O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

 

O Sr. Alberto Martins (PS): - Ora bem!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - A ser assim, então, não é preciso a lei!
O que o artigo 16.º parece pretender consagrar é uma ideia de amplitude ou de maior ampliação dos direitos fundamentais. Ora, de acordo com a leitura que faço - penso que o Sr. Deputado Barbosa de Melo estará de acordo e se assim não for corrigir-me-á -, a Constituição admite que possam aparecer na lei, por evolução ou por qualquer outra razão, direitos que ela própria não consagra mas que acolhe e aceita...

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - E que vão ter o tratamento de direitos fundamentais!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Exactamente!

O Sr. Alberto Martins (PS): - Mas que não a contrariam, naturalmente.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Mas V. Ex.ª insiste em dizer "só aceita direitos fundamentais que a lei venha a consagrar em conformidade com a Constituição". Ora, os que estão na Constituição já estão consagrados! Isto é um "mais"...

O Sr. Alberto Martins (PS): - Estou de acordo com isso.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - ... ou, eventualmente, será um "mais".

O Sr. Alberto Martins (PS): - Pode haver direitos fundamentais que não estão consagrados na Constituição mas que não estão à revelia dela, e todos nós já travámos conhecimento com isso. Essa é uma questão óbvia.
Por outro lado, há direitos fundamentais que estão consagrados em convenções, como, por exemplo, na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, em que está consagrada a proibição de trabalhos forçados, que não constam da nossa própria Constituição e que são aplicáveis pois, naturalmente, são direitos fundamentais.
Portanto, a menos que tenha sido menos feliz na exposição que acabei de fazer, a verdade é que o objectivo é este que acabei de dizer.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Mas essa dúvida surgiu-nos, realmente.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Então, é porque fui menos feliz na minha exposição.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, de acordo com a ordem de inscrições, é a minha vez de intervir.
Em primeiro lugar, devo dizer que a cláusula do n.º 1 do artigo 16.º é uma cláusula de abertura de direitos fundamentais praeter constitutionem, na observância da Constituição...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Porque a própria Constituição o diz!

O Sr. Presidente: - Nem a lei nem as regras de direito internacional podem criar direitos fundamentais contra a Constituição, é praeter constitutionem. Mas o problema não é esse. O problema é o de saber se além das convenções internacionais e da lei, o juiz ou a administração podem invocar directamente, a partir da dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais mesmo contra a lei. Eu entendo que não e, por isso,...

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Mesmo para além da lei!

O Sr. Presidente: - Não, não! A partir do momento em que invoquem um direito fundamental directamente a partir da dignidade da pessoa humana, por efeito da Constituição, podem invocá-lo contra a lei.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - E praeter legem?

O Sr. Presidente: - A mesma coisa!
O que eu entendo é que o juiz, o aplicador do direito, não pode ser ao mesmo tempo formador e criador do direito em matéria de direitos fundamentais, porque isso pode pôr em causa interesses públicos fundamentais.
Basta-me ver as posições, por exemplo, da Comissão de Ética para as Ciências da Vida, para verificar o que pode ser uma invocação directa da dignidade da pessoa humana nas mãos do julgador para, pura e simplesmente, considerar todo e qualquer interesse público como insusceptível de ser contraposto a uma interpretação conservadora ou reaccionária da dignidade da pessoa humana. Por exemplo, nenhum transplante de órgão que atentasse contra o parecer subjectivo do julgador poderia ser invocado sob o ponto de vista do interesse público. É esta discrição do aplicador, seja juiz seja administrador, que, a meu ver, é intolerável em termos de direitos fundamentais.
O que está aqui em causa é saber quem é que tem legitimidade de positivar direitos a partir da dignidade da pessoa humana. Ora, entendo que não é o aplicador, que está sujeito à Constituição e à lei. É que a admitir isso, as normas constitucionais, segundo as quais o juiz não está sujeito a outra coisa senão à Constituição e à lei, invertiam-se pura e simplesmente, isto é, o juiz poderia passar a invocar a dignidade da pessoa humana para se sobrepor à lei e, se calhar, também à própria Constituição. É que a partir do momento em que haja dois direitos fundamentais contrapostos tem de fazer-se um balanço entre eles. Portanto, bastaria o julgador invocar um direito fundamental que entendesse derivar da dignidade da pessoa humana para, imediatamente, estar habilitado a reduzir, comprimir, quiçá aniquilar, outro direito, esse expresso na Constituição. Essa prática e essa possibilidade é que, a meu ver, não nos habilitam a aprovar uma norma como a que o PSD pretende.
Prescindo de vos apresentar, Srs. Deputados, uma colectânea das reflexões da Comissão Nacional de Ética para verem até que ponto pode ir, em termos de pura discrição, o subjectivismo na interpretação do que é a dignidade da pessoa humana, do que podem valer os verdadeiros valores positivados na Constituição face à interpretação subjectivista, o que uma mentalidade retrógrada e reaccionária pode fazer a partir da dignidade da pessoa humana. Basta referir o que isto daria, por exemplo, a favor das teses antiabortistas, para além daquilo que os que defendem a inconstitucionalidade do aborto já retiram do actual texto da Constituição - a meu ver sem qualquer legitimidade, como, aliás, declarei quando tive de decidir isso como juíz do Tribunal Constitucional -, teriam agora mais um argumento, não despiciendo, para invocarem a favor dessa tese. Portanto,