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27 DE OUTUBRO DE 1988 1667

Isto leva-me ao quarto ponto: será que na realidade portuguesa alguma coisa grita aos berros que se acabe com esta situação ("executivos com feição monocolor, já") para permitir a salvação da Pátria, ou, pelo menos, do município? É uma questão intrigante, porque sabemos que as coligações pré-eleitorais dos partidos de direita entre si e até com o PS conduziram à redução muito grande do número de situações de maioria relativa. Assim, a questão tem - que se saiba - uma escassa incidência. A não ser que os Srs. Deputados estejam a fazer um raciocínio de amplificação destas situações e a não ser que o vosso prognóstico seja de muitas mais maiorias relativas, caso em que estariam a pôr "trancas à porta". Mas isso parece-me que seria uma muito imprudente e, sobretudo, uma muito impudente técnica de actuação!

Por outro lado, os casos de instabilidade decorrentes de maiorias relativas contam-se pelas mãos. Na verdade, os casos em que essa instabilidade, real ou suposta, conduziu a eleições suplementares foram diminutos. De resto, as eleições suplementares que se verificaram foram bastante interessantes quanto à punição eleitoral dos promotores da instabilidade, isto é, dos promotores das eleições. Lembro-me do caso de Évora e do caso de Loures, que são casos bastante interessantes desse ponto de vista. Note-se que se verifica ainda que, em casos em que, por exemplo, o PSD e a ex-APU tiveram quase o mesmo número de votos e o PSD obteve a presidência, isso não impediu a distribuição de pelouros, a realização de obra positiva por parte dos vereadores em minoria e uma correlação não bloqueadora de poderes e de actuações. E estou-me a lembrar claramente do caso de Sintra, mas talvez nas mentes de outros Srs. Deputados se perfilem outras hipóteses. Nos casos de Lisboa e do Porto, francamente, não creio que se possa dizer que é isso que provoca dificuldades no funcionamento dos executivos municipais. E, sobretudo, tenho mais dúvidas ainda de que a solução que os deputados do PSD propõem satisfizesse mais do que a gula do próprio PSD.

Que outros queiram fazer isso é que nos parece verdadeiramente inusitado. Como é possível que o PS encontre alguma vantagem, contando pelos dedos, numa situação desse tipo? Parece-nos que só pode resultar de contas mal feitas! Por outro lado, as contas deviam ser feitas - a serem feitas - tendo em conta também os vereadores minoritários e as consequências do apagamento do mapa desses mesmos vereadores. Quando se fazem contas, convém fazer contas totais. Nessa matéria, ser "totalitário" é extremamente positivo para não se ser todo deglutido.

Isto conduz-me ao último aspecto: "há soluções piedosas e aliciantes"? Refiro-me claramente à solução do Sr. Deputado Almeida Santos que foi aqui improvisada - claramente que surgiu no seu espírito nestes próprios minutos - e não tem nada a ver com nenhuma negociação nem com nenhuma discussão! Não tem nada a ver com nada! Saiu desta conversa coloquial e casual, neste fim de tarde ameno do mês de Julho, e traduz-se num verdadeiro e próprio direito de acrescer. O Sr. Deputado Vera Jardim não a conhece porque resultou deste debate a preocupação do Sr. Deputado Almeida Santos, aqui expressa espontaneamente, neste seu estão muito peculiar, nestes termos singelos: "Seria muito mau que os partidos que não têm direito a 'prémio de maioria' e que sejam vítimas da 'maioritarização absoluta à força* ficassem punidos e privados de vereadores."

"Mas, então - lançou o Sr. Deputado Almeida Santos num golpe de inspiração que me apraz sublinhar -, não se tire nenhum vereador a ninguém. Institua-se um 'direito de acrescer'. A maioria relativa adquire o número de vereadores que seja necessário para se transformar em maioria absoluta."

Claro que se a maioria for pequenina, então aí a questão que há que ter em conta é que, para ela se tornar em maioria absoluta, dada a pulverização do espectro partidário na candidatura, pode ser necessário dar-lhe muitos vereadores, ou seja, um coeficiente n. Daí as contas que os Srs. Deputados do PSD estavam fazendo ali num grupo garrido e luzidio e que me parecem ser de duas uma coisa: ou umas contas de Mofina Mendes ou umas contas para ter muito em conta.

Srs. Deputados, se se fosse para um direito de acrescer desse tipo, então estaria gerado um quadro que seria um verdadeiro pandemónio. Seria possível, por exemplo, num quadro de pulverização de votações, que um partido pouco distante dos demais em votação adquirisse, ipso facto, por mero efeito de ser o mais votado - e para ser o mais votado basta um voto, como se sabe -, o direito a acrescer de n vereadores (tantos quantos fosse necessário para ter sozinho mais que todos os vereadores dos outros partidos aglutinados). E então um pequeno partido, apenas um pouco maior que todos os outros, teria direito a ter mais vereadores que todos os outros, por um voto, virtualmente, o que me leva a dizer que este prémio de maioria, na modalidade de direito de acrescer, conduz a pelo menos tantas distorções ou se calhar a mais que o outro, uma vez que é artificialíssimo. Note-se que certas situações e hipóteses que poderíamos trabalhar se tivéssemos os números - e, seguramente, todos podemos ter todos os números - poderiam conduzir a situações verdadeiramente aberrantes.

Qual a virtualidade? Nenhuma, a não ser a da construção de uma maioria de qualquer maneira, mas com pouco proveito, se tivermos em conta a reflexão que o Sr. Deputado Jorge Lacão (o que também muito me apraz sublinhar) trouxe quando reflectiu sobre a composição das assembleias municipais. Porque essa "estabilidade à força", essa maioria erguida sobre um castelo de cartas teria de, nas assembleias municipais, noutro quadro, lutar, milímetro a milímetro, caso a caso, diploma a diploma, medida a medida, para obter a maioria que não teria nessa assembleia. O prémio de maioria nos executivos seria ou uma vitória de Pirro ou só funcionaria bem no esquema totalitário e total do PSD, que consiste em manipular também a composição dos executivos e - não podemos esquecer - manipular a composição das assembleias municipais. Neste caso, é facto, o sistema fecha, é tentacular, é completo, alimenta-se em circuito fechado e basta a quem o lidere verificar onde é que precisa de colher a minoria para escolher rapidamente o número de peões de que precisa para colmatar a brecha e adquiri-la aí onde lhe falte. Com uma tendência para a presidencialização adicional, isso é bastante mais fácil e a desvalorização das equipas funciona em cheio, porque realmente nessa lógica ou se ganha tudo ou se perde tudo.