25 DE SETEMBRO DE 1992 41
Uma segunda observação é quanto à estática do próprio artigo, ou seja, se, por um lado, se consagra a figura da Comunidade Europeia como instituição permanente na ordem constitucional portuguesa, por outro lado, o artigo está dirigido ao passado e não ao presente e ao futuro, pelo que não é capaz de assimilar as realidades dinâmicas da própria construção europeia.
Seria interessante que o CDS reflectisse sobre isto e nos dissesse o que pensa destas observações críticas.
Gostaria agora de me referir aos textos apresentados pelo PSD e pelo PS. Parece-me ser claro para todos nós que o escopo essencial das duas propostas é comum e, portanto, trata-se apenas de procurar encontrar a redacção que melhor precise, do ponto de vista conceptual, o objectivo que é comum aos dois textos.
Neste âmbito, talvez seja interessante assinalar o seguinte: na teoria geral das organizações internacionais encontramos organizações internacionais, digamos, na sua simetria tradicional, de uma dupla natureza. Por um lado, organizações internacionais por cooperação em que os Estados se encontram para decidir em comum, mas sem perda de competências ou poderes, por outro lado, organizações internacionais por integração em que os Estados se encontram para decidir, no âmbito de competência da organização internacional.
Ora, até hoje, a realidade da Comunidade Europeia é um pouco mista. Por um lado, há um conjunto de decisões que resultam de um processo por integração, isto é, decisões que são tomadas na base das competências próprias das instituições comunitárias. Por outro lado, há tomadas de posição assumidas em comum na base de um princípio de cooperação e, portanto, numa instância em que os Estados procuram dar coerência a linhas de orientação de política europeia, mesmo para além da competência formal dos órgãos comunitários.
Assim, se a realidade "União Europeia" é, de facto, uma realidade viva, esta tendência dinâmica tenderá a acentuar-se no futuro, na sequência da entrada em vigor do Tratado de Maastricht, o que quer, porventura, dizer que a União Europeia no futuro poderá ser a expressão destas duas realidades, ou seja, a expressão de uma organização internacional por integração e, também, por cooperação. Desta forma, talvez aquilo que esteja em causa, do ponto de vista do ordenamento constitucional, seja a procura de uma fórmula que permita estabelecer um princípio de partilha em comum de competências, sejam as que se partilham por terem sido previamente transferidas para as instituições da Comunidade Europeia, sejam as que livremente se condenam, sem prejuízo de a competência própria dos Estados não ter sido transferida, isto é, na base do tal princípio da cooperação político-institucional no seio da Comunidade Europeia.
À luz desta problemática, parece-me que o princípio da partilha em comum de poderes, avançado na proposta do PS, assume mais esta dupla perspectiva, ou seja, a perspectiva de uma igualdade de tratamento entre os Estados que integram a União Europeia, pelo que tenderia, pelo menos nesta primeira leitura, a considerar feliz a solução redactorial apresentada no projecto do PS.
Uma última observação que gostaria ainda de fazer reporta-se à consagração do princípio da coesão económica e social. Na verdade, penso que este princípio tenderá a ter cada vez mais relevância política na dinâmica da unidade europeia.
Por razões que são óbvias e que decorrem, para a Europa, da nova realidade política, na sequência da queda do "muro de Berlim", há hoje problemas de coesão económica e social que não são apenas ínsitos à fronteira tradicional da Comunidade Económica Europeia, sendo bem mais vastos do que isso, uma vez que implicam responsabilidades novas para toda a Europa, independentemente das fronteiras comunitárias. Por outro lado, também é verdade que no interior da União Europeia se vai ganhando consciência de que não basta apenas construir um mercado de livre troca e de que é necessário, para além disso, ter em conta a condição concreta de vida dos cidadãos que integram a Comunidade Europeia. E para ter devidamente em conta a condição concreta de vida dos cidadãos é preciso olhar não apenas para a dimensão do mercado mas, sobretudo, para a condição de vida e justamente paia os problemas da coesão económica e social.
Esse princípio deveria ser para nós um sinal de compromisso permanente de Portugal na realização da União Europeia, ou seja, seria a incorporação na ordem constitucional portuguesa de que a motivação que conduz Portugal a comprometer-se neste processo de unidade europeia passa necessariamente pela construção da coesão económica e social. Esta é a razão pela qual me parece pertinente que esse princípio também fique consagrado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria só de chamar a atenção para dois aspectos.
O primeiro tem a ver com a função habilitante das normas que estão propostas. A razão primária que está na origem das propostas dos vários partidos neste domínio é a de que o Estado Português carece de uma habilitação para o processo de vinculação internacional que tem por diante, quaisquer que sejam os contornos ou a leitura que dele façamos.
Essa norma de habilitação tem de ser cuidadosamente desenhada por forma a ter em conta, por um lado, os contornos possíveis, qualquer que seja o seu grau de definição, desse compromisso e, por outro lado, o acervo constitucional em vigor e a nossa concepção de Estado como Estado soberano. Não se trata de uma operação simples de redigir.
As razões pelas quais o Grupo Parlamentar do PS apresentou a sua proposta foram expostas pelo Sr. Deputado Almeida Santos. A minha reflexão consiste em procurar que aprofundemos um pouco o sentido e os limites da norma habilitante que está proposta.
Os textos propostos, tanto pelo Partido Socialista como pelo PSD - e já irei mais tarde à questão do CDS -, têm um cuidado comum (e esse é um aspecto que me parece muito importante): ao mesmo tempo que admitem e habilitam o Estado Português a vinculações que envolvem o exercício em comum de competências, operam uma reafirmação dos poderes do Estado Português enquanto Estado soberano. Assim, ao falarem em "partilha de poderes" ou em "exercício em comum de competências", as propostas implicitamente sublinham que a titularidade se mantém no plano estadual, ou seja, que há uma reserva de titularidade a favor do Estado Português, não sendo admissível qualquer espécie de alienação ou qualquer outro tipo de restrição que envolva uma afectação letal do princípio da independência nacional. Ora, a limitação desta habilitação, que simultaneamente habilita e reafirma a