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15 DE JANEIRO DE 1994

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Ora, pornográfico, apesar da subjectividade do conceito, é o que é puramente obsceno, é o que é apenas imundo... e o filme O Império dos Sentidos, quer na sua concepção, quer na sua análise, foi e vai mais além.

É um filme tremendo de tensão, apesar das suas sequências obscenas, quando abstractamente analisadas.

Mas a Radiotelevisão Portuguesa presta, como se sabe, um serviço público, e é pelo menos discutível que toda a população portuguesa consiga distinguir em O Império dos Sentidos a questão humanamente dramática que nele se desenvolve da pura obscenidade.

Na verdade, se o filme em causa for presenciado com desatenção, ou de leve ânimo, temos que concluir que nele são exibidas cenas que podem ser entendidas, realmente, como chocantes, inconvenientes e ofensivas da moral.

E era este cuidado que se deveria ter tido aquando da programação para a exibição do filme, porque nem a RTP é uma simples sala de cinema nem O Império dos Sentidos é um telefilme.

Parece que não bastará actuar como, desta vez, a direcção do Canal 2 da RTP actuou:

A saber:.

1.° O filme não foi classificado, pela Comissão de Classificação de Espectáculos, como pornográfico;

2.° Apesar disso, e porque ele é susceptível de influir negativamente na formação da personalidade das crianças ou adolescentes, ou de impressionar espectadores particularmente vulneráveis, foi transmitido depois das 22 horas, com advertência prévia expressa e com a pequena bola no canto superior direito do ecrã.

Pronto, desta forma «aligeirada», a RTP exibe numa hora de luxo e, obviamente, para muitos espectadores desprevenidos (... porque, ao contrário do que sucede no cinema, a televisão é vista por espectadores prevenidos e por espectadores desprevenidos) o filme O Império dos Sentidos o qual, como já se disse, sendo presenciado de forma abstracta, desatenta ou desprevenida, pode ser entendido como chocante, violento e obsceno.

Sem que a Alta Autoridade para a Comunicação Social se pretenda intrometer nos critérios da programação utilizados pelas direcções da Radiotelevisão Portuguesa, parece certo que a razoabilidade e o bom senso impunham que a exibição do filme em causa fosse feita no chamado fim de noite, porventura depois das 24 horas, precedida nos momentos imediatamente anteriores aos da sua exibição de avisos cuidados para o conteúdo de algumas imagens e acompanhada de debate formativo e análise criteriosa.

Ou seja, e em conclusão, apesar de esta Autoridade não considerar o filme O Império dos Sentidos como pornográfico, entende-se que a RTP não fez tudo o que estava ao seu alcance para evitar o choque que alguns, porventura muitos, cidadãos sofreram com a sua exibição.

O Império dos Sentidos, que versa também sobre a condição humana, é um filme para ser presenciado por adultos e não é adequado para consumo caseiro e familiar, que, normalmente, acontece às 22 horas ou pouco depois.

VI — Enquadramento legal da questão

Apesar de ter ficado já adiantada a deliberação que a Alta Autoridade para a Comunicação Social vai tomar quanto ao assunto em apreço, importa ainda fazer algumas reflexões sob o ponto de vista jurídico.

O artigo 17." da Lei n.° 58/90, de 7 de Setembro (Regime da actividade da televisão), prescreve, no seu n.° 1, que não é permitida a transmissão de programas pornográficos ou obscenos, e no seu n.° 3 que a transmissão de programas susceptíveis de influir negativamente na formação da personalidade das crianças ou adolescentes, ou de impressionar outros espectadores particularmente vulneráveis, designadamente pela exibição de cenas particularmente violentas ou chocantes, deve ser antecedida de advertência expressa, acompanhada de identificativo apropriado e ter sempre lugar em horário nocturno (ou seja, depois das 22 horas).

Ora, a Alta Autoridade para a Comunicação Social já procurou demonstrar as razões que a levam a entender que o filme O Império dos Sentidos não é um vulgar subproduto pornográfico.

Com efeito, e salvo o devido respeito, não bastará dizer que o filme em causa não é pornográfico porque uma Comissão de Classificação de Espectáculos o não classificou como tal, pelo que, e nessa medida, não pode colher o mais do que singelo argumento utilizado pela RTP.

Quatro razões se aduzem a este propósito:

a) A primeira consiste na circunstância de tal classificação ter como objecto filmes transmitidos em salas de cinema, e não na televisão.

Na verdade, e conforme consta do n.° 1 do artigo 4." do Decreto-Lei n.° 254/76, de 7 de Abril, «a comissão de classificação etária de espectáculos cinematográficos passará a classificá-los também em pornográficos e não pornográficos [...]».

E, não esquecendo que a redacção daquele comando normativo não foi alterada substancialmente pelo Decreto-Lei n.° 653/76, de 31 de Julho, se tivéssemos dúvidas em não abranger no conceito de «espectáculos cinematográficos» os filmes passados na televisão, elas dissipar-se-iam com a leitura do n.° 2 desse mesmo artigo 4.°: «Em relação aos filmes classificados de pornográficos [...] éproibida a entrada e assistência [...] de menores de 18 anos.»

É, pois, mais do que evidente que a classificação do filme feita pela referida Comissão disse respeito à sua exibição em salas de cinema e não no televisor de cada cidadão, pelo que, e nessa medida, a Alta Autoridade para a Comunicação Social jamais poderia sujeitar-se a essa classificação ocorrida em 1976.

b) Por outro lado, e como há-de notar-se dos preâmbulos dos diplomas e das próprias normas em si, a classificação dos filmes em pornográficos e não pornográficos existe, sobretudo, para efeitos tributários desestimuladores da sua importação e procura.

Com efeito, do preâmbulo do Decreto-Lei n.° 254/76, de 7 de Abril, extrai-se que «neste domínio (o dos filmes) avançou-se apenas até à sua classificação como pornográficos e não pornográficos, para o efeito da aplicação aos primeiros de sobretaxas de algum modo desestimulantes da sua importação e da sua procura».

Assim, o n.° 2 do artigo 4.° deste diploma, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 653/76, de 31 de Julho, consagrou que «em relação aos filmes classificados de pornográficos, serão agravadas as taxas de distribuição e as incidentes sobre os preços dos bilhetes [...]».

Também o preâmbulo do Decreto-Lei n.° 654/76, de 31 de Julho, refere que tanto o distribuidor como os espectadores «terão de ver agravadas as taxas da sua responsabilidade, como factor de desincentivação da importação, exibição e procura dos filmes que forem classificados como pornográficos».