18 DE MAIO DE 1991
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razões que objectivamente tivessem repercutido no núcleo de interesses que ao conselho de gerência caberá com legitimidade acautelar?
Determinei, assim, nesta perspectiva, a audição do mesmo conselho de gerência.
Aliás, como se intuía da Ordem de Serviço, ela não abrangeria necessariamente apenas jornalistas — embora fosse a problemática que a estes envolveria a de mais significativa acuidade, até porque era a que me fora proposta pelo Sindicato dos Jornalistas.
2.3 — Quanto ao meu despacho de 3 deste mês, entendi que da existência de vínculos precários em relação a jornalistas advirá a afectação de reconhecíveis direitos individuais; desde logo da sua liberdade de actuação e da sua essencial independência.
E salientei que «só imperativas e transitoriamente inarredáveis razões de gestão [da RTP] poderiam atenuar a gravidade da situação».
Com este escopo, igualmente determinei que o conselho de gerencia da RTP comunicasse a este órgão do Estado, com a possível urgência, quais as causas da identificada situação, quais as funções efectivamente exercidas por esses seus colaboradores, qual a sua forma de remuneração, qual o seu horário de trabalho, qual o seu vínculo de subordinação à empresa e qual o respectivo estatuto em termos de segurança social.
2.4 — Foram os meus despachos de 2 e 3 do corrente mês entregues, respectivamente em 7 e 8, ao conselho de gerência da RTP, em ofícios subscritos pelo Ex.mo Coordenador, Sr. Juiz-Desembargador Oliveira Guimarães.
3.1 —Porque em 21 deste mês não fora recebido qualquer esclarecimento do conselho de gerência da RTP relativamente a qualquer dos dois casos em análise, entendi dar prioridade àquele que se afigurava dever ser mais urgentemente encarado, ou seja, o decorrente da Ordem de Serviço.
E vi-me forçado a lançar mão do dispositivo do artigo 28.« da Lei n.9 81/77, de 22 de Novembro (Estatuto do Provedor de Justiça).
3.2 — No dia fixado, compareceu neste órgão do Estado o Sr. Vice-Presidente do Conselho de Gerência da RTP, que fez entrega ao Sr. Juiz-Coordenador de uma exposição escrita, apoiada em diversos pareceres jurídicos.
Adicionalmente, elucidou o Sr. Vice-Presidente do Conselho de Gerência que este tinha como irrelevante a existência ou não de danos actuais ou efectivos para que ocorra concorrência desleal, bastando a simples concorrência potencial ou futura para que se possa considerar violado o dever de lealdade.
Assinalou, no entanto, que o recente aparecimento de novas publicações periódicas e de diversas estações de rádio se traduziu numa importante perda dc receitas publicitárias por parte da RTP —que, até há pouco tempo, absorvia mais de 50 % do mercado publicitário e que hoje vê a sua posição remeüda para menos de 50 %.
4.1 — Recordou o conselho de gerência da RTP que o caso da Ordem de Serviço se encontra pendente de apreciação judicial no foro do trabalho da comarca de Lisboa.
4.2 — Esta menção, à qual pode ser atribuída a intencionalidade de chamar a atenção deste órgão do Estado de que se deveria abster de formular qualquer ponderação sobre a aludida Ordem de Serviço, faz ponlualizar o seguinte:
Dispõe o n.9 2 do artigo 20." da cilada Lei n.B 81/77 que «ficam excluídos dos poderes de inspecção e fiscalização do Provedor de Justiça os órgãos de soberania (...]».
Ora, como os tribunais são órgãos de soberania, não deve o Provedor de Justiça interferir nas questões que lhes estejam afectas, nem «reapreciar» as sentenças que vierem a ser proferidas.
Só que nada disto se passa na circunstância cm apreço.
A Ordem de Serviço equiparar-se-á a um acto administrativo genérico, com um universo de destinatários que para o Provedor de Justiça nem será determinável — mas que ultrapassa, por certo, os trabalhadores (um? dois?) que até este momento optaram pela via judiciária.
Obviamente que não pretende o Provedor de Justiça interferir no desenrolar desse ou desses processos judiciais. Aliás, e como concludentemente estabelece a Constituição (n.9 2 do artigo 23.9), «a actividade do Provedor de Justiça é independente dos meios graciosos e contenciosos previstos [nela] e nas leis».
4.3 — Ao que este órgão do Estado muito simplesmente se propõe é, na tutela dos direitos, liberdades, garantias e interesses legítimos dos cidadãos, assegurar, através dc meios informais, a justiça e a legalidade da Administração (artigo l.9 da Lei n.° 81/77), nesta estando incluídas, sem réstea dc dúvida, as empresas públicas [alínea a) do n.9 1 do artigo 19.9].
É evidente que, se um acto administrativo ou equiparado tiver como destinatários uma pluralidade de cidadãos, não pode a circunstância de uma fracção —seja ínfima ou seja mesmo significativa— deles enveredar pela via judiciária, tolher a disponibilidade dc o Provedor de Justiça exercer o seu dever de pronúncia genérico, nomeadamente no desígnio de contribuir para a «melhoria dos serviços» [alínea a) do n.° 1 do artigo 18.° da Lei n.9 81/77]. Se assim não acontecesse, criar-se-ia como que uma situação artificial de «litisconsórcio (activo) necessário». Ou seja: forçar-se-ia a recorrer a tribunal aqueles que porventura esperassem (e pudessem) resolver a sua situação pelos meios informais que ao Provedor são atribuídos.
Aliás, pela lógica pressentívcl na menção feita pelo conselho de gerência da RTP, se da aplicação dc uma norma legal (o que não é a hipótese dc agora) eventualmente ferida de inconstitucionalidade ou ilegalidade advier uma acção judicial, logo ficará esvaziada a competência do Provedor para arguir tais vícios perante o Tribunal Constitucional.
4.4 — Posto isto, e com desnecessidade dc reiterar que este órgão do Estado não pretende tomar posição face a qualquer processo judicial em concreto, tem-se como inteiramente pertinente a actuação até agora por ele desenvolvida quanto à Ordem de Serviço genericamente considerada.
5 — Assim sendo, e concluindo:
a) Mantenho, quanto ao enquadramento constitucional e legal da Ordem de Serviço, n.9 5/90, a perspectiva já claramente assumida nos despachos dc 2 e dc 21 do corrente mês. O conselho de gerência não trouxe a este órgão do Estado qualquer justificação operante para a desproporcionada inibição que através dela criou aos seus destinatários em geral.
Recomendo, assim, ao mesmo conselho de gerência que reveja e corrija a sua atitude, virtualmente lesiva dc direitos fundamentais do universo dos seus possíveis destinatários.
b) Determino que se insista junto desse conselho dc gerência pela prestação, no prazo máximo de 15 dias, dos já solicitados elementos quanto aos colaboradores designáveis por «tarefeiros».
Lisboa, 29 de Agosto de 1990.
Processo n.9 fP 31/90.