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II SÉRIE-C — NÚMERO 31

continua, tem de continuar a ser, um agente, um nervo-motor da mudança necessária — quer nas ideias, quer nos

métodos de trabalho, quer nos horizontes de actuação. A vida em acto não pode mais ser encarada por lunetas do século passado; tudo hoje é quantitativamente maior e carece de ser mais rapidamente enfrentado. O direito é um direito mais urgente. A história acelera-se. O advogado, inventariando as possíveis soluções, terá, por vezes, dc inventar novas perspectivas.

Há, pois, que redimensionar capacidades, que potenciar valências, que não recusar uma tendencial especialização.

Mas, latentes no fundo, e comandando os actos e as opções de conjuntura, estarão as regras deontológicas, os padrões de convivência, o suplemento de calor humano, aquilo que não é apenas uma frase, mas o perene lema da nossa multissecular «nobreza»; a alma da toga. Esta, como valor referencial, será comum ao advogado dc empresa, ao advogado de gabinete, ao advogado internacional, ao advogado de barra. A toga não é uma roupagem: é um estado de espírito.

3 — Nesta acepção, a alma da toga é, realmente, um estado de espírito — e é uma responsabilidade. Ela impõe que o advogado seja mais exigente perante si mesmo e perante o Estado. E ela que o impele, em qualquer momento e em qualquer tarefa, para a defesa das liberdades e dos direitos fundamentais, para um reforçado civismo, para a procura de um exacto equilíbrio entre a democracia formal e a democracia real. É ela que impõe que o advogado reclame a transparência da Administração e daqueles que a prefiguram, e que exija a ultrapassagem do burocratismo ainda não dissipado, que complexifica o que deveria ser simples e natural.

Como eu próprio recordava no nosso 1.9 Congresso, em 1972, as palavras do advogado Jerónimo Silva Araújo, ditas no século xvHi, manter-se-ão sempre actuais, até porque nunca se alcançarão sociedades perfeitas:

Nunca o advogado [...] receie falar dentro dos limites da honestidade, nem tema os homens poderosos e belicosos. Fale viva c insistentemente contra os vícios e crime [...].

Fale, completarei agora, por apego à razão, por amor à verdade, por fidelidade ao seu constituinte e às leis do seu país.

E essa a nossa missão. O nosso destino. O nosso dever e — por que não dizê-lo? — a nossa «glória».

Depoimento (*)

Razões objectivas impedem-me dc, como tanto gostaria, estar presente no acto em que se constitui a Associação Portuguesa de Direito Judiciário.

Compartilho dos seus objectivos. Considero a denominação encontrada particularmente feliz, já que, não obstante todos os possíveis meios alternativos de composição de litígios (como, designadamente, a arbitragem), continuarão a ser os tribunais a forma mais natural de assegurar o acesso à justiça. E tenho como urgente um debate alargado e responsável, embora não comprometido, sobre os grandes temas dc um direito feito à medida das pessoas concretas e da comunidade em que elas efec-

tivamente, c não apenas por convenção ou concessão, possam participar.

Terão que se dar passos audaciosos, imaginativos e progressistas no encontro dc novos métodos e concepções; penso, por exemplo, na lei processual civil, a cuja reformulação não parece subjazer uma ideia bem definida; daí que o Código constituendo incorra no risco de vir a ser um texto pedestre e alastrado, que n3o virá resolver as grandes dificuldades que agora se atropelam.

Indo ao desfecho das coisas, direi que tudo terá dc ser feito com reflexão. Mas, de qualquer modo, entendo que ao direito mais valerá um saudável grão de utopia do que a esclerose dos mitos.

E, no fundo, estará sempre a convicção de que o direito é um caminho indispensável para que se promova uma mais sublinhada igualação entre as pessoas; já não se tratará da igualdade perante a lei, num nominalismo meramente legalista, mas de uma igualdade no direito, num exacto desígnio dc igualação social.

0 direito não é uma mágica, nem uma dogmáüca fria c distante, uma sobrecarga de palavras a esmagar a vida. Os rigores de uma jurisprudência mecânica (mechanical jurisprudence, na frase de Roscüe Pound) c a fórmula, que valia para o século xix, de que «un bon magistral humilie sa raison devant cellc de la loi», pertencem ao passado; em cada caso o juiz, ao aplicar a lei, lerá de dar calor dc vida às categorias friamente lógicas c abstractas dos textos. A sujeição do juiz à lei é uma sujeição inteligente c criativa; é uma sujeição independente; o seu sentido reconhecível será o dc que, como é óbvio, não se poderá substituir ao legislador.

E tantas metas mais se terão dc procurar! A de tomar mais compreensível e comunicável o direito, decorrente da vivência das pessoas e nela culturalmente incluído, então como agente motor dc uma reforçada «aparelhagem cívica». A dc não dissociar a justiça judiciária de uma mais próxima c palpável justiça social. A de actualizar os métodos dc trabalho e a de tornar mais coerente e aberto o ordenamento jurídico.

Em boa hora nasce, pois, esta Associação, como espaço dc diálogo e de análise. E se a Boa Hora, com todas as suas grandezas e poeiras, é como que um símbolo dos tribunais portugueses, por onde passaram e ainda hoje estão tantos e tantos magistrados c advogados que deram pres-lígio e grandeza moral as suas profissões, penso também que, como espaço físico, será um referencial para que a administração da justiça tenha, nas suas necessidades imediatas, respostas mais audíveis, uma compreensão mais concretizada, um papel mais protagonístico nas grandes opções do Estado.

Sobre o Acordo Ortográfico Depoimento (')

1 — Dir-se-á que, no tocante à ortografia, camada superficial da língua, esta não c estática. E, na verdade, Gil Vicente não escrevia como Eça; os nossos próprios avós não escreviam como agora se escreve.

Argumcntar-se-á ainda que «rectificar» a «forma» da língua não implicará, necessariamente, a sua «desnaciona-

(*) Texto enviado para o aclo dc constituição da Associação Portuguesa dc Direito Judiciário cm 13 de Dezembro dc 1990.

(*) Transmitido em 21 dc Dezembro dc 1990 a um órgão da comunicação social.