19 DE JUNHO DE 1993
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A carta que o Sr. Deputado refere e que eu li é do Sr. Professor Manuel Lage. De resto, as nossas relações, para além daquelas que são descritas nessa carta, como tive ocasião de dizer, referem-se também à nossa participação conjunta, ele como director da Sociedade Portuguesa de Ciências Veterinárias e eu como secretário geral. Talvez nessa época o Professor Lage — e lembro que essa relação correspondeu ao período de 1989-1992 — não tivesse falado da minha incompetência como falou há uns dias atrás.
Sobre o sigilo que foi imposto, perguntou-me quem me impôs esse sigilo: foi-me pedido pelo director do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, na altura o
Sr. Dr. Matos Águas. Nunca tive nenhum contacto sobre este
assunto com o director-geral da Pecuária — nunca ele me falou neste assunto.
Quanto a quem me mandou fazer a especialização em Weybridge: a Comissão das Comunidades, a determinada altura, contactou o Laboratório no sentido de habilitar peritos nos países membros a fazer este diagnóstico, porque, Srs. Deputados, não é suficiente ser patologista ou, com mais precisão, ser histopatologista para se fazer o diagnóstico. Suponho que qualquer histopatologista faz o diagnóstico histopatológico da BSE mas, primeiro, tem de se habilitar a fazê-lo e há razões para isso, porque esse diagnóstico é feito em locais próprios: o material é retirado de sítios próprios do cérebro, os cortes são feitos em sítios próprios e as lesões características têm sede própria dentro desses mesmos cortes. O que quero dizer é que, depois de se saber onde é que isso acontece, qualquer histopatologista faz o diagnóstico — mas tem que saber isso primeiro.
Quando a Comissão pensou - porque a Comissão sabe perfeitamente que todos os Estados membros da Comunidade que têm laboratórios têm com certeza histopatologistas — e sentiu a necessidade de que alguns desses patologistas, no caso vertente dois patologistas de cada país, se deslocassem a Weybridge, onde a experiência já era muito grande, de forma a ficarem habilitados a fazer o diagnóstico nos respectivos países, porque tinham consciência de que a doença ia aparecer nesses países, sobretudo naqueles que importaram quantidades razoáveis de animais, mas, quando esse convite chegou, a direcção do Laboratório pensou quem deveria mandar. Por razões que se prendiam com a especialidade que tenho e pelo facto — que, na altura, foi considerado uma razão forte— de o curso ser ministrado em língua inglesa e eu estar bastante à vontade nessa língua, dada a minha permanência durante uns anos nos Estados Unidos, pensou-se que eu seria uma das pessoas indicadas para ir a Weybridge. Essa foi a razão por que foi feita uma proposta nesse sentido, suponho que ao Sr. Secretário de Estado, que a sancionou.
Pergunta-me o Sr. Deputado António Campos como aconteceu a recusa de envio das lâminas para Inglaterra. Sobre essa questão devo dizer o seguinte: quando surgiu o primeiro caso suspeito de encefalopatia espongiforme nos bovinos, eu ainda não tinha ido a Inglaterra. O material foi colhido, foi mandado para o laboratório do Porto, esse material exige uma preparação prévia de cerca de três semanas de fixação, e foi exactamente nesse período em que o material estava a fixar que chegou a convocatória para fazer deslocar o primeiro perito a Weybridge. Nessa altura, eu não tinha ainda instruções nenhumas sobre sigilo ou não e, quando me encontrava em Weybridge e é dito pelos monitores desse curso que provavelmente iriam aparecer casos suspeitos noutros países, nomeadamente em Portugal, tive a ocasião de lhes dizer: «Nós temos um caso suspeito, que está em esludo — o material está a fixar — e ainda bem què este
curso acontece porque, quando eu chegar a Portugal, vou ter a oportunidade de, com propriedade, poder observar esse material.» Nessa altura, o Dr. Bradley, que é chefe do departamento de patologia em Weybridge e é também um dos investigadores que se têm dedicado ao estudo desta doença e que, por essa razão, foi há dias condecorado em Paris, no Office International des Épizooties, disse-me: «Então, se se confirmar o diagnóstico da doença, faça o favor de me mandar essas lâminas porque vamos fazer uma publicação conjunta desse trabalho.»
Quando comuniquei ao director do Laboratório que tinha
o caso positivo e que, de acordo com aquilo que tinha combinado com o Dr. Bradley, iria mandar as lâminas para Weybridge, a primeira reacção do director foi dizer-me: «Sim senhor, mande, acho muito interessante que façam essa publicação.» Não sei agora exactamente quando, mas umas horas depois, não sei se no dia seguinte, mas sei que foi logo a seguir — não posso precisar o espaço temporal — o director do Laboratório veio ter comigo e disse-me: «Não mande as lâminas para Weybridge.» «Mas porquê?», perguntei-lhe. «Não mande, porque foi-me pedido rigoroso sigilo sobre este assunto», respondeu-me.
Foi, portanto, essa a razão por que não mandei as lâminas para Weybridge. Devo dizer que estas seriam enviadas para Weybridge, não no sentido de confirmar o diagnóstico mas antes no sentido de fazer uma publicação, pois o diagnóstico esse não tinha dúvidas nenhumas de que estava confirmado.
Perguntou, também, o Sr. Deputado por que não se fizeram mais exames; porque não era necessário, Sr. Deputado. Para além daquele despacho do Sr. Ministro da Agricultura que mencionou e, mesmo que ele não existisse, se eu reconhecesse serem necessários mais exames, tê-los-ia feito, pois também os sei fazer. O que acontece é que nós aproveitámos os ensinamentos dos ingleses. Os investigadores ingleses detectaram os primeiros casos de existência de uma doença estranha por volta de 1985-1986 e só em 1988, salvo erro em Novembro, é que foi publicado o primeiro artigo que diz que a doença é aquela doença misteriosa que estava a matar as vacas inglesas em grande quantidade.
E isto porquê? Porque, sendo aquela uma doença absolutamente desconhecida nos bovinos, não havia qualquer conhecimento técnico ou científico sobre o que poderia ser o seu agente causal. E é natural que os cientistas britânicos nessa altura tenham feito todos os esforços possíveis e imaginários para a identificar. Levaram uns anos para fazer o seu rastreio e o seu inquérito epidemiológico e para chegar à conclusão de que aquela doença era causada por um púão, ou mais modernamente, dada a grande ignorância que existe sobre este agente causal, um agente transmissível não convencional. Nessa altura, justificou-se que os britânicos tivessem demorado tanto tempo a fazerem a declaração da doença, porque eles não sabiam de que doença se tratava. Sabiam que havia uma doença estranha e usaram metodologias, como por exemplo, a microscopia electrónica, bem como — porque o vi —metodologias que envolveram a imunocitoquí-mica, da qual devo dizer que sou um especialista, pois o meu trabalho nos Estado Unidos versou sobre essa matéria.
O que acontece relativamente à nossa posição é que fomos a Inglaterra aproveitar os conhecimentos que eles adquiriram durante esse período de investigação e aquilo que nos disseram devermos fazer é consequência desse conhecimento. Foi, portanto, esse conhecimento que aplicámos em Portugal. Hoje, os ingleses não fazem mais exame nenhum — como de resto os outros países da Comunidade— que não seja o exame histopatológico.