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II SÉRIE-C — NÚMERO 9

Portanto, também por esta razão se conclui que a classificação feita em 1976 pela Comissão de Classificação de Espectáculos mais não pode ser do que um simples elemento a ter em conta, e nunca o último limite a tomar em consideração para o exercício de raciocínio decisório que a Alta Autoridade para a

Comunicação Social deve fazer.

c) Entretanto, poder-se-ia pensar que, tendo a referida Comissão classificado O Império dos Sentidos como filme

exibido em salas de cinema, e não havendo critério classificativo nem comissão específica para o classificar (nem a esse, nem a outro qualquer) como filme exibido em televisão, aquela primeira (e única) classificação poder-se-ia aplicar ao caso em apreço, por analogia.

Era errada tal conclusão, por não atender ao artigo 10." do Código Civil.

Na verdade, só há analogia quando no caso omisso (como é o presente) procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei, e, na questão que vimos analisando, é claro e indiscutível que as razões justificativas da regulamentação da exibição de filmes nas casas dos milhões de portugueses podem não ser as mesmas das dos filmes exibidos em salas de cinema.

De resto, no caso em apreço, jamais se poderia aplicar por analogia a classificação feita em 1976 de O Império dos Sentidos como filme não pornográfico, pela simples e óbvia razão de que é o próprio legislador que não pretende que isso aconteça.

De facto, do preâmbulo do Decreto-Lei n.° 396/82, de 21 de Setembro, extrai-se que «à Comissão de Classificação de Espectáculos [...] competirá essencialmente a classificação dos espectáculos cinematográficos e teatrais», e o n.° 3 do artigo 1.° desse diploma prescreve que «a classificação dos espectáculos de radiodifusão visual será regulada por diploma próprio», o que quer significar o que já se disse: que o legislador pretendeu e deve pretender que o critério classificativo dos filmes televisivos não seja o mesmo dos exclusivamente cinematográficos.

Portanto, e ainda por esta razão se demonstra que a classificação efectuada em 1976 não releva essencialmente para d caso presente.

d) Por último, dir-se-á que o conceito de pornografia, embora subjectivo, é um conceito comum, que não pode ser definido (para este efeito) por quaisquer diplomas, como acontece na Portaria n.° 245/83, de 3 de Março.

Poder-se-ia referir, ainda, que, apesar de não se considerar O Império dos Sentidos um filme pornográfico, o certo é que ele é, pelo menos, obsceno, e que, portanto, a sua exibição também estava proibida pelo n.° I do artigo 17° da Lei n.°58/90, de 7 de Setembro.

Há, todavia, um erro de raciocínio em tal conclusão, porque a lei (para este efeito, pelo menos) jamais fez distinção entre as duas «imagens»: pornografia e obscenidade.

Com efeito, o n.° 2 do artigo 1." do Decreto-Lei n.° 254/ 76, de 7 de Abril, equiparou-as, referindo que «[...] são considerados pornográficos ou obscenos os objectos e meios referidos no número antecedente que contenham palavras, descrições ou imagens que ultrajem ou ofendam o pudor público ou moral pública».

Dir-se-á que estamos agora a aplicar a analogia jurídica a que nos recusámos anteriormente, mas isso não corresponde à verdade, porque se o legislador de 1990 [Lei n.° 58/90, de 7 de Setembro (Lei da Televisão)] voltou a fazer referências a programas pornográficos ou obscenos

(impedindo a sua exibição, no n.° 1 do artigo 17.°), e, conhecendo a lei anterior, não pretendeu introduzir qualquer alteração ou distinção entre essas duas «imagens», é porque admitiu e até desejou que elas continuassem a ser consideradas como sinónimos.

Sendo assim, e por maioria de razão, ao não podermos, sem mais, classificar o filme O Império dos Sentidos como pornográfico, também não o poderemos classificar como obsceno.

Mas isto não quer significar, como já se disse, que a Alta Autoridade para a Comunicação Social não repare que a razoabilidade e o bom senso programático teriam imposto que o filme em questão não fosse exibido à hora em que foi (a hora nobre actual da reunião da família) e que a direcção do Canal 2 da Radiotelevisão Portuguesa poderia ter ido mais além, no que diz respeito às tarefas preventivamente pedagógicas e formativas que se impunham.

VII — Conclusões

Em face do exposto, e a propósito da exibição do filme O Império dos Sentidos no Canal 2 da Radiotelevisão Portuguesa, no passado dia 19 de Fevereiro, cerca das 22 horas e 15 minutos, a Alta Autoridade para a Comunicação Social delibera que:

1." O filme O Império dos Sentidos não é, puramente, um filme pornográfico ou obsceno, não obstante conter sequências que, abstracta, desprevenida ou isoladamente perspectivadas, são susceptíveis de ofender a sensibilidade de muitos espectadores

2." Dessa forma, e embora a direcção do Canal 2 da RTP não tenha infringido qualquer comando legal, a razoabilidade, o bom senso e a prudência programática impunham que o filme em questão fosse exibido no vulgarmente designado fim de noite, porventura depois das 24 horas, para além de serem ainda possíveis outras diligências preventivamente pedagógicas e formativas.

3.° Na verdade, o filme O Império dos Sentidos, representando uma tragédia sobre a condição humana, é um filme próprio para adultos mas não o será para a reunião caseira e familiar que, normalmente, acontece às 22 horas ou pouco depois.

4.° Assim, em síntese, a Alta Autoridade para a Comunicação Social julga merecedor de reparo o critério de programação seguido, mas considera sem apoio legal as queixas apresentadas.

Esta deliberação foi aprovada por maioria.

Alta Autoridade para a Comunicação Social, 24 de Abril de 1991. — O Presidente, Pedro Figueiredo Marçal, juiz conselheiro.

RADIOTELEVISÃO PORTUGUESA, E. P.

CONSELHO DE GERÊNCIA

Assunto: Reclamação da Sr.* D. Raquel A. — V/referência 007379 — processo R-558/91.