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1666 II SÉRIE - NÚMERO 53-RC

Os "pezinhos de lã" com que o PSD apresentou estas propostas, a leitura desintegrada que fez até das propostas sobre os artigos 251.° e 252.°, a separação que fez entre as propostas respeitantes a uma manipulação da composição das assembleias municipais, aqui revelada pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação em termos suaves, e esta proposta de mais-valia apresentada quanto aos executivos - tudo isto não pode ser aceite. O projecto de revisão é um todo, a lógica do PSD nesta matéria é reforçar posições monocolores em relação às assembleias e aos executivos. No caso das assembleias, por uma via. No caso dos executivos, por outra via mais aberta, mais pujante e impudente.

Dizer que tudo isto é um tertium genus, fazer, para fundamentar e servir isto tudo, uma alegação incolor à necessidade de "reforçar eficácia", apenas visa colocar em plano secundário aquilo que devia ser colocado debaixo dos holofotes como solução que é, inserida em propósitos dos quais só se pode vivamente discordar.

O "prémio de mais-valia" proposto pelo PSD não é mais do que um instrumento de pura engenharia eleitoral. Em termos de valia democrática não oferece nenhuma! O debate que travámos até ao momento é uma prova concludente disso mesmo. Desde logo, os Sr s. Deputados do PSD têm grandes dificuldades em sustentar que um mecanismo deste tipo não introduz uma distorção significativa das regras de representação. Trata-se de uma solução artificial, que permite transformar em maioria absoluta uma maioria relativa, que prejudica as entidades que não tenham uma maioria e que altera radicalmente o modo de relacionamento entre a maioria e a minoria nos sistemas de poder municipal.

É evidente que terá tanto mais legitimidade para criticar esta solução quem critique outras igualmente distorcedoras da representação proporcional e da articulação maioria-minoria, como, por exemplo, a moção de censura construtiva. Em todo o caso, mesmo neste estrito plano, é possível ter em conta que numa situação de pulverização de votos poderia acontecer através deste sistema, que uma lista pouco mais votada que as demais tivesse, por virtude deste mecanismo mirabolante, uma maioria absoluta.

Entretanto, é outra evidência que esta solução não traria a pacificação e não seria o "desentupidor geral" do sistema de poder municipal. Já foi lembrado nesta sede que uma solução deste tipo é susceptível de induzir uma conflitualidade acrescida nas assembleias municipais. É inequívoco que essa conflitualidade acrescida existiria, uma vez que a situação existente no Executivo seria artificial. E os Srs. Deputados do PSD são coerentes, por uma vez, quando pretendem também "tratar da saúde" da composição das assembleias municipais. O vosso sistema não se esgota nas "virtualidades" enormes de engenharia eleitoral do "prémio de mais-valia": pretenderiam também dar à maioria precária assim existente a possibilidade de construir um sistema de poder assente na selecção dos presidentes das juntas de freguesia com assento nas assembleias municipais, e assim teriam duas maiorias (uma na câmara e outra na assembleia) e não apenas uma maioria isolada! Só que essa forma de construção de um sistema de poder é francamente assente numa ruptura das regras de lisura democrática e das regras de representação fiel das diversas forças políticas com interesses na vida municipal, sendo, portanto, duplamente inaceitável.

Acresce a isto, em termos de artificialidade, que uma solução deste tipo acarreta não só o hiperpresidencialismo como também a tendência para a formação de equipas assentes no pólo presidencial e uma distorção da representação, traduzida não só na lesão directa dos partidos e das forças minoritárias mas também numa pressão ínvia, ilegítima e indébita para coligações pré-eleitorais. Isso pode alterar por completo o próprio funcionamento do sistema partidário a nível local e a grelha de movimentação de partida, de arranjos, de constelações de poder e de relacionamento entre as forças políticas, com consequências de engenharia já não só do sistema eleitoral e do sistema político como também do próprio sistema partidário. Aquilo que o PSD gostaria de fazer, a partir daqui, seria um processo não apenas de pulverização mas de "pulverização a caminho do evanescimento" das forças excluídas da posse da maioria artificial lograda através deste funil de decantação de votos.

Quer-se cavar fundo e não apenas no sistema político, no sistema de poder ou no interior dos executivos. Quer cavar-se no sistema partidário e na própria identidade desse mesmo sistema partidário. É evidente que o CDS, no meio disto tudo, faz o papel de quem delira e anda mecanicamente para, no termo da linha de montagem, ser empacotado. Mas essa é uma outra questão, que tratarei separadamente.

O terceiro aspecto é o do mérito absoluto das soluções. Que se diga que a homogeneização é tudo e o pluralismo nada. vindo de quem vem, é verdadeiramente curioso. E conspícuo, embora seja significativo da reflexão que o PSD faz sobre si e sobre a sua filosofia neste ano de 1988.

Ao fim de catorze anos de trajectória democrática, o PSD descobre as virtudes do monocolor e da cor única, o que é interessante. Dir-se-ia que a composição pluralista dos executivos favorece, pela sua própria natureza, a eficácia da gestão, já que permite a pluralidade de visões sobre a mesma matéria e, logo, processos de reflexão conjunta e a formação de convergências, de maiorias e de consensos que são positivos para a resolução dos problemas. Viabiliza entendimentos susceptíveis de se repercutirem no próprio funcionamento das assembleias municipais; viabiliza formas de conjugação susceptíveis de terem mais vastas referências; ajuda a combater fenómenos de corrupção; ajuda a evitar, portanto, fenómenos de ilegalidade e de compadrio, dada a diversidade de posições e de interesses; é um factor de transparência, uma vez que os partidos que estão em minoria têm, no entanto, direitos de intervenção en su sitio e com igualdade de estatuto e não foram excluídos nem estão em situação de exílio, e contribui para tornar o poder local mais representativo e até para tornar mais fácil a fiscalização das populações, porque, aí, onde há muitos olhos exprimindo diversos pontos de vista, pode haver mais possibilidades de os cidadãos terem conhecimento do que se passa e, logo, intervirem, tomarem posições e, assim mesmo, fiscalizarem de forma directa e indirecta a acção dos executivos municipais.

É, portanto, um factor de vitalidade da democracia aquilo que o PSD pretende suprimir através deste mecanismo.