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22 DE SETEMBRO DE 1994

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desproporcionadas à salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, violando o n.° 2 do artigo 18.° da Constituição.

64.° Esta ofensa é tanto mais sensível quanto se reconheça que o direito de acesso aos meios jurisdicionais funciona como uma garantia de todos os outros direitos fundamentais, pelo menos na sua faceta negativa. Razão pela qual o seu conteúdo e o seu exercício têm uma fronteira indefinida ente si.

65.° O carácter restritivo das restrições a direitos, liberdades e garantias exige, entre outras coisas, uma relação

de proporcionalidade entre aquelas e os direitos e interesses

tutelados pela Constituição que fundamentem tais restrições.

66." Procurando identificar no acórdão em apreço os interesses norteadores da restrição operada, evidenciam-se a garantia de o exercício do direito de queixa corresponder à vontade do seu titular (ou de quem o represente legalmente ou ainda de quem tenha recebido tal posição jurídica por morte do seu titular, nos termos dos n.os 2 e 3 do artigo 111.° do Código Penal) e a protecção da intimidade e decoro dos ofendidos, particularmente nos crimes sexuais.

67.° O primeiro desses interesses não é protegido directamente pela Constituição. Esta confiou na liberdade e na autonomia privada das pessoas e confiou aos meios próprios do direito civil e do direito processual a tutela da boa fé e da confiança dos intervenientes no tráfego jurídico.

68.° A própria ideia de autonomia privada, também ela implícita mas difusa por todo o catálogo de direitos fundamentais, transparece claramente do direito à capacidade civil (artigo 26.°, n.° 1), do direito à liberdade (artigo 27.°, n.° 1), da liberdade de iniciativa económica privada (artigo 61.°, n.° 1) e, fundamentalmente, do princípio basilar da dignidade da pessoa humana (artigo 1.°).

69.° Não pode deixar de observar-se que a relação de mandato judicial se funda nessa mesma autonomia e que, quanto ao aspecto que aqui importa — o exercício do direito de queixa-crime —, as garantias da livre vontade do seu titular se encontram já garantidas infra-consütucional-mente.

70.° Demonstram-no não só a possibilidade de desistência da queixa (artigo 114." do Código Penal), como também a revogabilidade do mandato nos termos gerais do artigo 1170." do Código Civil.

71° Ora, nestes termos, não se compreende como possam ser necessárias as restrições efectuadas pela norma que exige densificação semelhante para a procuração e para a queixa. Embora possa ser adequada, não é seguramente necessária, pelo que se viola o principio da proporcionalidade das restrições a direitos, liberdades e garantias (artigo 18.°, n.° 2, parte final) na sua vertente de necessidade.

72.° Atendendo, agora, à protecção do decoro e intimidade do ofendido, que a mera procuração com poderes especiais poderia potenciar, aliada à inconfidência do mandatário judicial, observar-se-á mais adiante que é a própria especificação dos poderes mandatados que coloca em perigo ou prejudica efectivamente não só o bom nome como a intimidade quer do ofendido quer do arguido, até.

73.° É que, como se verá, a procuração fica fora do âmbito do segredo de justiça, enquanto o advogado está vinculado ao segredo profissional.

74.° Na verdade, se é grande o dano para a honra e bom nome das pessoas visadas por investigação criminal infundadamente ou, hipoteticamente, contra a vontade do

ofendido, maior é, sem dúvida, o dano causado pela revelação — lícita em amplos termos — do conteúdo da procuração que preencha os requisitos exigidos pelo Acórdão n.° 2/92 do Supremo Tribunal de Justiça.

75.° Também neste aspecto se verifica uma ofensa à regra do artigo 18.°, n.° 2, da Constituição. A defesa da intimidade e decoro do ofendido não requerem proporcionalmente tal restrição, não apenas porque desnecessária como também porque inadequada.

76." Exigir do ofendido uma procuração tão especificada, dificulta-lhe em muitos casos o acesso à justiça, particularmente no caso de pessoas ofendidas plurimamente e, como tal, titulares de vários direitos de queixa, e bem assim em situações de nível sócio-cultural pouco elevado:

The higher the socio-economic status of the injured person, the more likely he is to make a claim and the more likely he is to press the claim by himself rather than through a lawyer. [R. Hunting e outro, Who sues in New York City?, p. 130, Nova Iorque, Columbia Univ. Press, 1962.]

IV — Da violação do princípio da confiança (artigo 2.» da CRP)

77." Da regra contida no artigo 13." do Código Civil e da natureza dos assentos se tem concluído merecerem estes integração na norma que interpretam.

78.° Isto tem, desde logo, como consequência fazer situar a eficácia temporal de tais normas interpretativas no momento do início da vigência das normas interpretadas até ao limite do caso julgado ou de outras situações que o legislador equiparou nos termos do n.° 1 daquele preceito.

79.° É certo que o nosso ordenamento constitucional não consagra nenhuma regra geral de irretroactividade de normas, salvo quanto ao caso julgado (proibição da retroactividade forte, compreendida no artigo 208.°, n.° 2, da CRP).

80." Apenas protegeu expressamente as pessoas da re-troacção da lei penal, ressalvando, muito embora, o tratamento mais favorável ao arguido dado pela lei nova (artigo 29.°, n.° 4) e, estamos em crer, o contribuinte contra normas impositivas de tributação que operassem retroactivamente (em nome do princípio da anualidade e da unidade orçamental — artigo 108.°, n.os 2 e 3).

81.° Temos, por outro lado, que a retroactivade é também expressamente vedada às lei restritivas de direitos, liberdades e garantias (artigo 18.°, n.° 3)e, por maioria de razão, às normas interpretativas restritivas da mesma espécie de direitos. Isto, admitindo apenas por agora não ter o Acórdão n.°2/92, de 13 de Maio, excedido o âmbito interpretativo.

82.° Poderia aduzir-se, então, em defesa da sua constitucionalidade, que não está em causa uma situação de retroactividade porquanto se trataria de norma interpretativa ou que não estão em causa restrições a direitos, liberdades e garantias.

83.° Admita-se, apenas hipoteticamente, não estarem em causa restrições e admita-se, provisoriamente, o carácter meramente interpretativo da norma contida naquele acórdão.

84." Ainda assim a aplicação ex tunc levaria à violação dos princípios da certeza e da confiança na ordem jurídica, na medida em que, nos processos pendentes (dependentes de queixa) desde a entrada em vigor do Código de Processo Pena) (J de Janeiro òe 1988) até à vigência uniformizadora do Acórdão n.°2/92, de 13 de Maio, os