O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apresentámos, em sede do artigo 66.º, uma proposta que visa, entre outras coisas, incorporar no texto constitucional o conceito de desenvolvimento sustentável. É para essa sede que remetemos a inserção de benfeitorias no texto constitucional, parecendo-nos que o artigo 9.º, alínea e), tem uma feição e um conteúdo larguissimamente abrangentes. Seria sempre possível saturá-lo de metalinguagem de carácter ou de pendor ecológico nas várias correntes possíveis existentes no panorama político português e mundial, incluindo incorporar a metalinguagem importada dos trabalhos da Conferência do Rio e de outras importantes conglomerações de reflexão sobre o futuro do ambiente, mas a verdade é que a doutrina que corresponde à hermenêutica correcta, de resto, e não particularmente polémica, nascida em torno do artigo 9.º, alínea e), tem virtualidades que não nos parecem exigir imperativamente correcções.
A alusão à protecção dos fundamentos naturais da vida ou o conceito que sugere o GEOTA, por exemplo, de medidas em que a protecção se deve fazer independentemente da utilidade imediata para a Humanidade - em certos casos, como se sabe, certas medidas são contrárias ao utilitarismo em qualquer dimensão, seja a do imediatismo ou a da vantagem económica saturante mas lesiva a longo prazo -, são declarações de carácter sobretudo doutrinário, extremamente virtuosas em manifestos e em documentos de explanação política de carácter pedagógico, e diria o mesmo sobre a ideia da assunção de responsabilidades perante futuras gerações. São, porém, num texto jurídico-constitucional, suscitadoras de algum melindre.
Acrescentam algo, sem dúvida, à carga retórica, dão à Constituição um pendor favorável, reforçando uma leitura em que correntes de cunho fortissimamente ecológico se reconhecerão. Em todo o caso, a questão é saber se acrescentam técnico-juridicamente o valor do património constitucional, que é enorme, tal qual resulta do artigo 9.º, alínea e).
Pela nossa parte, não o propusemos. A ideia de uma retórica constitucional que se oponha ao normativismo constitucional com as características de operatividade, vinculatividade e eficácia prática relevante não parece acarretar uma enorme vantagem e está talvez um pouco ao arrepio da desejável escrita constitucional, tal qual ela deve ser encarada neste fim de século.
Estamos naturalmente abertos a todos os trabalhos de burilamento mas remetê-los-íamos de preferência para o artigo 66.º. Vejo que o Sr. Deputado Barbosa de Melo se reconhece profundamente nesta filosofia...
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, não é apenas o Deputado Barbosa de Melo, também o PSD se reconhece totalmente naquilo que o Deputado José Magalhães acabou de dizer, só que talvez com mais clareza. Aquilo que o Dr. José Magalhães não quis dizer com toda a clareza o PSD di-lo: de facto, o que pode ser útil e significativo em termos de discurso político ou de intervenção por parte das organizações ambientalistas, e com o que estamos todos de acordo, não nos parece minimamente que faça falta no nosso texto constitucional.
Para o PSD é evidente que tudo o que está na alínea e) nunca pode ser entendido fora do contexto de também salvaguardar os direitos das gerações vindouras, de resto, dentro daquela lógica de que todos somos inquilinos deste planeta, por ele passamos e outros ficarão nele, para também o aproveitarem. Isso está fora de causa, não passa de discurso, claramente, em termos de intervenção; tem a sua importância enquanto discurso mas, em termos de texto constitucional, não nos parece minimamente necessário fazer essa alteração, até porque, desde logo, isso poderia inculcar a ideia errada, que causaria a maior perplexidade, de que, porventura, o actual texto não iria nesse sentido. Do nosso ponto de vista, vai claramente, foi com esse espírito que foi feita essa alínea e) e é esse o espírito que o PSD entende dever manter-se, não sofrendo qualquer alteração, para que não haja aqui interpretações duvidosas ou perplexidades.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostava de deixar duas notas, sendo a primeira para dizer que, mesmo que se quisesse - não é o caso, como já se viu das intervenções anteriores - introduzir alguma carga ambiental no artigo 9.º, era possível fazê-lo com maior cuidado técnico-jurídico, designadamente como faz a proposta do GEOTA, que evita usar a expressão "direito das gerações vindouras", o que iria introduzir, com certeza, um debate muito interessante na Teoria Geral do Direito acerca da titularidade de direitos não apenas antes da existência legal como antes da própria existência física dos supostos titulares desses direitos.
O Sr. José Magalhães (PS): - A proposta do GEOTA diz: "(...) assumindo a responsabilidade perante as futuras gerações".
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Por isso mesmo é que, apesar de tudo, evita a asneira técnico-jurídica que resultaria da utilização da expressão "direitos das gerações vindouras", porque esses direitos não teriam titulares enquanto as gerações não existissem e seriam sempre progressivamente remetidos para o futuro, pois seriam sempre vindouras as gerações que viessem a seguir e eles nunca valeriam para aquelas que, eventualmente, estivessem a interpretar o texto constitucional.
Por outro lado, a propósito da alínea d), no projecto que subscrevo evitei fazer qualquer proposta de alteração ao artigo 9.º para evitar trazer à revisão constitucional algum debate que é essencialmente doutrinário e, de certa forma, misturar as questões.
Mas há uma questão que eu não gostaria de deixar passar em claro, que tem a ver com a circunstância de eu ter para mim que o artigo 9.º fala de tarefas fundamentais do Estado no sentido de Estado-colectividade e não no de Estado-administração. Assim, o artigo 9.º não é propriamente uma norma de competência do Estado enquanto pessoa colectiva de direito público, como muitas vezes se quer fazer crer, porque essas normas de competência hão-de estar noutros artigos da Constituição, e no caso concreto do artigo 9.º, alínea e), elas estão nos artigos 65.º e 66.º, e não seguramente aqui, a propósito da previsão dos direitos ambientais e da sua efectivação.
Quero deixar esta nota para que não se continue a interpretar este artigo como referindo-se ao Estado enquanto pessoa colectiva de direito público, como sendo uma fonte de competência ele próprio, o que não me parece que seja. Em minha opinião, a interpretação correcta deverá ser a de que aqui estamos a falar do Estado colectividade, pois estamos a falar do Estado no exercício dos seus múltiplos poderes, não apenas no do poder administrativo