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11 DE DEZEMBRO DE 1992

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c) Aos que, encontrando-se nas condições previstas na alínea antecedente, possuam maiores habilitações literárias.

2 — Os concorrentes já pertencentes aos quadros têm preferência sobre os demais concorrentes desde que tenham o serviço classificado de Muito bom.

Por seu turno, o n.° 1 do artigo 119.° do mesmo diploma prescreve:

1 — Podem ser autorizados a estagiar nos serviços de registo e do notariado sob responsabilidade dos respectivos conservadores e notários indivíduos que possuam como habilitação mínima o curso geral dos liceus. [O sublinhado é nosso.]

Verifica-se, pela letra do artigo 113.° atras transcrito, que os concorrentes às vagas de escriturário que tenham estagiado ou estejam a estagiar na própria repartição onde a vaga existe preferem aos estagiários noutras repartições.

Sucede, porém, que a possibilidade de estagiar numa determinada conservatória ou num cartório depende de autorização do respectivo conservador ou notário, autorização essa que o artigo 119.°, n.° 1, configura como objecto de um poder discricionário.

Estando, assim, o acesso ao estágio em qualquer repartição dos registos ou do notariado sujeito a um poder de preferência na selecção dos concorrentes que hão-de preencher as vagas que ocorram nessa repartição, toma-se legítimo concluir que, em relação a ocupação dessas vagas, se não respeitou o princípio da liberdade e igualdade de acesso à função pública consignado no artigo 47.°, n.° 2, da Constituição (').

Isto tanto mais quanto é certo ser tal condição de preferência sempre aplicável dado que, na actual e grave crise de emprego que o País atravessa, o número de candidatos nos diversos concursos excede sempre, em larga medida, o número de vagas a preencher.

Afigura-se-nos, deste modo, que, a continuar-se a dar execução à alínea b) do n.° 1 do mencionado artigo 113.°, se está a recorrer a um modo de recrutamento de funcionários que faz incorrer no risco de, por um lado, se estar a pactuar com compadrios e, por outro, de nem sempre se admitir os mais competentes, aspectos estes que se quis afastar com o n.°2 do artigo 47.° da Constituição (3).

Estas as razões por que entendemos que deve ser solicitada ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade do disposto naquela alínea, o que, no próprio entender da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado, iria certamente permitir que o regime em causa fosse mais rapidamente afastado do que o seria por via legislativa.

III — Pode a alínea b) do n.° 1 do aludido artigo 113.° ser afastada pela Administração antes de ter sido declarada a sua inconstitucionalidade?

Atendendo a que o regime constante de tal alínea viola um preceito constitucional respeitante aos direitos, liberdades e garantias — artigo 47.°, n.°2—, preceito que, por força do artigo 18.°, também da Constituição, é directamente aplicável e vincula as entidades públicas e

(') Artigo 47.°, n.° 2: «Todos as cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via

de concurso.»

(J) V. Diário da Assembleia da República, 1." série, n." 103, de 16 de Junho de 1982, p. 4263.

privadas, toma-se legítimo perguntar se a Administração poderá anteriormente à declaração de mconstitucionalidade desse regime deixar de o aplicar.

Insere-se esta questão no problema geral da aplicabilidade directa e imediata dos preceitos relativos aos direitos fundamentais (3).

Sobre esse tema a doutrina não é unânime.

Assim, segundo uns, a Administração tem sempre de aplicar a lei, não podendo portanto subtrair-se a ela com fundamento na sua mconstitucionalidade. Esta é, aliás, a orientação em França.

Para outros, os órgãos administrativos têm competência para avaliar da inconstitucionalidade de uma norma jurídica mas, como não a podem rejeitar devido à actuação ter de ser pautada pela lei, têm de suspender a sua aplicação até à decisão do caso pela instância de controlo competente.

Para outros ainda a Administração pode pura e simplesmente não aplicar a lei que considere violar os direitos fundamentais.

Autores há também que consideram que os órgãos administrativos apenas podem deixar de aplicar uma lei quando a sua inconstitucionalidade seja evidente (4).

Pessoalmente, afigura-se-nos que uma tomada de posição sobre esta problemática tem de ser encontrada na própria Constituição.

Ao atentar no seu articulado, deparamos com dois preceitos que, em determinadas circunstâncias, podem parecer contraditórios.

São eles, por um lado, o artigo 18.° e, por outro, o artigo 266.°, n.° 2.

Dispõe aquele primeiro normativo, como, aliás, já vimos, que os preceitos relativos aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis; prescreve o segundo que os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei.

Ora, num caso em que seja evidente que uma determinada lei infringe um direito, liberdade ou garantia fundamental depara-se a Administração com o seguinte dilema: é de respeitar o artigo 18.°, não aplicando essa lei, mas desrespeitando o princípio da legalidade consignado no artigo 266.°, n.° 2, ou, pelo contrário, é de obedecer a este princípio, aplicando a lei e fazendo tábua rasa do artigo 18.°?

Pessoalmente, entendemos que se trata de uma contradição apenas aparente. Senão vejamos.

Os artigos da Constituição têm de ser interpretados no seu conjunto, isto é, de molde a que se possam integrar num todo harmónico.

Assim, se é certo que a Constituição no seu artigo 18." estatui o princípio de que os preceitos referentes aos direitos fundamentais são directamente aplicáveis, o que parece significar que eles se sobrepõem a qualquer lei que com eles esteja em desacordo, não é menos certo que essa mesma Constituição indica claramente a quem cabe a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade de uma norma e os casos em que essa declaração tem lugar — artigo 281.°, n.™ 1, alínea a), e 2.

(3) V. José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de ¡976, pp. 254 e segs.

(*) Esta ideia de «evidência» é, na doutrina, associada à ideia de «gravidade objectiva» (Jasé Carlos Vieira de Andrade, ob. cit., pp. 262 e 263).