20 DE JULHO DE 1996
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Da inconstitucionalidade material do artigo 16.s, n.e 2, do Decreto-Lei n.8 43/84, de 3 de Fevereiro
1 — Quanto à eventualidade da norma em causa se apresentar materialmente desconforme à Constituição, po-der-se-ía aventar dois modos distintos de configurar esse desvalor constitucional. Primeiro, por desrespeito do direito de ocupação efectiva, que trataremos de seguida; segundo, por preterição do princípio da igualdade.
O direito de ocupação efectiva decorre do artigo 53.° da CRP — Segurança no emprego —"integrado no capítulo Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores. Embora a concretização mais evidente deste preceito seja a proibição dos despedimentos sem justa causa, tal não esgota, contudo, a garantia constitucional da segurança no emprego. Implica também o direito do trabalhador ao efectivo exercício do emprego, não podendo dele ser afastado ou impedido de o exercer, isto é, o «direito à ocupação efectiva» (cfr. José Nunes Abrantes, Estudos de Direito do Trabalho, Lisboa, 1991, pág. 70; também Jorge Leite e Coutinho de Almeida, Colectânea de Leis do Trabalho, Coimbra, 1980, pág. 247).
Este direito de ocupação efectiva sai reforçado, por via do elemento sistemático, pelo reconhecimento no artigo 59.°, n.° 1, alínea b), da Constituição, de uma dimensão humana, de realização pessoal (para além de meramente profissional) do direito ao trabalho, que não se compadece com a arbitrária disponibilidade do seu uso ou não uso pelo empregador.
Do mesmo modo, não obsta a este entendimento tese que sustentasse a inaplicabilidade deste direito à Administração Pública, pela sua manifesta improcedência. A noção constitucional de trabalhador, há-de ser definida a partir do conceito jurídico comum, complementado pelas qualificações e valores constitucionais. Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, «haverá por isso de considerar-se trabalhador para efeitos constitucionais o.trabalhador subordinado, ou seja, aquele que trabalha ou presta serviços por conta e sob direcção de outrem, independentemente da categoria deste (entidade privada ou pública) e da natureza jurídica do vínculo (contrato de trabalho privado, função pública, etc.)» (cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, 1993, pág. 286). Só assim se compreende o artigo 269.°, ou o artigo 18.°, n.° 1, ambos da Constituição. Estão assim seguramente abrangidos os funcionários públicos (vide Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 285/92, in DR, I-A, de \7.08.92).
Assim, o âmbito da protecção do direito ao trabalho (artigo 58.°) e segurança no emprego (artigo 53.°), consubstancia um «direito a exercer efectivamente a actividade correspondente ao seu posto de trabalho, sendo proibida a manutenção arbitrária do trabalhador na inactividade (...) ou a suspensão não justificada nos termos da lei» (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., pág. 315), bem como o «direito a não ser privado do posto de trabalho alcançado» (idem).
Por outro lado, o complexo normativo que engloba a segurança no emprego e o direito ao trabalho, funcionarão, no /imite, como referência valorativa (cfr. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, I, Coimbra, 1991, pág. 56).
Também a jurisprudência tem reconhecido este direito, nomeadamente no acórdão, da Relação de Évora, de 12-5-88 (in CJ, 1988, 3, 325), no acórdão, do STJ de
12-7-85 (in BMJ, 349, 329), ou no acórdão., também, da Relação de Évora de 19-11-87 (in CJ, 1987, 5, 297), que expressamente afirma que o direito à ocupação efectiva do trabalhador de um posto de trabalho está reconhecido constitucionalmente.
.2 — Contudo, apesar do reconhecimento da existência, com valor constitucional, do direito de ocupação efectiva, tal não é sinónimo de o considerar como um direito absoluto. Facilmente se compreende a necessidade de introduzir restrições a esse direito, como resulta claro da própria
Constituição ao permitir o despedimento com justa causa, ou, em relação aos funcionários públicos, o regime de incompatibilidades de empregos ou cargos públicos (artigo 269.°, n.os 4 e 5, da CRP).
O direito laboral admite que a extinção de postos de trabalho se opere por motivos económicos ou de mercado, por motivos tecnológicos ou estruturais, relativos à empresa (artigo 26.° do Decreto-Lei n.° 64-A/89, de 27 de Fevereiro, vulgo Lei dos despedimentos e da contratação a termo).
Mesmo Gomes Canotilho, que considera inconstitucional o alargamento do conceito de justa causa para justa causa objectiva, acaba por admitir que os motivos objectivos podem ser valorizados positivamente, nomeadamente para despedimentos colectivos (cfr. Gomes Canotilho e Jorge Leite, A Inconstitucionalidade da Lei dos Despedimentos, Coimbra, 1988, pág. 40), o que encontra acolhimento no artigo 16.° do último diploma citado.
3 — No que respeita à aposentação na função pública, constam os princípios fundamentais que regulam tal matéria do Estatuto da Aposentação (aprovado pelo Decreto-Lei n.° 498/72, de 9 de Dezembro). E também aí se prevê a aposentação obrigatória, nos arts. 36.°, n.° 3, e 41.°, e a aposentação compulsiva, no artigo 42.°
Assim, o artigo 16." do Decreto-Lei n.° 43/84, de 3 de Fevereiro, não se apresenta como norma inovadora, pois regula uma situação já típica do regime jurídico da função pública.
Conforme o exposto, retiramos que a aposentação se configura com um quid jurídico distinto do despedimento, sendo, se assim quisermos dizer, uma restrição reconhecida e lícita ao direito à segurança no emprego. Tanto mais que os mecanismos de segurança social permitem a manutenção do status económico.
Mais, se se permite o despedimento, por maioria de razão permitir-se-á a aposentação, não interferindo tal conclusão com o direito de ocupação efectiva, vista a necessidade de este não ser encarado como um direito absoluto, antes admitindo restrições, nomeadamente as ocasionadas por motivos objectivos.
4 — Mas, será que a norma em apreço não viola o princípio da igualdade ínsito no artigo 13.° da Constituição?
Estabelece o n.° 1 que se confere aos excedentes, no primeiro ano de disponibilidade, desde que possuam o tempo mínimo de serviço para efeitos de aposentação, independentemente da idade e de submissão a junta médica, a faculdade de requerer a aposentação bonificada (aposentação nos termos do fl." 2 do artigo do artigo 34.° do Decreto-Lei n.° 41/84, de 3 de Fevereiro) e, diversamente, no n.° 2 impõe-se a aposentação, sem qualquer bonificação, aos excedentes que reunam 60 anos de idade e 20 anos de serviço, ou 30 de serviço, independentemente da idade, desde que se encontrem na situação de disponibilidade há mais de dois anos. Contudo, esta diversidade de tratamento dificilmente, a nosso ver,