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20 DE JULHO DE 1996

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3." A localização sistemática do preceito, no Capítulo I (Direitos e deveres económicos), do Título IH (Direitos e deveres económicos, sociais e culturais), da Parte I da Constituição (Direitos e deveres fundamentais), aliada ao facto de no Título I (Direitos, liberdades e garantias) ser autonomizado um capítulo dedicado aos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores (o III), poderia levar a concluir que o direito fundamental em causa gozaria, tão só, do regime dos direitos económicos, sociais e culturais, ou seja, para o que ora importa, não seria directamente aplicável.

4.° Não é, porém, assim. O facto de, nominalmente, se tratar de um direito económico e, estruturalmente, de um direito a uma prestação, não impede que lhe possa ser reconhecida, em parte, natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, beneficiando do regime destes, nos termos do artigo 17.° da Constituição.

5." O âmbito de aplicação do regime dos direitos, liberdades e garantias deve resultar, como sustenta Vieira de Andrade, «de surpreender uma diversidade de convicção (determinação) na intenção normativa dos direitos fundamentais: em relação a alguns deles, deve entender-sè que as normas constitucionais são capazes de fornecer todos os elementos e critérios necessários e suficientes para a sua aplicação, ou seja, os direitos são determinados por opções constitucionais; em relação aos restantes, só a intervenção autónoma do legislador ordinário pode definir o seu conteúdo, concretizando os preceitos respectivos e desenvolvendo assim a intenção normativa em termos de produzir direitos certos e determinados (...)» (Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Lisboa, 1983, p. 199). E logo prossegue o ilustre Autor: «A linha de separação introduzida por este critério leva a incluir no âmbito de aplicação do regime dos direitos, liberdades e garantias (além dos direitos de defesa, imediatamente aplicáveis) os direitos a prestações (faculdades) que tenham por objecto um comportamento estadual que possa dizer-se de execução vinculada da Constituição» (ibidem).

6." Estabelecida a possibilidade de um direito a uma prestação poder, não obstante a sua estrutura, gozar do regime jurídico específico dos direitos, liberdades e garantias, possuindo natureza análoga à destes, cabe procurar, no direito fundamental aqui em causa, essa analogia de natureza, a qual deve, segundo Vieira de Andrade, «respeitar cumulativamente a dois elementos: tratar-se de uma posição subjectiva individual que possa ser referida de modo imediato e essencial à ideia de dignidade da pessoa humana; poder essa posição subjectiva ser determinada a um nível que deva ser considerado materialmente constitucional» (ob. cit., p. 211).

7.° No caso do direito dos trabalhadores à assistência material quando involuntariamente se encontrem em situação de desemprego, a analogia da sua natureza com a dos direitos, liberdades e garantias revela-se, desde logo, na sua ligação com o direito fundamental que é condição prévia da existência de todos os outros direitos das pessoas singulares e condição primeira da dignidade humana: o direito à vida.

8.° Com efeito, como notam Gomes Canotilho e Vital Moreira, «o direito à vida significa também direito à sobrevivência, ou seja, direito a viver. Neste sentido, o direito à vida traduz-se no direito a dispor das condições de subsistência mínimas, integrando designadamente o direito ao trabalho (ou ao subsídio de desemprego, na falta

daquele)» (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.' ed., Coimbra, 1993, anot. artigo 24.°, VI, p. 176).

9.° Não se podendo considerar o direito ao trabalho, consagrado no artigo 58." da Constituição, como tendo natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias (cfr., por todos, Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., anot. artigo 58.°, II, P. 315), nada permite deixar, sem mais, de admitir essa natureza ao direito dos trabalhadores à assistência material quando involuntariamente se encontrem em situação de desemprego, como forma residual de assegurar as condições mínimas de subsistência necessárias para a salvaguarda do direito à vida.

10." Tendo em vista o exposto, não será difícil concluir que decorre da Constituição a obrigatoriedade para o legislador de estabelecer uma assistência material mínima para todos os trabalhadores que involuntariamente se encontrem em situação de desemprego.

11.° E esse mínimo será encontrado através do referencial supra mencionado das condições mínimas de subsistência, que corporizam assim, a concreta imposição legiferante do legislador constituinte ao legislador ordinário.

12.° Do acervo de razões expostas parece, pois, resultar como fundada a atribuição de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias ao direito dos trabalhadores à assistência material quando involuntariamente se encontrem desempregados, como entende, aliás, parte da doutrina (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., anot. artigo 59.°, I, p. 318; Nunes Abrantes, «O Direito do Trabalho e a Constituição», in Estudos de Direito do Trabalho, Lisboa, 1991, pp. 59 e segs. (80).

13." O direito dos trabalhadores involuntariamente desempregados à assistência material é reconhecido, no proemio do artigo 59.°, n.° 1, da Constituição, a todos os trabalhadores.

14.° A noção constitucional de trabalhador, por seu turno, deverá abranger «todo aquele que trabalha ou presta serviço por conta e sob a direcção e autoridade de outrem, independentemente da categoria deste (actividade privada ou pública) e da natureza jurídica do vínculo (contrato de trabalho privado, função pública, etc.)» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., anot. artigo 53.°, IH, p. 286). Por forma a não restar margem para dúvidas, acrescentam os mesmos ilustres Autores: «Estão assim seguramente abrangidos pelo conceito os funcionários públicos» (ibidem).

15.° Deve, pois, concluir-se que também os funcionários ou agentes da Administração Pública têm constitucionalmente direito à assistência material quando involuntariamente se encontrem em situação de desemprego, por virtude do artigo 59.°, n.° 1, alínea e), da Constituição.

16.° A concretização legislativa de tal direito dos trabalhadores encontra-se, hoje, contida no Decreto-Lei n.° 79-A/89, de 13 de Março.

17.° Nos termos do disposto no artigo 1.° desse diploma — e na senda do previsto nos regimes anteriores —, apenas os trabalhadores por conta de outrem beneficiam da prestação nele prevista, designada por subsídio de desemprego.

18.° E da análise do diploma, nomeadamente do preâmbulo e do artigo 10.°, infere-se claramente que os beneficiários da assistência material, consubstanciada no subsídio de desemprego, são apenas os trabalhadores vinculados por contrato individual de trabalho, ou seja, tão só os trabalhadores por conta de outrem sujeitos de relações jurídicas privadas.