O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

1962 II SÉRIE - NÚMERO 63-RC

são constitucional", publicado há tempos na Revista de Direito e de Estudos Sociais, em que, referindo que cada constituição é condicionada por forma determinante pelo momento histórico em que nasceu e pela ambiência que envolve o seu desenvolvimento, afirma que não é possível compreender nem valorar cabalmente o normativo constitucional sem ter em conta os dados de natureza económica, social, cultural e políticos da situação em que foi elaborada. Mais adiante, cito: "A força normativa da Constituição, a sua capacidade para conformar a realidade, de acordo com o dever ser que é expresso, encontra as suas possibilidades e limites nas estruturas fácticas que pressupõe e de que incide."

Todos sabemos como decorreram os trabalhos no período revolucionário, já não falo no primeiro pacto MFA/Partidos, mas relembro o segundo pacto que foi, quer se queira quer não, uma limitação da liberdade dos constituintes que assim votaram a Constituição, considerando-a transitória. E mais: alguns dos preceitos tinham já sido aprovados na fase revolucionária anterior ao 25 de Novembro e permaneceram intocados depois, com uma carga de uma ideologia muito própria. A Constituição de 1976 acabou por ter um carácter compromissório, resultante de um equilíbrio durante o período de transição até à primeira revisão - vou continuar a citar o Sr. Deputado Rui Machete - entre a concepção democrático-pluralista de cunho ocidental e uma concepção de índole marxista, como temos afirmado repetidamente. Claro que levar-nos-ia longe querer aqui - remeto para o referido estudo do Sr. Deputado Rui Machete - examinar a estrutura da Constituição e os seus princípios fundamentais e apurar em que medida o ambiente e os termos em que o poder constituinte se exercitou, emprestam ao normativo constitucional uma especificidade própria que a faz distinguir das suas congéneres dos países de democracia pluralista ocidental.

É, realmente, esta originalidade (julgo que o Sr. Deputado Almeida Santos não estava há pouco, por isso julgo ser essencial repetir) - aquilo que eu classifiquei como a última originalidade do processo político ou, se se quiser, político-constitucional português - que foi esta contradição, de termos uma Constituição programática, elaborada em determinado momento histórico, e que é ultra-rígida, quando, por essência, as constituições que são programáticas são, forçosamente, mais flexíveis. As constituições mais rígidas, dentro do modelo de democracia pluralista ocidental são, exactamente, aquelas que são menos programáticas. Eu diria mais: quanto menos programática é uma constituição, mais rígida ela pode ser; quanto mais programática ela é, mais flexível ela tem de ser.

Respondo agora ao Sr. Deputado José Magalhães, insistindo que nós votámos o texto no entendimento de que era revisível sempre, como qualquer outra norma e de que se tratava (como já tem sido dito por alguns deputados - julgo que o Sr. Deputado Jorge Miranda afirmou isto em 1982) de uma norma de garantia ou declarativa, como alguns lhe chamam; como há outras normas de garantia, por exemplo, as que se ocupam da estrutura do Tribunal Constitucional, e que podem, obviamente, ser revistas como esta.

Para os deputados do PSD na Assembleia Constituinte, importa recordá-lo também, já na altura não havia diferença de raiz entre o poder constituinte originário e derivado. Nós no PSD entendemos que ambos os poderes constituintes são expressão da soberania do Estado, exercidos por representantes eleitos do povo, e que entre normas constitucionais originárias e supervenientes não pode haver uma diferença abissal, como alguns querem; trata-se de matérias constitucionais que têm todas a mesma dignidade, o mesmo valor, e que estão inseridas na mesma constituição formal. O poder constituinte de um certo momento não pode ser superior ao de um momento posterior, e tem de ser aplicável a regra geral da revogabilidade de normas anteriores por normas subsequentes. Não é concebível para o PSD, nem nunca foi - e devo dizer que, aqui, transmito o que era também o pensamento, no momento, do então secretário-geral, Dr. Francisco Sá Carneiro -, não é concebível, repito, uma autolimitação definitiva da vontade nacional. Os "pais" da democracia moderna, sem referir em sentido idêntico alguns filósofos da antiguidade, consubstanciaram numa das primeiras constituições escritas, a Constituição francesa de 1793, no artigo 23.°, que um povo tem sempre o direito de rever, de reformar, de modificar a sua Constituição e nenhuma geração pode sujeitar as futuras à sua lei (ou à sua vontade, acrescento eu). Acresce ainda que os artigos da Constituição, em 1976, foram aprovados por maioria simples; posteriormente exige-se uma maioria qualificada de dois terços, o que já é uma garantia de estabilidade que é, a nosso ver, suficiente.

Devo dizer, depois de tudo isto, que mesmo apesar deste entendimento (aliás, o que vou dizer não é novidade, já veio na imprensa há uns anos atrás) não queria deixar de sublinhar que no seio do grupo parlamentar do então PPD houve posições diversas. O Dr. Francisco Sá Carneiro, secretário-geral do PPD, embora não tivesse podido exercer o seu mandato constituinte devido a doença, sustentou que o partido se deveria abster na votação final da Constituição; tese que eu próprio defendi também no grupo parlamentar, com outros deputados e que não obteve maioria, como sabem, e um dos motivos foi, exactamente, por haver esta contradição entre o caracter programático da Constituição e a sua rigidez. Mas desde logo, e passado pouco tempo, o Dr. Sá Carneiro sustentou a revisibilidade de toda a Constituição, como se recordam.

No projecto de revisão da Aliança Democrática ainda se foi mais longe; todos se recordarão que em 1982 o Sr. Deputado Costa Andrade defendeu, julgo que em Plenário e na Comissão, que a estabilidade de uma constituição deveria ser reservada àqueles elementos, àqueles valores, àquelas normas que pudessem, com relativa segurança, considerar-se verdadeiro património cultural e político da nossa democracia, e que não deveriam converter-se certas concepções ideológicas em preceitos constitucionais para a geração seguinte. O Sr. Deputado Jorge Miranda, que já não pertencia ao meu partido, alegou em 1982 que o artigo 290.° podia ser revisto - infelizmente não o foi, mas essa é outra questão. Mas, já nessa altura, o Sr. Deputado Jorge Miranda alegava que o artigo 290.° não era uma norma substantiva, mas sim uma norma de garantia, e que a identidade e continuidade da Constituição não estariam aqui expressas, mas sim no resto da Constituição. Isto é, os princípios resultariam de todo o ordenamento constitucional e não do artigo 290.°; para ele, este artigo não tem nenhum cunho especial de rigidez, é ape-