O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

8 DE OUTUBRO DE 1981 3332-(125)

O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Miranda.

O Sr. Jorge Miranda (ASDI): - Sr. Presidente, vou fazer uma intervenção muito curta até porque todos nós estamos ansiosos por ouvir a intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos.

Fazendo o ponto da situação, julgo que quanto à concepção do acesso ao direito há nesta Comissão consenso generalizado. Suponho haver ainda algumas dúvidas a respeito da constitucionalização, mas essas dúvidas deveriam ficar dissipadas depois das intervenções dos Srs. Deputados Vital Moreira, Sousa Tavares e, particularmente, depois da intervenção do Sr. Deputado Mário Raposo. Se o direito de acesso ao direito, à informação e à consulta jurídica é o primeiro dos direitos do homem, na expressão do Sr. Deputado Mário Raposo, como é que pode haver hesitação acerca da sua consagração?

Por outro lado, na linha do que foi dito pelo Sr. Deputado Correia de Jesus, em termos extremamente importantes, se o acesso à informação e à consulta jurídica pode ser um meio poderoso de prevenção de litígios, então, que hesitação pode haver quanto à constitucionalização deste direito?

E atrever-me-ia mesmo a ir ao ponto de sugerir que o artigo 20.° tivesse como epígrafe "Acesso ao direito e aos tribunais", consoante a FRS propõe, e que o seu n.° 1 fosse o n.º 3 proposto pelo PCP, ou algo de semelhante, mais ou menos nestes termos: "Todos têm direito à informação e à consulta jurídica nos termos da lei". Isso é um prius em relação ao acesso aos tribunais. O acesso aos tribunais, actual n.º 1 do artigo 20.°, é que devia passar a n.° 2 deste artigo.

Quanto à figura do patrono público o Sr. Deputado Almeida Santos, muito melhor do que eu, explicará aquilo que nós pretendemos no tocante a esse aditamento.

O Sr. Presidente [Borges de Carvalho (PPM)]: - Sr. Deputado Almeida Santos, tem V. Exa. a palavra.

O Sr. Almeida Santos (PS):-Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto ao acesso ao direito eu louvo-me nas considerações judiciosas que sempre ouvi ao Sr. Deputado Mário Raposo. Penso que todos nós reconhecemos que a afirmação generalizada de que a ignorância da lei a ninguém aproveita é um princípio necessário mas brutal, sobretudo porque desfavorece os mais humildes, os mais ignorantes, aqueles que têm uma mais difícil percepção das leis e dos princípios a que devem obediência.

Ora, a nossa ideia é a de que o direito se deve tomar acessível a todas as pessoas e que a informação jurídica deve ser uma obrigação do Estado e penso que sobre isto estamos todos de acordo. Não há aqui nenhuma má intenção, a ideia é esta: vamos transformar o direito acessível a todos aqueles que estão obrigados a ele para que cada um saiba aquilo a que deve obediência e aquilo a que a não a deve, e. essencialmente, para que o direito não seja um privilégio de alguns que se defendem, conhecendo-o enquanto outros caem nas esparrelas, ignorando-o. E parece-me que com a presente formulação ou outra qualquer esta e uma ideia que tem virtude.

A ideia do patrono é mais discutível e eu reconheço isso, mas peco-lhes, desde já, que admitam que na base desta expressão não está nenhum propósito de fazer um serviço nacional de justiça porque, se assim fosse, eu diria então que o serviço nacional de justiça já existia ao nível do Ministério Público.

O que nunca percebi é por que é que o Estado chama a si com tanto empenho o problema da acusação pública e com tão pouco empenho o problema da defesa daqueles que não têm possibilidades de se defender. Todos nós sabemos a vergonha que é o defensor oficioso. Muitos de nós fomos advogados e sabemos que mesmo os mais honestos de nós punham um empenho e uma seriedade muito relativa nas defesas oficiais.

Devo dizer que não tenho um grande peso na consciência sobre isso porque durante muito tempo fiz defesas oficiosas, lá mandava copiar o processinho, lia-o na véspera e fazia a minha contestação. Mas se é verdade que, relativamente a muitos outros colegas que não ligavam importância nenhuma às defesas oficiosas, eu posso ter o mérito de ter ligado alguma, tenho também de reconhecer que não lhes liguei a mesma importância que aos processos em que era pago. Reconheço isso publicamente, não tenho a menor dúvida em fazê-lo mas doeu-me sempre que aqueles que não têm dinheiro para pagar um bom defensor não tivessem sequer um mau porque, na realidade, aquilo não era um defensor mas uma fantochada, uma vergonha. Aliás, uma das nódoas dos nossos tribunais é o chamado defensor oficioso.

Ora, o que propomos tende a melhorar essa situação. Encontrámos a expressão "patrono público" para que não parecesse que queríamos pôr directamente o "defensor público". Tivemos mesmo a dada altura a expressão "defensor público" por contraposição a "acusador público", mas temos consciência que neste domínio se deve avançar com cautela e com prudência.

No entanto, há aqui uma ideia a explorar e era isso que queríamos significar com a expressão "instituirá" e generalizará progressivamente a figura do "patronato público". Estas foram portanto as cautelas com que rodeámos a nossa formulação e, no fundo, o problema é este: ou queremos, na realidade. fazer alguma coisa neste domínio - e, nesse caso, é melhor criarmos uma obrigação constitucional do que a lei ordinária -, ou então teremos sempre uns milhares de advogados eloquentes que dirão que isto lhes vai reduzir a clientela, o que não é verdade, vai, sim, reduzir as chatices porque quem tiver possibilidade de pagar a um advogado preferirá um advogado pago a um advogado oficioso. É óbvio que ainda hoje quem pode pagar a um advogado prefere pagar para fazer uma acusação como deve ser e não confia no Ministério Público, apesar de este agir muito bem na acusação pública.

Penso, portanto, que a ideia é salutar. A formulação pode ser discutível e estamos dispostos a encontrar uma outra que pensem ser melhor mas não gostaríamos que se deixasse cair sem mais a possibilidade de, neste domínio, introduzirmos alguma modificação. A verdade é que eu fui o "pai desta criança" e fui-o ao fim de uma vida de advogado de que reservo algumas boas recordações, mas esta figura entre as más.