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II SÉRIE-C — NÚMERO 33

titulares do direito de queixa e os seus mandatários teriam confiado na interpretação declarativa, baseada no elemento literal do artigo 49.°, n.° 3, do Código de Processo Penal.

85.° E tais processos ficariam inquinados pela ausência de condição de procedibilidade, conduzindo quase inevitavelmente ao arquivamento, ao não recebimento das acusações ou à absolvição da instância penal.

86.* Tal afectação é\ por certo, violadora do princípio do Estado de direito (artigo 2." da CRP):

O princípio do Estado de direito, densificado pelos princípios da segurança e da confiança jurídica, implica, por um lado, como elemento objectivo da ordem jurídica, a durabilidade e permanência da própria ordem jurídico-social e das situações jurídicas; por outro lado, como elemento jurídico-subjectivo dos cidadãos, na confiança na permanência das respectivas situações jurídicas. Daqui uma certa medida de confiança na actuação dos entes públicos dentro das leis vigentes [...] [J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, Ed. Almedina, 1991, Coimbra, pp. 378 e 379.]

87.° Tal norma importou, pois, àqueles que não previram a decisão tomada em 13 de Maio de 1992 pelo Supremo Tribunal de Justiça, nem razoavelmente o podiam prever, bem como aos seus mandatários munidos de procuração com poderes especiais tout court, a frustração das suas expectativas geradas em torno da aceitação generalizada daqueles mandatos pela jurisdição penal e a lesão do seu direito de queixa, em muitos casos inexercível irremediavelmente pelo prazo prescricional do artigo 112.° do Código Penal.

88." E não se legitima a inconformidade gerada com o princípio do Estado de direito, pela possibilidade de aplicação do artigo 40." do Código de Processo Civil, porquanto tal em nada sana a invalidade de que a norma padece.

V — Da violação de garantias do processo penal (artigo 32»)

89.° A actual Constituição não podia deixar de consagrar específicas garantias em matéria de processo penal, não apenas por razões de justiça formal, como também para protecção de outros direitos fundamentais.

90.° Na verdade, desde cedo na história do direito e das instituições se tem compreendido a especial delicadeza deste ramo processual pelas lesões ou pelo perigo de lesões nas esferas jurídicas dos seus intervenientes.

91.° Assim se justifica que entre as primeiras preocupações do movimento constitucionalista estivessem as garantias do processo penal.

92.° A liberdade, o bom nome e reputação, a intimidade e a segurança das pessoas poderão ser facilmente atingidas sem especiais cautelas que salvaguardem tais valores, eregi-dos, eles também, em direitos fundamentais constitucionalmente protegidos.

93° A exigência densificadora da procuração a que se refere o artigo49°, n.° 3, afronta nitidamente uma dessas garantias:

Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação [...) ' [Artigo31.*! n.° 1, l." parte, da CRP.}

94° E colide também com o n.° 1 do mesmo artigo 32.°:

O processo criminal assegurará todas as garantias de defesa.

95." Haverá que pensar, no que toca ao artigo 32.°, n.° 1, não apenas nas garantias do arguido, como também nas da vítima (do ofendido). Nada o exclui e são nesse sentido as preocupações de certas organizações internacionais das quais Portugal é membro, como se exprime na Recomendação n.° (85)11 do Conselho da Europa:

En même temps, il parait nécessaire de proteger la victime — aussi bien que le délinquant — contre toute atteinte à sa vie privée et à sa dignité.

96.° Relativamente à presunção de inocência do arguido fica ela afectada, inclusivamente, antes de este se constituir como tal.

97." A procuração cuja assinatura pode ser reconhecida notarialmente, nos termos do artigo 35° do Código de Processo Civil, do artigo 127." do Código do Notariado e do n.° 1 do artigo único do Decreto-Lei n.° 21/87, de 12 de Janeiro, apesar do segredo profissional a que estão vinculados notários e seus ajudantes, exibirá, quase publicamente, «o delito concretamente denunciado e, se possível, com a indicação da pessoa ou das pessoas contra quem se visa a instauração de um processo de índole penal».

98.° Recorde-se que não se encontra a procuração, pelo menos ab initio, ao abrigo do segredo de justiça (artigo 86.° do Código de Processo Penal), porquanto o processo ainda não está instaurado.

99.° Referindo-se a essa fase pré-processual afirma Figueiredo Dias:

[...] não se vê então como possa subtrair-se toda esta actividade ao controle das garantias próprias do processo penal sem com isso sofrerem inadmissivelmente os direitos, as liberdades e garantias individuais. [«Sobre os sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal», in Jornadas de Direito Processual Penal, Lisboa, 1988, p. 8.]

100.° E afirma o mesmo autor logo após:

É claro, por outro lado, que a substância das coisas em nada se modifica com a afirmação farisaica — subsidiará de uma manipulação teórica e terminológica— de que nesta fase, no fim de contas, o processo já se teria iniciado mas a acção penal não teria ainda sido exercida. [Ob. cit., p. 11.]

101.° Escapando à tutela do segredo de justiça não é salvaguardado um aspecto essencial sublinhado por Germano Marques da Silva:

O dano para a honorabilidade das pessoas que são objecto de investigação, resultante da divulgação de factos ainda não suficientemente indiciados e sobre-. tudo antes de o arguido deles se poder defender. [Ob. cit., p. 456.]

102." Temos, pois, que os requisitos da procuração para apresentar queixa atentam de modo muito sensível contra a presunção de inocência do arguido (artigo 32.°, n.° 2) e contra as garantias de defesa que devem ser asseguradas em processo penal (artigo 32.°, n.° I), colocando o arguido numa situação da qual não se pode, eventualmente, defender por nem sequer ter dela conhecimento.

103.° Na verdade está como que a processualizar-se este momento sem lhe oferecer as garantias que o Código de Processo Penal oferece aos actos do processo.