com aquilo que o cidadão comum vê no papel do juiz, naquilo que ele representa na sociedade, e o questionar dessa própria isenção e independência.
Penso que isto tem a ver com todo o conjunto de incompatibilidades, e já temos algumas no texto constitucional, mais concretamente nos n.os 3 e 4. Penso que estas quatro propostas são pertinentes e, por isso, temos de reflectir sobre elas com serenidade.
Portanto, quero manifestar - de resto, o meu colega Luís Marques Guedes já o disse e eu estou completamente de acordo - que se trata de uma matéria que, pela sua natureza e importância, merece e, mais do que isso, tem de ser discutida e apreciada. A meu ver, a porta tem de ficar aberta, quer pela reflexão no sentido de consagrar constitucionalmente, desde logo, alguns princípios, quer pela própria remessa para a lei ordinária, mas parece-me pertinente e indispensável repensar isto, e este é o momento adequado para tal.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, além destas duas propostas que se me afiguravam, à partida, dignas de acolhimento, há duas outras que são polémicas, a saber: uma minha e outra do Professor Jorge Miranda.
Na primeira, que é minha, propõe-se a eliminação da segunda parte do n.º 3, que é uma excepção ao princípio da exclusividade profissional dos juízes; na segunda, que é do Professor Jorge Miranda, propõe-se que os juízes que aceitem qualquer outra função pública ou privada não podem regressar ao exercício efectivo da magistratura, salvo novo ingresso nos termos gerais.
Como sabem, esta situação foi discutida recentemente em Espanha, sem ter tido seguimento, a propósito de um juiz que tinha sido ministro do governo de Gonzalez, e também tem sido discutida noutros lados.
Srs. Deputados, como as duas propostas são polémicas - uma é minha e outra é do Professor Jorge Miranda -, somos insuspeitos nesta matéria, mas não quero deixar de colocá-las à discussão. Uma é no sentido de não admitir excepções ao princípio da exclusividade profissional dos juízes e outra de não permitir que um juiz, mantendo essa qualidade, exerça cargos políticos, continuando a contar na sua carreira como juiz e, depois, regresse à sua actividade judicial como se nada tivesse acontecido.
Devo dizer que, como não foram propostas por qualquer projecto de revisão, implicam, para serem aceites, consenso generalizado, bastando, portanto, a sua não aceitação por qualquer dos Srs. Deputados para que não possam ser discutidas. Mas eu proponho-as à discussão em espírito aberto e descomprometido.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, começo pela primeira das questões, que tem a ver com a eventual supressão da ressalva final do actual n.º 3.
A actualidade do assunto, como o Sr. Presidente referiu, é evidente, e da parte do PSD devo, com toda a lealdade, reconhecer não só que é evidente como até já nesta legislatura houve um incidente político a propósito de uma questão do Ministro das Finanças, em que o PSD levantou a questão, fundamentalmente pelo conceito pouco definido que decorre deste texto constitucional em termos da lógica de não remuneração.
Como o Sr. Presidente, em abstracto, referiu, quando, pela primeira vez, há pouco, falou neste problema, a questão é que, hoje em dia, nomeadamente em termos de funções docentes de natureza privada, o que há é um conjunto de realidades que, de uma ou de outra forma, são construídas propositadamente para ladear a literalidade do texto constitucional relativo à não remuneração e que causam depois, por serem questões que são do conhecimento público e acontecem em maior ou menor grau em variadas situações, um sentimento de alguma falta de clareza e de transparência em torno deste tipo de situações.
Agora, à primeira vista, devo dizer que o PSD reconhece validade à questão fundamental que preside à manutenção no texto constitucional deste princípio. Ou seja, para nós, o princípio do exercício de funções docentes e de investigação científica de natureza jurídica é algo que se prende com a própria qualificação profissional permanente dos magistrados.
Foi, pois, nesse sentido que o PSD sempre entendeu a validade deste preceito constitucional e da legislação ordinária onde este conceito é repetido, o que sucede em vários diplomas, como sabemos, nomeadamente no funcionalismo público e por aí fora, porque há bastante legislação sobre a matéria e há várias situações onde este conceito, passo a expressão, este conteúdo normativo, é utilizado para salvaguardar um princípio que nos parece actual, que é o princípio de mesmo em situações onde, à partida, a exclusividade é a norma, a regra, razões que se prendem fundamentalmente com a qualificação científica e técnica justificam, do nosso ponto de vista, uma situação de excepção.
É evidente, no entanto, e é aqui que se situa o tal problema que me parece ser questionado pela proposta que o Sr. Presidente lançou para a discussão, que há aqui uma fronteira delicada quanto a saber onde é que, à pala deste valor da qualificação científica e técnica, não está, de facto, a ser posto em causa o princípio da exclusividade, nomeadamente em termos de surgir este tipo de funções com carácter de complementaridade em relação à função de base. E é aqui que, de facto, se colocam problemas mas, do ponto de vista do PSD, isso sucede mais na interpretação, designadamente, do conceito de não remunerados, do facto de essas funções não serem remuneradas. O problema está aí!
Portanto, o PSD não tem grande receptividade em relação à ideia de, pura e simplesmente, retirar do texto constitucional esta excepção das funções docentes e de investigação científica, às quais, pelas razões que acabei de expor, reconhecemos mérito, porque as consideramos nobres e, do nosso ponto de vista, a sua utilidade mantém-se actual.
No entanto, somos sensíveis à utilização menos própria deste preceito e, nesse sentido, estaríamos receptivos não em relação à retirada, pura e simples, do texto constitucional desta parte final do n.º 3 mas, eventualmente, a uma sua clarificação, se houver entendimento generalizado de que é possível fazer essa clarificação no sentido de reconduzir esta excepção à sua função, à função que esteve na ideia do legislador constituinte quando aqui a colocou. Nesse caso, sim, nesse caso, o PSD estará perfeitamente aberto a reflectir em conjunto com os outros partidos sobre uma alteração da formulação do texto constitucional, de modo a reconduzi-lo, se isso for possível, a este princípio fundamental.
Para, pura e simplesmente, retirar o princípio, o PSD não manifesta abertura, porque nos parece que, de facto, ele faz sentido e é actual, não perdeu actualidade, do nosso ponto de vista, não é daquelas coisas em relação às quais se possa dizer: "Bom! Isto fez sentido num determinado período