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II SÉRIE-C — NÚMERO 31

IV

Um caso exemplar

15.1 — Em 29 de MaiO dvSte ano — ames, ponamo, da

minha posse — o PJ escreveu a um Ministro, formulando

uma recomendação.

A carta do PJ era dirigida a «S. Ex.* o Ministro [...]» e terminava nos seguintes termos:

Permito-me formular a seguinte:

Recomendação

[...]

Solicito a V. Ex.e que se digne mandar-me informar do seguimento que esta recomendação venha a ler.

Aproveito esta oportunidade para apresentar a V. Ex.? os meus melhores cumprimentos.

15.2 — Em 8 de Junho, foi recebido um ofício do chefe do Gabinete do Secretário de Estado Adjunto do Ministro em causa, dizendo, em síntese, que o Ministério iria analisar com dois outros Ministérios «a possível sequência a dar à matéria, na devida oportunidade, com vista a encontrar a solução que melhor sc ajustar ao assunto».

O ofício foi dirigido ao «Ex.mo Sr. Provedor de Justiça» e continha este intróito:

Relativamente ao assunto em epígrafe, encarrega--me S. Ex.' o Secretário de Estado Adjunto [...] dc informar V. Ex.1 do seguinte [...].

16 — Em nenhum país, pelo, menos europeu, onde exista um Ombudsman nacional (e não regional ou urbano) um membro do Governo se lembraria de não ser ele mesmo a corresponder-se com o Ombudsman.

Dá-se, para mais, o caso de, cm Portugal, o PJ, não apenas ter, expressamente, categoria de ministro, como o dc possuir um relevo constitucional muito especialmente acentuado.

17 — Claro está que a fórmula adoptada pelo Serviço do PJ —e na qual, por certo, o meu ilustre antecessor, signatário da carta, não terá atentado — era de algum modo propiciatória de uma situação como a que se criou — a qual, ao que vejo, é relativamente frequente.

É evidente que não mandei escrever ao chefe de gabinete, mas adoptarei, para o futuro, medidas cautelares adequadas, designadamente a dc, sendo eu, como PJ, a assinar as recomendações, não ser eu a enviá-las, mas o Serviço.

18 — A «explicação» dada pelo Gabinete do Secretário dc Estado em causa era, de resto, extremamente evasiva e tanto podia ser dada ao PJ, como a um simples particular, cm momento de generosidade espistolográfica.

19 — As «recomendações» do PJ não são cunhas ou sugestões de boa vontade. São uma figura constitucionalmente prevista, às quais deve ser conferido —quer por quem as emite, quer por quem as recebe— a adequada dignidade institucional.

Não deve o PJ pulverizar a sua actividade em «recomendações» de mera intenção; elas carecem dc ser fundamentadas, e n2o poderão, em caso algum, cair na banalidade.

Mas, verificados que sejam estes pressupostos, deve a entidade que as recebe — c que, obviamente não está adstrita ao seu incondicionado acatamento, sob pena dc o «histórico» perigo do «governo dos juízes» se transmudar ÍIO dO «gOVCfílO (JO JV» — fundamentar, em termos minimamente objectivos, a sua posição perante cias.

20—Assim, como as coisas se estão a passar, a actuação do PJ incorre no «fatalismo» de, ou ser espectacular, ou ser anodina e escassamente significativa em termos dc resultados práticos.

V

Um balanço sombrio

21 — A crise da instituição salta à vista e, a perdurar, tornar-se-á insuperável.

Mais valerá então que se tome uma opção sobre se deverá continuar a manter-se o artigo 23.° da Constituição ou se, na próxima revisão, ele deve ser suprimido, surgindo depois, em lugar do actual órgão constitucional, um cogumelo de provedores — ecológicos, dos deficientes, dos consumidores, urbanos, regionais, dos contribuintes, tudo o que a pena fácil do legislador possa imaginar.

22 — É com mágoa que o actual Provedor alcança, depois de cerca de um mês e meio de experiência vivida no Serviço, esta conclusão.

Enquanto Ministro da Justiça do X Governo Constitucional teve ocasião dc dizer, na sessão solene comemorativa do 10.9 aniversário do PJ (2 de Julho de 1986):

Cabe, realmente, ao Provedor de Justiça uma presença determinante na mais determinante das tarefas que as estruturas democráticas comportarão: a da tutela da dignidade. Não uma tutela mecânica e abstracta, mas uma tutela efectiva, visível — necessariamente visível.

E depois dc assinalar a tarefa que ao PJ compele no ensino e aprendizagem dos direitos do homem, referi:

E estes direitos não serão apenas, por certo, os direitos políticos, mas os direitos sociais, económicos e culturais. Na sessão do Instituto da Conferencia & Ordem dos Advogados dc 27 dc Maio — como dá conta a Revista da Ordem de 1977 (p. 417)— alguém «retirou da poeira dos papéis um já esquecido escrito em que eu acentuava que as liberdades cívicas ou políticas pressupõem condições sociais e económicas que confirmam conteúdo ao seu exercício». Repeti então —e não reluto em repetir o que em diversas ocasiões disse, já que a pequena «história» de todos nós é um continuado acto de temporal e coerente ressurreição — que «os valores democráticos somente se efectivarão e manterão numa sociedade economicamente estável, socialmente progressiva e politicamente pluralista, comparticipada, em todos esses planos e em todos os níveis, por homens responsáveis». [«O Provedor de Justiça — significado de uma data», no Boletim do Ministério da Justiça, 358, pp. 5 e segs.]

23 — Ora é precisamente à responsabilidade do Estado que com veemência apelo, cm razão do sentido da minha própria responsabilidade institucional.

Um apelo que não é um pedido, que n3o é o começo de uma negociação, dc solicitações para que, pouco a pouco, sc vão tapando os buracos—mas um apelo que co-