Por isso mesmo, devem ser investidos meios para salvar pessoas, gastando milhares de contos, retirando-as quiçá com helicópteros e fazendo-as vir do Algarve a Lisboa, coisa que ninguém, numa bicha infernal, pode fazer, bem como outras acções desse tipo ou bastante mais sofisticadas.
Quanto à isenção do serviço militar, a Constituição não impede que se estabeleçam outras medidas radicalmente desiguais e que instituem privilégios e benefícios geradores de uma desigualdade necessária, porque há uma situação que, ela própria, carece desse tipo de correctivo.
Curiosamente, a Sr.ª Deputada, nas suas alegações, teve o cuidado de aludir ao estado de saúde quando não é lesivo, porque o que a preocupa e nos preocupa a nós, aliás, são as consequências de determinados estados de saúde. A SIDA veio avivar a preocupação em relação a este tipo de situações, mas há outras doenças infecto-contagiosas para as quais foram encontradas soluções médicas, e outras, que estão a reacender-se hoje, infelizmente, e são geradoras de problemas sérios, designadamente no domínio laboral, no domínio do acesso ao crédito e no do relacionamento com o Estado.
No entanto, a questão que se coloca, Sr.ª Deputada, é a de saber se a Constituição actual, na sua base, legitima esse tipo de práticas. E parece-nos que a resposta é, clara e inequivocamente, não! Portanto, cuidado com a fórmula.
Gostava de saber até que ponto a Sr.ª Deputada é sensível a este tipo de dificuldades, designadamente as que enunciei em primeiro lugar, porque a Sr.ª Deputada complementou oralmente, com um inciso, o que não consta da sua proposta e, portanto, ela deve ler-se tendo sido ouvida atentamente a sua adenda: "estado de saúde quando não é lesivo". Mas esta segunda expressão coloca um problema terrível, que é o de saber, no caso de o estado de saúde ser lesivo, quid juris, que tipo de restrições é que a Sr.ª Deputada admite.
Em relação à questão suscitada da adopção e orientação sexual, o que interessa precisamente saber é o que é que não está coberto pelo texto actual. A verificar-se uma perseguição em função de escolhas, convicções e atitudes íntimas, uma punição jurídica, um juízo social ou um confronto de opiniões ou uma clivagem entre pessoas de crenças diferentes, o que é que não está coberto pela Constituição actual?
Não encontro, na Constituição, qualquer "sombra de pecado" em matéria de intolerância ou qualquer sombra de margem legal para a perseguição em função do sexo ou das escolhas sexuais de qualquer natureza. Aliás, não encontramos défice, a não ser que a Sr.ª Deputada pretenda introduzir aqui uma base constitucional, por exemplo, para o casamento entre pessoas do mesmo sexo, ou seja, para uma redefinição do conceito de casamento. A minha pergunta concreta, aliás, é essa: na leitura da Sr.ª Deputada, a sua proposta implicaria uma alteração jurídica da definição de casamento enquanto união entre pessoas de sexo diferente com união plena de vidas, na definição canónica?
Quanto ao mais, não retiraria daqui nenhuma interpretação debilitante do conteúdo, frontalmente tolerante e imune a escolhas sexuais livres, da Constituição actual, sem uma vírgula a mais, sem uma vírgula a menos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Parece mais útil que a Sr.ª Deputada possa, depois, responder em conjunto, até porque as questões que tenho para colocar são, de algum modo, algo coincidentes com o que foi dito pelo Deputado José Magalhães. Permitia-me apenas acrescentar alguns aspectos que não foram citados pelo Deputado José Magalhães e que me parecem carecer de alguma reflexão por parte da Sr.ª Deputada e por parte de todos nós, uma vez que a proposta que está sobre a mesa trata da análise desta alteração.
Seguirei a ordem utilizada pelo Deputado José Magalhães e, assim, relativamente ao estado de saúde, acrescentaria uma questão muito complicada que temos de analisar: não se trata apenas da questão de ter de haver, necessariamente, uma discriminação positiva para determinados tipos de estado de saúde - e penso que aí, como o Deputado José Magalhães explicitou de forma muito clara, teremos de estar todos de acordo -, mas de haver também discriminações negativas.
Tenhamos a clarividência e a frontalidade de afastar, sem qualquer problema, o fantasma e a obsessão em que hoje em dia todos vivemos relativamente ao drama da SIDA, que não é chamado para o exemplo que vou dar: há discriminações negativas necessárias, em razões da saúde pública, que têm de ser feitas, e são-no actualmente pela ordem jurídica nacional, de há muitos e muitos anos, por exemplo, relativamente às doenças infecto-contagiosas nas escolas. Há diplomas legais, em vigor em Portugal há muito tempo, que proíbem a presença em estabelecimentos de ensino tanto de professores como de alunos quando afectados por determinado tipo de doenças, elenco no qual, obviamente, a SIDA não consta. Que fique afastado esse fantasma!
É evidente que o problema da SIDA é um drama à parte, que, erradamente, tem sido "metido ao barulho" com este problema - passe a expressão e peço desculpa pela expressão pouco ortodoxa -, mas o problema em si existe, ou seja, a necessidade de defesa da saúde pública face às doenças infecto-contagiosas, nomeadamente nos estabelecimentos de ensino, é real e não pode ser escamoteado, e o drama da SIDA não pode servir para esquecermos e deixarmos de parte a abordagem séria de questões como estas.
Quanto à questão do estado civil, acrescentava uma outra questão, também numa leitura de tratamento não de discriminações negativas mas da necessidade de discriminações positivas.
O PSD é claramente a favor e creio que muitos dos Deputados aqui presentes comungam connosco dessa visão política das coisas, de que deve haver um tratamento preferencial em determinado tipo de legislação, nomeadamente na legislação fiscal, por exemplo, no que diz respeito à família. A protecção da família, como o PSD entende e defende, deve privilegiar um tratamento fiscal, e estamos a falar de discriminações legais que defendemos que sejam constitucionais quer o estado civil seja um ou outro.
Se pretendemos políticas que possam defender e promover a constituição e o valor da família na sociedade, temos de permitir que o estado civil que decorre necessariamente daí possa... Isto para significar que, não deixando de concordar com o que a Sr.ª Deputada disse, parece-me ser uma visão demasiado parcelar das questões que são suscitadas por esta alteração. Nós até podemos concordar com as preocupações que a Sr.ª Deputada explicitou, que, obviamente, são muito meritórias, mas há o outro lado da questão que é suscitado igualmente por