «núcleo de valor», que é o da inalienável dignidade da pessoa.
Eliminadas em 1987 quase todas as reservas à Convenção Europeia —e as duas que remanescem escasso alcance prático assumirão hoje— e ratificados, logo em 1978, os dois Pactos dc Execução da Declaração Universal, Portugal está hoje dotado de um sistema articulado dc direitos fundamentais; desde logo a Constituição é aqui, desde o primeiro momento, ou seja, desde 1976, um modelo, numa perspectiva comparatística, e uma responsabilidade, no sentido de vincular os poderes do Estado a assegurarem cidadania plena a todos os portugueses. Dir--sc-á que o seu pendor programático escapa de algum modo às realidades da vida; mas que será desta quando não animada por um grão de saudável utopia, por assim dizer promocional, da dignidade da pessoa?
Alcançado o equilíbrio e a estabilidade das instituições, penso que a mela mais directamente a prosseguir será agora a da efectiva concretização dos direitos sociais, económicos e culturais, sem dificullações ou reticências. No plano das normas lamento, desde logo, que, estranhamente, não tenha sido ainda ratificada a Carta Social Europeia, 25 anos depois da sua entrada cm vigor; significativamente já em 1972 propunha esse acolhimento; só que os condicionalismos político-sociais cram-lhe enião adversos, o que hoje já não deveria acontecer.
Por mim penso que a tarefa maior do Estado, num país democrático, será a dc fazer valer, como valor programático do direito, uma efectiva cidadania social, económica c cultural; já não apenas a igualdade perante a lei, num frio legalismo nominalista, mas a igualdade no direito, numa incessante procura dc uma tanto quanto possível igualação social.
Penso mesmo que, por casualidade, teria sido eu, então na responsabilizante circunstância de presidente do 5.9 Colóquio Internacional sobre a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que leve lugar em Francofortc, em Abril dc 1980, sob a égide do Conselho da Europa, a promover iniciadoramente o alargamento da própria Convenção aos direitos sociais, económicos e culturais. Disso mesmo dá conta o n.a 296 do Boletim do Ministério da Justiça.
Claro está que o pressuposto necessariamente condicionante da efectiva concretização de uma democracia económica, social e culturalmente evoluída será o prévio reconhecimento das liberdades públicas c das garantias individuais. Mas o contrário também se verificará; nenhum sentido e dimensão terão os direitos civis e políticos, enquanto subsistirem indevidas desigualdades económicas e patentes injustiças sociais.
Urge, pois, assegurar uma equilibrada e audaciosa interacção entre os dois pólos dessa noção dc cidadania.
2 — Latente no fundo, mas assomando em cada passo e em cada medida dos poderes do Estado, estará a ideia