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II SÉRIE-C — NÚMERO 33

constitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma ccontida no Acórdão n.°2/92 de 13 de Maio de 1992, do Supremo Tribunal de Justiça publicado no Diário da República, 1.a série, de 2 de Julho de 1992, por violar as

normas e princípios constitucionais apontados na fundamentação que ora se expõe:

I — Introdução

1,° O Acórdão n.° 2/92 do Supremo Tribunal de Justiça foi produzido ao abrigo dos artigos 437.° e seguintes do Código de Processo Penal (aprovado pelo Decreto-Lei n.° 78/87, de 17 de Fevereiro).

2." Foi, assim, proferido em sede de recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.

3° Nele se interpreta, fixando jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais (artigo 445.°, n.° 1, do Código de Processo Penal), a norma contida no artigo 49.°, n.° 3, do Código de Processo Penal:

A queixa é apresentada pelo titular do direito respectivo ou por mandatário munido de poderes especiais.

4 Entende o Supremo Tribunal de Justiça no referido acórdão que:

Os poderes especiais a que se refere o n.° 3 do artigo 49." do Código de Processo Penal são poderes especiais especificados, e não simples poderes para a prática de uma classe ou categoria de actos.

5.° Anteriormente ao Acórdão n.°2/92 era correntemente admitida —tanto para os crimes semipúblicos (artigo 49." do Código de Processo Penal) como também para os crimes particulares' (artigo 50.°, n.° 3, do Código de Processo Penal) — a queixa apresentada por mandatário judicial munido de procuração forense em termos substancialmente idênticos aos do artigo 37.°, n.° 2, do Código de Processo Civil.

6.° Era esta a interpretação geralmente levada a cabo pelos tribunais e que se encontrava enraizada na comunidade jurídica.

7.° E tal entendimento — é forçoso reconhecê-lo — facilitava largamente o acesso aos tribunais (valor tutelado constitucionalmente, nos termos do artigo 20.°, n.° 1, da CRP) por parte das pessoas titulares do direito de queixa.

8.° Tal aspecto é particularmente importante para pessoas que, tendo sofrido várias ofensas penalmente relevantes nas suas esferas jurídicas, hajam de recorrer repetidamente aos meios da jurisdição criminal.

9." É o que se passa, nomeadamente e de modo muito especial, com grande parte dos ofendidos pelo crime de emissão de cheque sem provisão (previsto e punido pelo artigo 11.° do Decreto-Lei n.° 454/91, de 28 de Dezembro), na sua maioria comerciantes.

10.° A procuração forense com poderes especiais do artigo 49.° do Código de Processo Penal, nos mesmos termos que são descritos pelo artigo 37.°, n.° 2, do Código de Processo Civil, permitia às pessoas titulares do direito de queixa verem gerida a apresentação das queixas pelos respectivos advogados, em consonância com a sua vontade e determinação de representados.

Este entendimento tinha, entre outras vantagens, a de serem conhecidos e tidos em conta, por profissionais

forenses os prazos legalmente fixados para o exercício do direito de queixa.

12.° Tudo isto assenta, naturalmente, numa relação de confiança entre mandante e mandatário judicial garantida pela responsabilidade civil e disciplinar dos advogados, pelo carácter liberal da sua profissão e, particularmente, pela revogabilidade do mandato judicial (artigo 39.° do Código de Processo Civil) e pela possibilidade de desistência da queixa (artigo 51 ° do Código de Processo Penal e artigos 114° e 116° do Código Penal).

13.° Não pode deixar de salientar-se, também, como reforço da relação de confiança entre o advogado e o seu cliente, o dever de sigilo profissional [artigos 81.° e 83.°, n.° 1, alínea e), do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 84/84, de 16 de Março].

14° Confiando na interpretação declarativa que vinha comummente a ser feita pelos tribunais do artigo 49.°, n.° 3, do Código de Processo Penal, muitos processos pendentes contêm queixa apresentada por advogado munido de procuração com poderes especiais não especificados.

15." Tais processos podem, a partir do Acórdão n.° 2/ 92 do Supremo Tribuna) de Justiça, ser objecto de arquivamento (artigo 277.° do Código de Processo Penal), de despacho de não pronúncia (artigo 308.° do Código de Processo Penal) ou de despacho de não recebimento na fase de saneamento (artigo 311°, n.° 1, do Código de Processo Penal).

16.° Haverá de analisar-se, então, em que medida a norma contida no Acórdão n.°2/92, dé 13 de Maio, do Supremo Tribuna] de Justiça, atenta contra normas e princípios formalmente constitucionais.

17° Tal análise passará, nomeadamente, pelo confronto entre tal disposição e o princípio de tutela da confiança (ex vi artigo 2.° da CRP), as restrições ao direito de acesso aos tribunais e seu regime (artigos 20.° e 18° da CRP), as garantias constitucionalmente oferecidas no processo criminal (artigos 27.° e seguintes), nomeadamente para protecção de direitos fundamentais de conteúdo pessoal, como sejam a reserva de intimidade da vida privada (artigo 26.°, n.° 2), o direito ao bom nome e à reputação (artigo 26.°, n.° 1).

18.° Será, no entanto, útil começar por esclarecer um aspecto.

Trata-se da sindicabilidade das normas contidas em acórdãos para fixação de jurisprudência, proferidos nos termos dos artigos 437.° e seguintes do Código de Processo Penal.

II —Admissibilidade

19.° Os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça proferidos no âmbito e para os efeitos dos artigos 437° e seguintes do Código de Processo Penal constituem jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais (artigo 445.°, n.° 1, do Código de Processo Penal).

20° Tal como os assentos do mesmo Supremo Tribunal (artigos 2.° do Código Civil e 763.° e seguintes do Código de Processo Civil), constituem fonte de direito, no sentido de modos de formação e, revelação de regras jurídicas.

21.° Os assentos contêm normas jurídicas em tudo aptas a integrar o conceito constitucional de norma (um conceito misto — material e formal — de acordo com a jurisprudência firmada sobre este assunto no Acórdão n.° 26/85 do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República, 2.« série, de 26 de Abril de 1985).

22.° São, como tal, essas normas, potencial objecto de fiscalização da constitucionalidade, a qual incide genericamente sobre todas as normas emanadas de poderes públicos