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22 DE SETEMBRO DE 1994

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10) Requisitos esses que são três:

a) Formal — fazê-lo por escrito;

b) Material — fundamentando as razões que levam à recusa;

c) Temporal — antes de recusar a obediência devida;

11) Encontrar-se o magistrado no exercício de urna faculdade é pressuposto de tudo isto. Sempre que o magistrado do Ministério Público recusar a obediência devida pela hierarquia, fora dos casos de ilegalidade ou de grave violação da sua consciência jurídica, mais do que exercer injustificadamente uma faculdade ele estará a exorbitar dessa mesma faculdade colocando-se à margem da lei; 

12) Concluir-se-á, então, tratar-se de uma condição de exercício, de uma limitação, aquilo a que se refere o n.° 2 do artigo 58.° e cujo desrespeito gera responsabilidade disciplinar;

13) Não se configura como restrição a um direito, pelo que, desde logo, parece afastada a hipotética violação do artigo 18.°, n.° 2, da CRP;

14) Aliás, terá de observar-se também o facto de não estar em causa, tão pouco, um direito fundamental;

15) A situação prevista no artigo 58.°, n.° 5, da LOMP não colide com a liberdade de expressão nem com o direito de informação protegidos nos n.os 1 e 2 do artigo 37." da Constituição;

16) Trata-se de recusar o cumprimento de um dever e não de exprimir uma ideia ou um pensamento ou de dar a conhecer factos ou situações;

17) Depois, é importante concluir, ainda, não estarem em causa os valores tutelados pelo artigo 52.°, n.° 1, do texto constitucional;

18) O magistrado não é, por este meio, inibido no exercício dos direitos de petição, representação, reclamação ou queixa;

19) Estas são formas de protecção graciosa de direitos e interesses, as quais implicam um comportamento activo por parte de quem as exerça.

Nada têm que ver, necessariamente, com a omissão do cumprimento de um dever;

20) Exclui-se facilmente a semelhança com a petição, cujo objecto é uma sugestão e cuja natureza é a de um direito de participação;

21) Como ensina Freitas do Amaral, trata-se de «um pedido dirigido a uma autoridade para que tome determinadas decisões ou providências que fazem falta para a defesa de um direito ou interesse do peticionário, quer para a defesa da legalidade ou dos interesse colectivos» (Conceito e Natureza do Recurso Hierárquico, vol. i, Ed. Aüântida, Coimbra, 1981, p. 88);

22) O direito de queixa também não se encontra em causa. Como bem se vê, a queixa tem por fim promover a punição de alguém que cometeu uma infracção. Não implica da parte de quem a realiza que se exima ao cumprimento de um dever;

23) A faculdade a que o artigo 58.°, n.° 5, se refere também não se identifica com o direito de reclamação. Este tem uma natureza impugnatória do acto;

24) Quando o magistrado do Ministério Público se recusa a cumprir um dever resultante de uma relação hierárquica por atentar contra a sua consciência jurídica, não está, em rigor, a impugnar o acto do superior. Entende que o acto que viria a resultar do seu cumprimento, embora legal, afectar-lhe-ia valores de consciência. Ele não contesta o acto em si, nem a ordem, directiva ou instrução do superior hierárquico. Apenas pretende que o procedimento seja avocado ou redistribuído;

25) Em último lugar, ainda no plano destas distinções conceptuais, é necessário distinguir a faculdade de recusa do direito de representação. Com este «não se pretende obter uma decisão, que já existe ou a sua modificação: apenas se demora a respectiva execução para esclarecer melhor o autor do acto, obter deste uma con-

. firmação e salvaguardar a responsabilidade própria face à decisão alheia» (Freitas do Amaral, ob. cit., p. 92);

26) É o exercício deste direito de representação que, precisamente, exclui a responsabilidade do funcionário ou agente que o pratique (cf. artigo 271.°, n.° 2, da Constituição);

27) Todavia, nada permite afirmar, antes pelo contrário, que o exercício do direito de reclamação ou do direito de representação isentem o subalterno do dever de obediência a que se encontra adstrito;

28) Relativamente à liberdade de consciência e ao direito à objecção de consciência, não se descortinam quaisquer ofensas por parte do artigo 58.°, n.° 4, da Lei n.° 47/86, de 15 de Outubro;

29) Primeiro, repare-se que nos termos do artigo 41.°, n.° 2, da CRP não é admitida a isenção de uma obrigação por causa de convicções pessoais;

30) Garante-se, contudo, o direito à objecção de consciência no mesmo artigo 41.°, mas no seu n.° 6;

31) Não é despropositado lembrar que o direito à objecção de consciência não significa a generalização do direito de objecção de consciência;

32) Aliás, aquele direito há-de ver os seus contornos definidos por via legal (artigo 41.°, n.° 6, in fine, da CRP);

33) Ora, a Lei n.° 47/86 de 15 de Outubro vem, precisamente, conferir um direito de objecção de consciência, o qual se pode definir, de acordo com Gomes Canotilho e Vital Moreira, como «o direito de não cumprir obrigações ou não praticar actos que conflituem essencialmente com os ditames da consciência de cada um» (Constituição Portuguesa Anotada, 2." ed., Coimbra Editora, 1984, pp. 252 e 253);

34) Assim, fora dos casos ou à margem dos termos em que a lei admita objecção de consciência, não fica afastada a ilicitude do incumprimento: «A acção ditada por imperativos de consciência pode implicar para o agente a diminuição, em certos casos, da censurabilidade, no plano da culpa, mas não ficará afastada a ilicitude» (Maria da Assunção Esteves, A Constitucionali-zação do Direito de Resistência, ed. AAFDL, Lisboa, 1989, p. 142);