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22 DE SETEMBRO DE 1994

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VI — Violação dos direitos ao bom nome, a reputação e à reserva da intimidade da vida privada e familiar (artigo 26.*, n.° 1, da CRP) daquele que é visado pela queixa e do direito à segurança do ofendido (artigo 27.», n.» 1).

104.° Em estreita correlação com o que ficou dito a propósito da presunção de inocência do arguido e das garantias de defesa no processo criminal, ver-se-á que se potenciam danos nos direitos ao bom nome, reputação e reserva da intimidade privada, todos consagrados no artigo 26.°, n.° 1, da CRP.

105." Tais danos serão tanto mais lamentáveis quanto se venha a concluir pela inocência do arguido ou não venha, sequer, a ser apresentada queixa-crime.

106." Mas, ainda que verdadeiros os factos imputados pelo ofendido ao visado na queixa — os quais transparecem no «modelo» de procuração ora exigido —, a perturbação na esfera jurídica deste último, em momento pré-processual, é intolerável constitucionalmente.

107.° «De referir ainda a absoluta inadmissibilidade da exceptio veritatis, isto é, a irrelevância, como causa justificativa, da verdade dos factos da vida privada a que diz respeito a violação.» (Cf. Rita Amaral Cabral, O Direito à Intimidade da Vida Privada, separata do BFDL, 1988, p. 18.)

108.° A exigência de densificação da procuração, desnecessária — como se pode ver — em relação aos interesses visados, atenta seriamente contra a segurança do ofendido.

109.° A possibilidade do conhecimento do seu conteúdo por todos quantos se não encontrem vinculados'por segredo profissional constitui, sem dúvida, forte ameaça à segurança do ofendido, o qual não deixará de temer as represálias daquele contra quem a queixa se dirigirá.

110.° Conclui-se, assim, que em cumulação àsincons-titucionalidades apontadas, viola o Acórdão n.°2/92, de 13 de Maio, do Supremo Tribunal de Justiça, os artigos 26.°, n.° 1, e 27.°, n.° 1, da Constituição.

VII — Da violação do principio da separação de poderes (artigo 114.a, n.° 1) e da tipicidade dos actos normativos, nomeadamente quanto ao artigo 115.°, n.8 4.

111.° Diz-se em abono da conformidade dos assentos com a Constituição, que se trata de normas interpretativas:

Na verdade, o assento seria lei complementar, não inova livremente dentro das fontes existentes, como faz a lei solene, antes se baseia justamente nessas fontes [...] Mesmo quando integra uma lacuna das leis solenes o assento seria assim uma lei complementar; opera uma criação dentro do sistema legal. [José de Oliveira Ascenção, O Direito — Introdução e Teoria Geral, Livraria Almedina, 6." ed., 1991, p. 305.]

112." E mais se diz em defesa da sua constitucionalidade que são actos normativos da função jurisdicional, pelo que não colidem com os actos normativos previstos pelo artigo 115.° da Constituição, os quais são legislativos e regulamentares.

113.° Trata-se, aqui, de acórdãos vinculativos dos tribunais judiciais e não de assentos com força obrigatória geral. Não deixam, como vimos, de possuir o carácter de verdadeiras normas, porquanto são aplicadas pelos tribunais nas decisões dos feitos submetidos a juízo.

114.° Tal norma jurisprudencial exorbita, no entanto, a natureza interpretativa que lhe estaria reservada.

115.° E, se se entende que «só a inovação ou a criação autónomas de regras foram constitucionalmente reservadas» (José de Oliveira Ascenção, ob. cit., p. 305), não se pode deixar de reconhecer uma verdadeira modificação do artigo 49.°, n.° 3, do Código de Processo Penal no seu sentido e conteúdo.

116.° Com efeito diz-se no aresto em análise:

Não decorre, ademais, qualquer prejuízo do facto de a lei se referir a poderes especiais, e não a poderes especialíssimos. Na verdade, os poderes especialíssimos não deixam de ser poderes especiais.

117." Ora, se é certo que, então, se poderia entender que todos os poderes especialíssimos são especiais, lógico será reconhecer igualmente que nem todos os poderes especiais terão de ser especialíssimos.

118.° E ubi lex voluit, dixit; ub voluit tacuit.

119.° Interpretar é revelar o sentido da lei, «é fornecer ao jurista ò conteúdo e alcance (extensão) dos conceitos jurídicos» (Karl Engisch, Introdução ao Pensamento Jurídico, Fundação Calouste Gulbenkian, 6." ed., Lisboa, 1988, p. 126).

120.° A interpretação levada a cabo pelo Supremo Tribunal de Justiça deixa de o ser, porquanto destrói o reduto literal do preceito processual penal.

121.° Algumas tendências da hermenêutica jurídica têm reduzido consideravelmente o peso do elemento literal na tarefa de interpretação:

A chamada teoria da alusão (Andentungstheorie) reduz, na verdade, a importância do sentido literal, mas exige que este seja pelo menos respeitado como limite da interpretação: o sentido a obter através desta deve por qualquer forma ser ainda compatível com o teor literal da lei, ler por qualquer modo expressão na lei. [Karl Engisch, ob. cit., p. 146.]

122." Se a procuração especial (a que mandata para a prática de uma classe ou categoria de actos) pode deixar de o ser para ter de conferir poderes para actos especificamente individualizados, perde-se, por completo, a distinção entre os dois conceitos numa relação de género e espécie que entre eles há-de existir.

123." Por tudo isto, e não passando à margem da questão atinente à constitucionalidade das normas jurisprudenciais vinculativas, não pode deixar de reconhecer-se que tal norma é organicamente inconstitucional, por extravasar o seu papel interpretativo.

124.° Conferindo sentido profundamente diverso daquele que resultaria da letra da lei, indo mesmo além do que seria admissível obter como resultado de uma interpretação restritiva, não havendo qualquer lacuna merecedora de integração, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça invadiu a esfera dos poderes legislativos (conferidos exclusivamente ao Parlamento, ao Governo e a governos regionais), atentando contra o artigo 114.°, n.° 1.

125.° E fê-lo, não por produzir jurisprudência vinculativa, mas por na jurisprudência fixada modificar norma contida em diploma aprovado por decreto-lei autorizado (o Código de Processo Penal).

126.° Viola, assim, também o artigo 115.°, n.° 5, ao modificar preceitos contidos em actos legislativos, ao exorbitar a função cometida aos acórdãos de jurisprudência obrigatória pelos artigos 437.° e seguintes do Código de Processo Penal.