18 DE MAIO DE 1991
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burocráticas «listas dc espera»? Qual o estado de espírito de muitos jovens que não podem, por decorrência de circunstâncias que lhes são alheias, escolher (ou exercer) uma profissão, constituir família, medir o futuro pelos palmos da esperança?
2 — Competirá ao Estado, que serve a pessoa (e não o inverso), melhorar, simplificar, dar sentido e horizonte à vida de todos nós. Mas caberá também a cada um de nós, «centros nervosos» que somos de uma sociedade participada, levar a que esta seja efectivamente mais «livre, justa e solidária».
Nem será cair num moralismo de compêndio pedir-se que o Estado respeite as pessoas e que as pessoas se inter--respeitem. O cu não somos apenas nós e a nossa circunstância; o eu somos nós e os outros.
3 — Claro que não há Estados nem sociedades perfeitos. A acção política transmuda-se não raramente numa estratégia do poder pelo poder; quantas vezes a aparentemente boa acção política não é apenas imagem, desenhada por bem preparados exercícios de marketing? E, por seu lado, à acção das pessoas subjaz, também não raramente, um individualismo arrogante, embora dc uma arrogância interior, exteriorizada por palavras (auto-) suficientemente brandas: «O ser disso! ve-se totalmente no ter» (Gabriel Marcel).
Sem ingénuas ilusões, pois o mundo é o mundo, e o Estado tende a ser possessivo, e os homens não são santos, há que ensaiar um Estado melhor e uma reforçada socialidade nas pessoas, induzindo-as (e induzindo-se cada uma delas a si mesma) a um mais praticado civismo.
No que ao Estado se refere, na sociedade mediática de hoje, o direiio-dcver de informar bem («subjectivamente» bem, já que a comunicação social é feita, c tem de ser feita, por pessoas livres c pensantes) será determinante para a conformação de uma opinião pública que possa escolher, sabendo o que e quem escolhe. Não foi por acaso que, num livro recente, já de 1990, François-Henri de Vi-ricu (o de L'heure de vérité da francesa Antena 2) falou dc um certo trânsito da democracia para uma mediacracia. Não se tratará, obviamente, de substituir aquela por esta; traiar-se-á, sim, dc acentuar o decisivo papel que uma informação responsável (responsável perante ela própria e os seus valores) poderá ter, e efectivamente tem, na revalorização de uma sociedade democrática.
4 — Por último, c quase que num «desabafo»: falta a Portugal um projecto colectivo com rasgo, grandeza, ambição, mobilizador das energias vitais. Cultivamos o instante e o precário, perdemo-nos na «fascinação da bagatela», gastamo-nos na política (pequeno) espectáculo. Daí as bolsas, cada vez maiores, de um certo saudosismo por figuras que protagonizaram um recente (e mau) passado. O balancear encre a aventura c a rotina continua a ser uma constante caracterológica dos Portugueses. Agora estamos em fase de rotina. Por mais que se figa o contrário.
Mário Raposo.
No 3.s Congresso Nacional dos Advogados (*)
1 — Impedido de estar presente, por razões de Estado, quis o Sr. Presidente da República que eu aqui o representasse: terá pensado no Ministro da Justiça do seu
(*) Palavras ditas na sessão dc abertura do 3.9 Congresso Nacional dos Advogados Portugueses, à qual o Provedor de Justiça presidiu, em representação dc S. Ex.. o Presidente da República (25 dc Outubro de 1990).
último Govemo antes dc ser eleito para a Presidência da República, mas ter-se-á, sobretudo, lembrado do advogado que foi bastonário e que, simbolicamente, como que mantém uma remanescência dc representatividade desta nossa Ordem.
Mais do que isso, porém. Pondo de lado o que ditaria o protocolo estrito, decidiu que, em vez de ler uma mensagem sua, eu deveria, por palavras minhas, dizer o que significa esta reunião maior dos advogados portugueses.
Esta outorga de confiança num advogado —agora transitoriamente in partibus — é bem a atitude do homem aberto, justo e solidário que sempre foi o Sr, Presidente da República. E é, dc igual modo, a espontânea atitude dc alguém que, por ser advogado, entende que o mandato representativo deve ser exercido com disponibilidade própria, resguardado o sentido essencial da vontade do representado e não transgredida que resulte a relação de fidelidade que é fundacional dever e vocação determinantemente conformadora da missão do advogado.
Creio que só um advogado «de raiz», como é o Sr. Presidente da República, assim procederia: não foi por acaso que por deliberações unânimes e autónomas do Conselho-Geral e do Conselho Superior lhe foi, pela primeira vez, atribuída, cm Dezembro de 1989, a medalha de ouro da Ordem. E com incontroversa pertinência o foi: em muito significativa medida devemos ao Sr. Dr. Mário Soares — à sua coragem cívica e ao persistente combate em que durante longos e difíceis anos se empenhou na procura de um Portugal diferente— a possibilidade de agora vivermos numa sociedade firmada nos valores da democracia c, por conseguinte, da pluralidade de pers-pccüvas, dc opiniões e dc caminhos escolhidos pelo povo português.
Não lendo podido, exactamente pelo muito que dc si deu à grande causa da liberdade (a maior de todas as causas), exercer uma duradoura actividade forense, é o Sr. Dr. Mário Soares um advogado a corpo inteiro; e quem o é, mesmo que circunstâncias institucionais (no caso as que o vieram depois a colocar no topo da hierarquia do Estado) o arredem formalmente do exercício da advocacia, nunca deixa de o ser — de se sentir e de se querer um advogado.
Coniou-me na época o Dr. Femando de Abranches-Ferrão — uma saudade que mc embacia os olhos — que, no acto com que assinalou o xxx aniversário do Jornal do Foro, deixou uma cadeira vaga a seu lado: era aquela que, por direito c mérito próprios, deveria ocupar o Sr. Dr. Mário Soares, cnlâo deportado em São Tomé.
Dc resto, nunca deixou dc pulsar neste espaço generoso e aberto que foi e queremos continue a ser o da nossa Ordem, um irreprimível sentido de alternância: bastonários como Barbosa de Magalhães, Catanho de Menezes ou Pedro Pitta alternaram com bastonários como Martins dc Carvalho, Pinheiro Chagas ou Domingos Pinto Coelho. Dissonantes nos ideários políticos, em momento algum deixaram de convergir na ideia comum que todos unham da Ordem, garante da inteireza do seu papel protagonístico, da sua firme independência e autonomia face aos poderes então convencionados para o Estado. E nunca nos seus mandatos a Ordem se fraccionou e nem mesmo sublimi-narmente se adequou ao que pudesse afectar a dignidade do direito ou o prestígio das instituições judiciárias e daquela que constitui como que o seu insubstituível suporte: a profissão forense.
2 — O Congresso que agora se inicia é um Congresso virado para o futuro. E ainda bem que assim é: o advogado