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1310 II SÉRIE - NÚMERO 42-RC

O Sr. Presidente: - Conhecemos as dificuldades da consagração desta nova figura, nomeadamente, no plano da separação dos poderes e do risco da invasão das competências.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Da invasão e também da evasão, porque pode haver esvaziamento ...

O Sr. Presidente: - Sim, mas o que acontece é que ninguém vai pensar que a recomendação tem um efeito vinculativo. Que o Governo ou cumpre ou apanha "tau-tau". Não é isso. Não está isso no nosso espírito. A recomendação vale como tal, tem o valor que tem. É uma ideia que tem de ser explorada, que tem de ser trabalhada. Mas parece-nos mal que, por exemplo, no fim de uma interpelação em que se debateu profundamente uma política sectorial a Assembleia não possa fornecer ao Governo uma indicação. O Governo se quer faz, se não quer, não faz. Não está vinculado a respeitar as recomendações. Se estivesse, havia o risco das invasões da esfera de competência de um órgão por outro órgão e havia, sobretudo, o risco do órgão que recebe a recomendação não lhe ligar importância nenhuma, o que também era uma causa de desprestígio. Portanto, tudo se há-de situar no círculo de giz caucasiano da razoabilidade, da boa compreensão e da utilidade da nova figura.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, essa sua observação clarifica qual foi a rã tio do PS.

Digamos que para ocorrer a essa preocupação não é necessário tanto. O PS, no artigo 183.°, n.° 2, alínea d), especifica realmente que, nos casos de interpelações, os debates poderão terminar pela proposta e votação de recomendações à Assembleia da República ou ao Governo. Também nós, PCP, tivemos uma preocupação similar, e na proposta respeitante a esse artigo prevemos a possibilidade de apresentação daquilo a que chamámos - mas não é só um nome de "guerra", nesta matéria - "moção de apreciação da posição ou acção governamental quanto à questão debatida".

O Sr. Presidente: - Pois é isso.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Reparará V. Exa. que é um pouco diferente. Neste caso das interpelações não se corre nenhum risco. Emite-se apenas um juízo, tal como na moção de censura se emite também um juízo, embora nesse caso de condenação. No caso presente haveria uma espécie de observação sectorial, ou uma crítica sectorial, ou uma crítica pontual.

Diferente é prever, em geral, um poder recomendatório. Tal como V. Exa. fez uma leitura na óptica de um esvaziamento de competências governamentais, ou de uma pressão sobre o exercício das competências governamentais, é possível até fazer uma leitura contrária. Imagine-se que a Assembleia, em vez de se pronunciar deliberativamente sobre determinadas matérias, possa passar a pronunciar-se com carácter de recomendação. A Assembleia não legisla. Recomenda ao Governo que legisle. É evidente que isto nunca será possível em matéria de reserva de competência, em que terá de haver acção directa ou, quando muito, autorização. Num contexto em que o Governo e PSD procuram transformar a Assembleia em câmara autorizativa, a abertura da possibilidade da criação de um quadro de câmara recomendativa parece-me juntar ao piolho a sarna - passe a comparação um pouco zoológica...

O Sr. Presidente: - Mas é claro que nós já nos dávamos por felizes se isto fosse apenas a tradução no domínio das competências do que está no artigo 183.° Já teria vantagens. Até poderemos encarar a possibilidade de não ser uma figura autónoma e genérica, tendo apenas aplicação e lugar no final das interpelações.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto, isso é muito diferente.

O Sr. Presidente: - Debate-se uma política durante um dia inteiro, chega-se ao fim e os jornais perguntam: "Quem ganhou?" Diz-se normalmente que se empatou e que o País não beneficiou nada com isso.

Entretanto, se o resultado do debate interpelativo fosse traduzido numa recomendação, o Governo sabia que tinha sido debatida uma política e que no fim se havia chegado a conclusões e quais! O Executivo se quiser respeita e se não quiser, não respeita. Aliás, se a recomendação for muito necessária e muito importante, a Assembleia da República pode sempre elaborar uma lei contendo o essencial da recomendação! Admito, porém, que, como figura genérica, tenha defeitos que recomendem que neste momento não se avance até tão longe. Contudo, o PS está preparado para qualquer das hipóteses.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, desejo somente usar da palavra para especificar uma questão que o Sr. Deputado José Magalhães colocou. Ela prende-se com o facto de saber se este instrumento não era um instrumento desculpativo de não exercício de outras competências parlamentares.

Julgo que o que está em causa, e a sua inserção sistemática é correctamente a do artigo 165.° da Constituição, é o exercício da competência de fiscalização da Assembleia da República, que não se pode confundir, nem sobrepor, ao exercício de outras competências parlamentares, designadamente a legislativa. Na relação entre o Governo e a Assembleia da República a Constituição consagra instrumentos de controle político por parte do Parlamento da acção do Executivo e mecanismos de efectivação da responsabilidade política.

Ora, a aprovação de recomendações ao Governo na sequência, por exemplo, de interpelações, ou autonomamente, insere-se no quadro do exercício da função de controle político da acção do Governo e não no da efectivação da responsabilidade política. E, nesse contexto, não há que ter demasiadas preocupações pelo facto de a recomendação ao Governo, que não pode obviamente ter efeitos vinculativos, não possuir outro valor que não o de mera recomendação. E digo isto porque também as interpelações não têm hoje outro valor do que o da mera interpelação ou as moções não revestem outro valor do que o das meras moções. Não constituem, em si próprias, instrumentos de efectivação da responsabilidade política. Contudo, há um ponto que cumpre realçar e onde não há diferença entre aquilo que identificamos aqui como recomendações e aquilo que o PCP, na proposta relativa ao artigo 183.°,