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19 DE OUTUBRO DE 1988 1441

pronunciava-se contra o Programa do Governo, apresentando uma moção de rejeição e votando-a favoravelmente. Na hora da votação, o Presidente da Assembleia registava: "A moção de rejeição foi aprovada por maioria. Essa maioria, Srs. Deputados, não é absoluta, não é a constitucionalmente prevista e adequada para produzir um efeito de não investidura parlamentar. Está, pois, o Governo investido parlamentarmente. A moção deve ter-se por rejeitada para os efeitos constitucionais."

São situações dessas que, neste quadro e com esta proposta do PCP, ficam excluídas. Nesses casos o Governo, que tenha contra si uma maioria, deixa de ter o privilégio de ser investido só porque essa maioria não é absoluta, ou melhor, porque essa maioria não é a maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções, ainda que possa ser a maioria absoluta dos deputados presentes! É só isso.

Sendo assim, o grito do Sr. Deputado António Vitorino é desproporcionado em relação à operação praticada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Eu não gritei porque as pessoas educadas não gritam. Nem protestei.

O Sr. José Magalhães (PCP): - O "grito" era figurativo, como é gritante!

O Sr. António Vitorino (PS): - Mas é que as ofensas também podem ser figurativas - fica tudo ao nível.

Não quis elevar o tem do debate, nem dramatizar a questão que está aqui colocada, e o Sr. Deputado José Magalhães terá oportunidade de a dramatizar quando chegarmos à moção de censura construtiva. Por hora, queria-lhe dizer que a proposta do PCP é uma operação cirúrgica inepta e ao arrepio do que é a evolução dos sistemas parlamentares da generalidade dos países do nosso espaço geopolítico, por muito que esta invocação do nosso espaço geopolítico possa causar engulhes ao Sr. Deputado José Magalhães. A verdade é que os mecanismos de constituição e de substituição dos governos, em sede parlamentar, têm vindo a orientar-se no sentido de permitir aos parlamentos, antes de se recorrer à instância última que é a dissolução das assembleias parlamentares, a conjugação de várias fórmulas possíveis de solução governativa, e permitir que, através de mecanismos consagrados nos textos constitucionais, haja factores de reforço da estabilidade governativa que é o mesmo que dizer da governabilidade dos sistemas democráticos. É por isso que toda a história constitucional tem sido orientada no sentido de, progressivamente, serem introduzidos, nos textos constitucionais, mecanismos que dificultam o derrube de governos em sede parlamentar. A evolução do parlamentarismo corresponde, de facto, a uma preocupação de reforço das competências de controle e fiscalização dos parlamentos sobre os governos, mas também de garantia de estabilidade dos executivos. É por isso que, originariamente, a moção de censura surge, nos sistemas parlamentares, como um instrumento de efectivação da responsabilidade política do Governo perante o Parlamento susceptível de ser levada às suas últimas consequências através de maioria simples - isto é, o Governo cai, no Parlamento, desde que tenha contra ele mais votos contra do que a favor. E a evolução do parlamentarismo - sobretudo no século XX e sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, em virtude da instabilidade governativa e das dificuldades dos executivos em fazerem face às ocorrências da guerra naturalmente, mas também às tarefas do desenvolvimento económico subsequente ao segundo conflito mundial - correspondeu à introdução do mecanismo das moções de censura susceptíveis de serem aprovadas apenas por maioria absoluta, no sentido de reforçar a estabilidade governativa e de dificultar as formas de derrube dos governos nos parlamentos. E esta evolução é uma evolução generalizada em todos os países da Europa Ocidental: dificultação das formas de derrube do Governo através do mecanismo da censura, substituindo as maiorias simples de derrube dos governos por maiorias qualificadas, isto é, por maiorias absolutas dos deputados em efectividade de funções. E a Constituição Portuguesa, na sua matriz originária de 1976, e na revisão de 1982, não fugiu a esta regra, embora tenha introduzido uma modificação que foi a substituição das duas moções de censura para derrube de um governo por uma só moção de censura, mas manteve intacta a regra da maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções para produção do efeito de substituição do Governo.

O que o PCP pretende introduzir, ao eliminar o n.° 4 do artigo 195.° e ao fragilizar, a ponto de tornar totalmente ineptos, os governos minoritários, é criar uma situação que resultaria, em termos institucionais, anacrónica. Um governo para se formar não poderia ter mais votos contra do que a favor, mas para que fosse derrubado, uma vez formado na pendência da sua intervenção política, tinha de ter contra ele, em torno de uma moção de censura, a maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções. Ou seja, o Governo, quando apresenta o seu programa à Assembleia da República, tem de, para o ver aprovado, ter sempre mais votos a favor do que contra; mas, depois, na pendência de sessão legislativa ou da legislatura, o derrube só pode ser feito desde que, contra ele, se congregue uma maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções. Ora, a lógica da proposta do PCP levada às últimas consequências seria a de uniformizar os dois mecanismos; deveriam por isso propor: se a rejeição do Programa do Governo é feita por maioria simples, então a censura também deve ser votada por maioria simples. Não vejo razão para estabelecer a destrinça entre a maioria de rejeição do Programa do Governo por maioria simples, e depois a exigência da maioria absoluta para o derrube do Governo através de uma moção de censura. Então sejamos coerentes: uniformizemos o sistema! Governos minoritários não existem, os governos não são protegidos pela maioria absoluta da votação da censura, nem minoritários nem maioritários, nenhum deles é protegido, todos se encontram, face à Constituição, em igualdade de circunstâncias, maioria simples para a rejeição do Programa do Governo, maioria simples para votar a censura, maioria simples para o voto de confiança, para a rejeição do voto de confiança - isso é que me parecia ser uma solução uniforme, uma solução coerente, uma solução "sem rabo escondido mantendo o gato todo de fora".