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19 DE OUTUBRO DE 1988 1427

Plenário, durante dez minutos, o que é que se faz aos agricultores. Qual é o problema? Os ministros podem passar horas e séculos em Bruxelas, e não podem passar dez minutos sentados na Assembleia da República, dizendo quatro coisas honestas e concatunadas sobre matérias da sua responsabilidade? É isso que está em jogo.

Se há um caso que suscita preocupação sectorial, geral, o que quiserem, não há-de haver uma maneira ágil, expedita, urgente de fazer uma chamada do ministro à Assembleia da República e conseguir uma troca de palavras, de acordo com um ritual definido no Regimento (o que, aliás, consta da proposta do PS e de uma proposta apresentada pelo PCP noutra sede)?!

Será esta uma razão para ver perturbada a quietude, a normalidade cemiterial da vida parlamentar? Alguém julga possível fechar a vida parlamentar quando a vida exija abertura? Verdadeiramente aquilo que se passa hoje no Plenário é já a ocorrência de interpelações urgentes, mas ínvias. Actualmente fazem-se interpelações urgentes a propósito de saídas do Primeiro-Ministro de Belém e de afirmações mais ou menos infundamentadas e graves de sua excelência A, B ou C, mediante uma forma que, enquanto houver Parlamento, não é evitável. Por outras palavras, enquanto houver um parlamento, houver hemiciclo, houver microfones e houver deputados, qualquer deputado tem o direito de estalar os dedos, de pedir e tomar a palavra e chamar ao ministro A, B, C ou D o que quiser. O que não há, certamente, é diálogo.

Ora, o que importaria consagrar através deste mecanismo seria precisamente o diálogo, normalizando instrumentos de discussão de temas quentes. Nenhum tema quente deixa de o ser pelo facto de não ser discutido, mas o facto de ser discutido pode ser relevante para dirimir os conflitos reais existentes na sociedade ou no sistema político em qualquer instância e em qualquer momento.

Portanto, o mecanismo proposto é de transparentização, por um lado, e de vitalização da instituição parlamentar num dos terrenos em que ela se tem revelado mais débil. A atitude presente do PSD, que já não é de defensismo mas de surdez em relação a estes mecanismos de vitalização, além de traduzir uma não receptividade geral a tudo o que seja prestigiar a instituição parlamentar e uma falta de entusiasmo completa em relação aos mecanismos que podem estimular o funcionamento dessa instituição, aí onde ele tem sido débil, morno, e logo insuficiente e não prestigiante, revela sobretudo um preocupante "fechamento" em relação às perspectivas do processo de revisão.

Se não discutirmos, para consagrar elementos de reforço destes aspectos, a discussão centrar-se-á na tentativa de desmantelamento da constituição económica. Assim sendo, a revisão que estamos a fazer serviria apenas para cortar em fatias a constituição económica, um negócio realmente fabuloso, mas, quanto muito, para o Primeiro-Ministro Cavaco Silva.

O Sr. Presidente: - Tenho inscritos para intervir os Srs. Deputados Carlos Encarnação e Costa Andrade. Pedia-lhes que fossem sucintos porque o que está em causa é, obviamente, estarmos ou não estarmos empenhados em reforçar a dimensão dialogai da política portuguesa.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Claro!

O Sr. Presidente: - Pretendemos que o Governo dialogue mais com o Parlamento.

De qualquer modo, não podemos alcançar aqui todos os acordos. Isto pode voltar a discutir-se, e é necessário ter uma visão global e balanceada.

Estou convencido de que, pensando bem, não há razões que impeçam, eventualmente com outra redacção, com limites no Regimento, ou com remissão para o Regimento em termos quantitativos, a consagração de uma figura que venha evitar o recurso à figura da interpelação. A interpelação é, em si, um pedido de contas ao Governo, e o que propomos não o seria. Seria um convite ao Executivo para uma reflexão connosco, por estarmos hipoteticamente preocupados sobre determinada matéria de interesse nacional.

Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, não pretendo roubar muito tempo à Comissão, mas gostaria de salientar algumas reflexões que me é dado fazer neste momento depois das intervenções do Sr. Deputado José Magalhães e de V. Exa.

As reflexões vão neste sentido: com certeza que nós estamos também interessados em reforçar a componente dialogante entre o Parlamento e o Governo. Estamos também interessados em que o Parlamento adeqúe a sua actividade àquilo que, do ponto de vista político, é realmente mais importante. Não pretendemos, de modo algum, fazer com que a actividade essencial do Parlamento seja cerceada, seja inibida, seja diminuída por institutos avulsos que entretanto se vão inserindo em diferentes propostas de revisão constitucional.

A nossa preocupação é esta, e VV. Exas. com toda a certeza que não levarão a mal que assim seja. De maneira nenhuma pode ver-se da vossa posição um intuito de abrir a Constituição ao diálogo com o Governo e do nosso ponto de vista uma atitude de absoluto mutismo do Executivo perante a Assembleia. Não pode ser colocada a questão nestes termos tal como o Sr. Deputado José Magalhães os reconduziu.

Por outro lado, a reflexão que me suscita esta proposta do PS em relação à interpelação, que considero o essencial, é a seguinte: o que estou a verificar é que com esta outra figura avulsa, difícil de caracterizar, difícil de circunscrever e de limitar no tempo e quanto ao número de utilizações possíveis, que seria sempre remetida, como não poderia deixar de ser, para o Regimento, a figura da interpelação ficaria reduzida, desvalorizada. Ela ficaria eventualmente até consumida por esta outra forma apresentada.

Assim, o que estou a ver é que a figura da interpelação, que tem, e teve até agora, uma dignidade constitucional que não é contestada por ninguém, acabaria por ficar, ela mesma, submetida por esta medida avulsa que o PS propõe.

Portanto, em síntese, só gostaria de chamar a atenção relativamente a estes dois aspectos: em primeiro lugar, a nossa posição não é no sentido que o Sr. Deputado José Magalhães tem sublinhado; ela é, antes pelo contrário, de defesa de uma figura e da sua riqueza, ou seja, a figura da interpelação contra uma figura avulsa, a qual a pode desvalorizar, e na prática a desvalorizaria com certeza absoluta.