15 DE JUNHO DE 1988 499
de um mínimo de representatividade, possa ser endereçada à Assembleia da República. Uma vez apreciada pela comissão especializada e por ela devidamente instruída, lerá de ser, obrigatoriamente, agendada para Plenário da Assembleia da República. Não se trata de uma forma de violentação do direito que ao Parlamento assiste de lixar as próprias agendas. Trata-se, sim, de reconhecer que, quando uma petição colectiva, dotada de uma representatividade significativa, qual seja a que a lei vier a definir, exprimir por si só a candência de um determinado problema junto da opinião pública, o Parlamento, por comodismo, por omissão, por interesses partidários mesquinhos ou egoístas, não deve furtar-se a abordar a sua temática e a debatê-la. Nada impede, em tese teórica, que, anexa a uma petição dessa natureza, possa, por exemplo, ser trazido ao conhecimento do Parlamento um diploma legislativo, mas a verdade e que o nosso entendimento é o de que só tem cabimento para discussão obrigatória no Plenário da Assembleia da República a temática sobre a qual a petição versa e não qualquer texto articulado de natureza legislativa.
Portanto, trata-se, no fundo, de dar voz à sociedade civil, de dar voz aos valores de um moderno Estado de direito democrático, de um Estado politicamente liberal, de tornar mais biunívoco o relacionamento do Parlamento com o conjunto dos cidadãos, consagrando-se assim a possibilidade de um significativo movimento de opinião suscitar o debate de questões relevantes, desde que sejam preenchidos os requisitos de representatividade mínimos que a própria lei ordinária venha a consagrar.
É essa a lógica da proposta do Partido Socialista.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, as duas propostas apresentadas, quer a do PCP quer a do PS, referem-se a essa apreciação pelo Plenário. O mesmo não sucede com as propostas apresentadas pela ID e pelo Partido Os Verdes.
Temos, neste momento, um direito de petição consignado no n.º 1 do artigo 52.º que refere que os cidadãos têm o direito de apresentar petições a iodos os órgãos de soberania. É duvidoso que se justifique a inclusão dos tribunais neste sujeito passivo do direito de petição. No entanto, também não vejo que se justifique, porventura, uma limitação, visto que, quando se faz a sua enunciação, os tribunais são, habitualmente, incluídos nos órgãos de soberania, mas depois, em lermos funcionais, não o são. Portanto, não e um ponto muito relevante. Curiosamente, este n.º 1 não fala na defesa dos interesses legítimos dos cidadãos, mas, sim, no interesse geral. Porventura, seria útil completar isso com o acrescentamento desse tipo de posições subjectivas. Creio que não há razão para que um mecanismo jurídico-processual que se destine a tutelar uma tão vasta gama de interesse exclua essas posições subjectivas. Não houve, porém, nenhum partido que o propusesse. Penso que não se justifica estarmos a fazer um papel perfeccionista em relação à Consumição.
A questão que e importante é, no fundo, a seguinte: para o PS o direito de iniciativa pode vir a ser discutido em Plenário e, de acordo com a sua proposta, em algumas condições deve-o ser. No entanto, o PS não equipara isso a uma iniciativa legislativa popular. Isto é. mesmo que a petição esteja consubstanciada por forma articulada, o PS defende que o Plenário da Assembleia da República deve pronunciar-se, mas não a entende como uma proposta de lei. Portanto, e esta a temática que está em jogo. Nada impede que um grupo parlamentar ou um deputado façam suas as considerações da proposta, portanto, apresente um projecto. Porém, não é pela via da mecânica própria da petição que o processo legislativo é desencadeado.
O PCP concebe esta possibilidade de a lei fixar os casos em que as petições colectivas são examinadas pelo Plenário da Assembleia da República como podendo ir ao ponto de incluir o direito de iniciativa legislativa. Não sei se e assim. Se o for, há uma divisão importante entre as duas propostas que gostaríamos desde já de esclarecer para facilitar a discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, quando partimos para a elaboração das propostas que tem vindo a ser analisadas tivemos em mente duas coisas: primeira, o estatuto constitucional das petições; segunda, o que tem sido a prática do tratamento das petições, designadamente na Assembleia da República.
Pensamos que, como instrumento de participação dos cidadãos na vida política, as petições deveriam ser robustecidos, que deveria ser aumentado o grau de efectivação e também de eficácia face ao presente e que se deveria, de alguma forma, dar corpo ao que já hoje se encontra previsto no n.º 1 do artigo 52.º
Suponho que têm sido - se não unanimemente, pelo menos de uma forma maioritária - colocadas dúvidas pela doutrina quanto à hipótese de os tribunais serem sujeitos passivos. Mantemos, em sede teórica e abstraem, essas dúvidas, uma vez que, efectivamente, parece casar-se mal com um órgão de soberania a quem cabe dirimir conflitos e tomar decisões judiciárias a possibilidade de o confrontar com institutos do tipo das petições ml qual as vimos definindo. Entendemos que elas, pelo carácter informal de que se revestem e pela magnitude e latitude da problemática sobre que versam, devem manter o seu regime, embora acolhendo, por parte dos órgãos de soberania, formas de tratamento mais avançadas.
Centrando o debate na Assembleia da República, creio que não é legítimo ignorar que se tem vindo, ao longo dos anos, a reflectir, de um modo aprofundado, sobre tudo isto. Neste momento, apesar de toda uma série de malfeitorias na revisão do Regimento, há, pelo menos, um dado julgo, mais ou menos adquirido, que e o de se criar uma comissão de petições, seja ela, ao mesmo tempo, a Comissão de Regimento e Mandatos ou não. Parece-me que a tentativa de, em relação a esta matéria, recolher os bons ensinamentos e as boas práticas existentes em outros países e positiva. O reforço no tratamento institucional das petições e extremamente importante. É claro que a Constituição não vai, por si só, operá-lo. A prática e, designadamente, a legislação infraconstitucional acabarão por evidenciar-se indispensáveis. Nesta sede importa proceder a alguns aclaramentos e a alguns avanços. Nós entendemos que, no interior da Assembleia da República, e possível atingir soluções, ulteriormente à consagração constitucional que propomos, que visem o nosso objectivo de uma forma mais frontal e exequível.
Em relação à questão que foi levantada pelo Sr. Presidente, isto e, à questão de se saber se o nosso n.° 2 admite ou não a própria iniciativa legislativa popular, devo dizer o seguinte: em termos pessoais, não tenho nada contra a iniciativa legislativa popular, que em vários ordenamentos jurídicos conhece um tratamento bastante digno. Penso até que, a lodo o momento, deveremos considerá-la nesta Casa, por fornia a acolher a componente participativa da democracia portuguesa - que, sendo representativa, também é participativa e que, nessa medida, é passível de inovações muito fecundas, de revitalização progressiva e sucessiva.
Se houver um entendimento geral segundo o qual se deve vedar, na Constituição, a possibilidade de uma iniciativa legislativa a partir do exercício do direito de petição,