Preocupa-nos, pois, que se esteja a levar a cabo uma política de restrição do acesso e permanência de estrangeiros em Portugal que não tem em conta critérios que devem ser seguidos por Portugal no seu relacionamento com outros países. Concretamente, o que se verifica é que, nos últimos anos, Portugal tem assinado acordos de supressão de vistos relativamente a cidadãos de muitos países, situação que não contestamos e até temos votado favoravelmente. Por exemplo, quando a Assembleia da República, na anterior legislatura, suprimiu a exigência de vistos a cidadãos eslovenos, eslovacos e de outros países para entrada em Portugal, votámos sempre favoravelmente.
Todavia, injustificadamente, parece-nos que não há uma política de vistos seguida por Portugal que tenha em conta os nossos critérios específicos de relacionamento externo, com outros povos. Por exemplo, um cidadão de Cabo Verde que pretende obter um visto de entrada em Portugal é alvo de fortíssimas restrições e de práticas normalmente designadas como de "candonga"; custa muito dinheiro obter um lugar na fila, em Cabo Verde, para aquisição de um visto de entrada em Portugal.
Portanto, há aqui uma distorção: por um lado, há uma permissividade relativamente a cidadãos de vários países, com os quais não temos um relacionamento especial e, por outro lado, quanto a países relativamente aos quais se proclama - e bem! - a necessidade da existência de um relacionamento especial, aplica-se um critério muito restritivo no acesso a Portugal.
Justifica-se que as comunidades que existem entre nós de cidadãos de países de língua portuguesa tenham, de facto, um tratamento especial. São cidadãos que continuam a ser segregados a muitos níveis e continua a haver uma distância muito grande entre as comunidades destes cidadãos e o conjunto da sociedade portuguesa. Basta conhecer as condições em que se está a processar o actual processo de regularização extraordinária e as dificuldades com que este processo se depara no terreno para verificar que há muito a caminhar para que estes cidadãos possam integrar-se plenamente na sociedade portuguesa. Há, de facto, uma grande relação de desconfiança, de receio de apresentação às autoridades, de receio na convivência com os demais cidadãos, bem como uma grande incompreensão por parte, designadamente, das forças policiais quanto à situação específica que estes cidadãos vivem.
De facto, há muito que caminhar no sentido da aproximação, porque é inquestionável que, sendo Portugal ainda um país de emigração e havendo muito mais portugueses no estrangeiro do que cidadãos estrangeiros em Portugal, estas comunidades já adquiriram um peso muito significativo, particularmente nas zonas urbanas. Portanto, há que ter um especial cuidado no relacionamento com estes cidadãos.
Conceder especiais condições de acesso e permanência em Portugal, como propomos, tem muito que ver com o processo de regularização que está em curso. Esta proposta foi feita, pela primeira vez, para a revisão constitucional de 1994, altura em que tinha sido concluído um processo de regularização extraordinária mal realizado, no qual se verificou que muitos cidadãos tinham ficado por regularizar a sua situação quando o poderiam ter feito, nos termos da lei.
O processo de regularização iniciado e que está em curso contempla uma discriminação positiva dos cidadãos de países de língua oficial portuguesa, claramente no sentido que propomos, na medida em que se permite que os cidadãos de países de língua oficial portuguesa possam regularizar a sua situação em condições que não são permitidas aos restantes, sem que isso signifique a atribuição de deveres desproporcionados aos restantes cidadãos quanto à sua regularização. É importante que haja uma discriminação positiva a favor dos cidadãos originários dos países de língua oficial portuguesa.
Congratulamo-nos, pois, com o facto de a Assembleia da República, por unanimidade, ter aprovado esta disposição, na lei que, em concreto, rege este processo de regularização extraordinária. Todavia, o processo está em curso e não sabemos qual será o seu resultado final, se será ou não bem sucedido, por isso parece-nos que a consagração, em sede constitucional, de um princípio que permita ao Estado português atribuir condições especiais de acesso de permanência em Portugal a estes cidadãos, que os distinga positivamente relativamente a outros, é de toda a utilidade e importância para o relacionamento entre Portugal e esses povos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputados Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, da explicitação que acabámos de ouvir, por parte do Deputado António Filipe, sobre as razões que levaram o PCP a propor este texto, o próprio orador acabou por aduzir um argumento que, do nosso ponto de vista, milita a contrario da adopção deste dispositivo.
A saber, como o Deputado António Filipe referiu - e muito bem -, o que aparentemente seria preconizado por esta alteração constitucional já é perfeitamente admitido pela Constituição portuguesa. E tanto assim é que a prática legislativa nacional tem consagrado condições especiais de entrada e permanência em Portugal para os cidadãos dos países de língua portuguesa. Diria mesmo que é bom que, não no plano constitucional mas no plano da legislação comum, do legislador ordinário, este tratamento preferencial possa ser feito, porque não nos podemos, nunca, afastar da lógica de que as relações entre Estados devem sempre pressupor uma liberdade de actuação muito grande do Estado português, no plano de relações internacionais.
O tratamento preferencial aos cidadãos de países de língua portuguesa é uma prática que, como o Deputado António Filipe referiu, vem sendo adoptada pelo Estado português de uma forma perfeitamente constitucional, não foi preciso haver ou esperar-se por uma alteração deste tipo à Constituição para que tanto o Governo como a Assembleia da República pudessem adoptar, como o fizeram no passado e até recentemente, normas no sentido de criar condições especiais de entrada e permanência em Portugal para cidadãos de países de língua portuguesa.
Portanto, concordamos totalmente, como sempre concordámos, com a existência dessa possibilidade real da ordem jurídica nacional contemplar - e fazê-lo! - discriminações positivas para estes cidadãos. A sua consagração constitucional não é necessária - ficou provado, o próprio Partido Comunista reconheceu-o, implicitamente, na sua intervenção.
Assim, à semelhança do que referimos relativamente ao n.º 1, ainda que haja necessidade de, na prática (com a qual concordamos em absoluto), ao nível da actuação das autoridades portuguesas e no plano das organizações internacionais, dar um tratamento preferencial ao relacionamento com os países de língua portuguesa e um especial enfoque ao relacionamento dos portugueses com os cidadãos desses países, já não nos parece que tal se deva processar através destes mecanismos, porque estes