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22 DE SETEMBRO DE 1994

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74." A frustração de tais expectativas ou, porventura, após a referida opção, de interesses legítimos, não pode ficar à mercê de alterações legislativas claramente desfavoráveis.

75.° Tais interesses não são apenas legalmente protegidos, como serão, também, merecedores da tutela constitucional.

76." Resta saber em que medida.

77.° Chegamos, então, ao segundo problema enunciado no anterior artigo 63.°: O de situar no quadro dos valores constitucionais o equilíbrio desejável entre as exigências de irretroactividade decorrentes do Estado de direito e a compreensível necessidade — muitas vezes por razões de justiça, inclusivamente— de fazer reportar ao passado a eficácia de certos actos legislativos.

78.° A irretroactividade das leis, como regra geral, não se encontra expressa na Constituição.

79.° Indiscutivelmente está expressa a proibição de retroactividade de lei penal mais desfavorável ao arguido (artigo 29.°, n.° 4) e de lei restritiva de direitos, liberdades e garantias (artigo 18.°, n.° 3). De modo discutível, afirmar-se-á um princípio de irretroactividade da lei fiscal assente nas regras de anualidade e plenitude de orçamentos (artigo 108.°).

80.° No entanto, recorrendo à declaração de voto do Dr. Vital Moreira no Acórdão 11/83 do Tribunal Constitucional (Diário da República, 1.° série. n.°242, de 20 de Outubro de 1983) não se pode deixar de reconhecer que, «[...] ainda que não possa afirmar-se que exista um princípio constitucional de irretroactividade da lei (e da lei fiscal em particular), nunca poderia, porém, afirmar-se que a questão da retroactividade é constitucionalmente irrelevante ou que perante a Constituição da República Portuguesa é indiferente que uma lei seja retroactiva ou não».

81." Do referido princípio do Estado de direito resulta um outro princípio já aludido — o princípio de protecção da confiança. Sobre a protecção da confiança do cidadão na lei vigente o Tribunal Constitucional e, já antes, a Comissão Constitucional, tiveram oportunidade de se pronunciar, reconhecendo-o, entre tantos outros, no Parecer da Comissão Constitucional n.° 14/82 e Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 11/83 (Diário da República, I." série, n.° 242, de 20 de Outubro), 93/84 (Diário da República, 1." série, n.°266, de 16 de Novembro) e 303/ 90 (Diário da República, 1." série, n.°296, de 26 de Dezembro).

82.° Em todos eles, não hesitou o Tribunal Constitucional em extrair o referido princípio da ideia de Estado de direito, não querendo com isto admiti-lo em termos absolutos.

83.° E é forçoso que assim seja, porquanto em nome de exigências várias, nomeadamente para cumprimento de princípios e normas programáticas constitucionais, se torna por vezes imperioso fazer retroagir efeitos legais.

84.° Tal retroacção encontra limites absolutos, como pudemos verificar exemplificativamente. Poderíamos ainda acrescentar o limite constituído pelo caso julgado, sem dúvida, paradigmático — como resulta dos artigos 208.", n.°2, e 282.°, n.° 3 (1.* parte).

85.° A retroactividade possível há-de submeter-se a limites de razoabilidade autêntica, reportando-se a situações jurídicas encerradas no passado, como na forma de Rückwirkungsverbot, afectando situações que, embora criadas no passado, fazem subsistir a produção de efeitos mais ou menos duradouros no presente.

86.° Num caso ou noutro, os parâmetros de razoabilidade impostos pelo princípio do Estado de direito hão-de girar à volta dos seguintes aspectos: a necessidade da retroactividade como última ratio, a previsibilidade dos cidadãos simplesmente lesados ou afectados nas alterações da ordem jurídica e o carácter opressivo e desmesurado tlO bâlârlÇô entre as vantagens obtidas pelo interesse público ou outros valores constitucionais e o sacrifício infligido aos cidadãos que, neste caso, confiaram na permanência da essencialidade das suas situações jurídicas profissionais.

87.° A conformidade das referidas normas com a Constituição, no que toca ao princípio da confiança, ficará em boa medida dependente da sua compatibilidade com os parâmetros enunciados.

88.° Podemos distinguir nos referidos parâmetros um pressuposto e diversos requisitos.

89." O pressuposto será a protecção ou prossecução de outros valores constitucionais.

90.° Observando os diplomas legislativos onde se integram as normas de cuja constitucionalidade se requer a fiscalização, poucas conclusões se obterão de imediato.

91.° No entanto, da leitura dos seus preâmbulos em articulação com a Lei n.° 11/89, de 1 de Junho, e com o Decreto-Lei n.° 184/89, de 2 de Junho, poderão retirar-se os objectivos de actualização e sistematização das normas militares estatutárias desde a última reforma (nos anos 60 e 70), a racionalização dos recursos humanos e, muito especialmente, quanto à situação de reserva «proporcional um fluxo normal das carreiras» (conforme se lê no preâmbulo do Decreto-Lei n.° 34-A/90, de 24 de Janeiro), bem como «a funcionalidade das forças armadas e, por essa via, os superiores interesses nacionais» (como se lê, mais adiante, no mesmo preâmbulo). Os referidos diplomas pretendem, bem assim, «assegurar um conjunto de soluções coerentes, que, inserindo-se na disciplina geral das remunerações dos servidores do Estado tem igualmente em conta as características específicas da condição militan> (norma preambular do Decreto-Lei n.° 57/90, de 14 de Fevereiro).

92.° O pressuposto de prossecução de outros valores constitucionalmente tutelados pareceria, pois, verificado, mas não por via directa e imediata.

93." Os objectivos legislativos prendem-se muito mais nitidamente com a execução e desenvolvimento da Lei de Bases Gerais do Estatuto da Condição Militar (Lei n.° 11/ 89, de 1 de Junho) e do Decreto-Lei n.° 184/89, de 2 de Junho. É, pelo menos, duvidoso que se admita a justificação da retroactividade sobre situações jurídicas consolidadas no passado para uma prossecução mediatizada dos valores consagrados na lei fundamental.

94.° De outro modo, correr-se-ia, porventura, o risco de vir considerar que o interesse público, os superiores interesses nacionais, sem dúvida omnipresentes na Constituição, tudo justificariam.

95.° Analisado o pressuposto e suscitadas algumas dúvidas acerca da sua verificação, deverão ser observados os requisitos da necessidade, previsibilidade e razoabilidade ou tolerabilidade da retroacção.

96." E tudo isto, não perdendo de vista «a ideia de que o homem necessita de uma certa segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida» (J. Gomes Canotilho, — Direito Constitucional, ed. Almedina, 5." ed., Coimbra, 1991, p. 375).

97.° Este reconhecimento exposto pe)o ilustre constitucionalista leva a chamar a atenção para outro aspecto ine-