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1588 II SÉRIE - NÚMERO 51-RC

A terceira "razão" é a de que "a figura não conhece similitude no direito público comparado dos países democráticos e politicamente descentralizados".

A quarta "razão" é a de que ela "quebra o princípio da confiança homogénea no seio do Conselho de Ministros, dada a natureza híbrida da confiança política em que assenta tal figura".

Confessem, Srs. Deputados, que pretendem contestar o próprio processo de nomeação do Ministro da República e a sua origem dual no actual sistema constitucional. Confessem que entendem que o Presidente da República, além do mais, também deve perder esse poder e esse instrumento hoje constante do seu estatuto. O vosso amor acrisolado à manutenção dos poderes do Presidente da República é amputado quando se trata das regiões! Vale para tudo menos para isto, como é óbvio.

Quanto ao argumento do direito público comparado, devo dizer o seguinte: "Meus Senhores, muito boa tarde!" É um argumento de nenhuma valia. Por esse critério toda a autonomia é esotérica face ao direito comparado!

O vosso quinto argumento reza assim; "as populações das regiões autónomas concebem como afrontosa, num sentido de desconfiança nacional, a figura do ministro da República, sendo como que um fiscal numa situação paracolonial". Isto mesmo refere o texto que estou a citar, da Assembleia Regional da Madeira. Que, aliás, acrescenta: "a tendência para o exercício do cargo foi a de instalar-se nas regiões autónomas, confundindo-se anticonstitucionalmente como mais um órgão regional, situação que obviamente (sic). provoca (sic) um estado de espírito nas populações contrário à unidade nacional (sic)". É pasmoso! Os arautos dos sentimentos contrários à unidade nacional que, de resto, são ir ritos, desprezíveis e inexistentes virtualmente nas regiões autónomas, seriam os Ministros da República! VV. Exas. entendem perfeitamente banal jantar e almoçar com os senhores dos movimentos separatistas, mas entendem "afrontosa" e "propiciadora de um estado de espírito nas populações contra a unidade nacional" a existência de um Ministro da República!

Srs. Deputados, é uma argumentação verdadeiramente insultosa e atentatória do normal exercício da inteligência, porque se trata de uma radical inversão das coisas. Não coloquemos no mesmo prato o separatismo e os Ministros da República! Ou, então, aleguemos factos, apontemos elementos e corram os senhores à polícia: se alguém atenta contra a unidade nacional, quem quer que seja, o destino é a esquadra, e não outro! Não pode haver atitudes de meias-tintas. Se VV. Exas. entendem que um dado Ministro da República "provoca um estado de espírito nas populações contrário à unidade nacional", é um caso de esquadra! Em todo o caso, não é uma questão a resolver pela Comissão. Se, por acaso, a argumentação está a esse nível, o problema resolve-se facilmente numa qualquer esquadra no meio do Atlântico.

Gostaria de dizer, finalmente, que se o Ministro é uma "singularidade aberrante", é bom ver quais são os efeitos das singularidades que VV. Exas. visam introduzir com a sua supressão. Nesse ponto, a tarefa fica facilitada pelo debate que tivemos há pouco, mas gostaria de aduzir algumas observações sobre as implicações.

Formulo a seguinte tese: o projecto de lei de revisão constitucional n.° 10/V, apresentado por alguns Srs. Deputados do PSD/Madeira e Açores, implica duas coisas. Em primeiro lugar, ocasiona um desequilíbrio geral na repartição de poderes entre órgãos de soberania e de Poder. Em segundo lugar, implica elementos de rotura da unidade nacional, e isto demonstra-se facilmente.

Em relação ao primeiro ponto ficou já demonstrado afoitamente que a supressão dos Ministros da República distorceria, desequilibraria e faria uma ablação de poderes do Presidente da República e exporia este órgão de soberania a dupla e tripla ultrapassagem por órgão de governo próprio das regiões autónomas. Como os Srs. Deputados não devem esquecer, na lógica do vosso projecto de revisão constitucional há uma profunda reconformação da arquitectura do poder regional e não apenas uma intensa reformulação das relações com a República. Há um desequilíbrio do poder regional a favor dos governos regionais que adquiririam competências legislativas e poderiam absorver competências das assembleias regionais. Há, por outro lado, um descomunal engrossamento dos poderes das

Assembleia da República e do Governo.

Além disso, como VV. Exas. não só propõem a supressão do Ministro da República, como sugerem o alargamento dos poderes legislativos das regiões, preconizam a diminuição correspondente dos poderes dos órgãos de soberania, das condições de exercício dos mecanismos de fiscalização preventiva, sucessiva e abstracta. Operando uma sucessiva governamentalização (e, eventual, presidencialização, a favor do Presidente do Governo Regional), fazem pender nesse sentido a balança de poderes interna das regiões autónomas. Como é que isto conduz ao efeito de desequilíbrio? Está já demonstrado, pelo que não me deterei excessivamente nessa matéria.

Seria um péssimo serviço prestado à natureza e ao estatuto do Presidente da República no sistema português! Exporia o Presidente da República a ser menos do que um Presidente de um Estado federado, porque poderia ser ultrapassado, o que não ocorre em sistemas federais.

Em segundo lugar, o sistema conduz à ruptura da unidade nacional, porque no quadro proposto pelo PSD deixa de haver leis gerais da República. No sistema proposto pelo PSD/Madeira e Açores deixa de haver possibilidade de a Assembleia da República exercer, como acontece actualmente, as suas prerrogativas legislativas, alargando-se correspondentemente a esfera de poder das assembleias regionais.

Assim sendo, verifica-se a seguinte cadeia de implicações: embora as assembleias regionais estejam limitadas formalmente pela Constituição (uma vez que, na redacção do artigo 229.° do vosso projecto, os diplomas regionais deveriam subordinar-se à Constituição), as assembleias regionais manteriam o poder, agora alargado e adaptado, de confirmar, por maioria qualificada, os diplomas que o Presidente da República considerasse inconstitucionais, bem como o Tribunal Constitucional.

Deste modo, um diploma regional inconstitucional poderia, por mera vontade das assembleias regionais, ser confirmado e imposto com ultrapassagem de um aresto do Tribunal Constitucional que se pronunciasse pela sua inconstitucionalidade e de uma correspondente decisão do Presidente de República.