O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

II SÉRIE-RC — NÚMERO 310

esse carácter garante. Se vamos pejar a nossa Constituição de normas transitórias, que sistematicamente excepcionam a vigência da Constituição para casos concretos, não posso concordar que essa seja uma boa técnica.

Isso pode resolver facilmente muitos problemas, mas também pode abrir a porta a situações em que maiorias transitórias e conjunturais de dois terços suspendem a Constituição para efeitos que podem pôr em risco direitos, liberdades e garantias. Aqui, porém, não será esse o caso, pois possibilita-se a realização de uma reivindicação política, que era justa.

A minha opinião é esta: o carácter geral e abstracto das leis tem de ser apreciado de acordo com as situações e os interesses que esse carácter garante. E usar como técnica sistemática passar por cima disso para pejar a Constituição de normas transitórias que abrem excepções concretas, não me parece, do ponto de vista dos direitos, liberdades e garantias, uma boa técnica, sobretudo pelas possibilidades perversas que abre.

Este é o meu ponto de vista e estou longe de, com isto, querer abrir uma questão doutrinária — quem sou eu para o fazer!… Estou a falar como pessoa interessada em defender os direitos, liberdades e garantias das perversidades da facilidade de revisão da Constituição. Mais nada!

O Sr. Presidente: —Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José de Matos Correia. O Sr. José de Matos Correia (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Rosas, percebo

inteiramente a sua dúvida. Quero apenas dar-lhe o seguinte esclarecimento: é evidente que uma coisa são normas constitucionais ilegais que dizem respeito a direitos, liberdades e garantias, e outra são este tipo de normas constitucionais que dizem respeito a questões que não são comparáveis do ponto de vista do regime jurídico a que estão sujeitas.

Nesta perspectiva, quero chamar a sua atenção para dois pontos que, julgo, poderão esclarecer as suas dúvidas. Isto, para além de não poder concordar com o seu comentário das maiorias conjunturais de dois terços, porque essas, por natureza, são conjunturais — e são justamente de dois terços porque a Constituição quer que não sejam politicamente arbitrárias, digamos…

O Sr. Fernando Rosas (BE): — «Conjunturalidade» significa que se podem constituir maiorias de dois

terços a propósito de muitas coisas! O Sr. Presidente: —Sr. Deputado, agora, deixe o Sr. Deputado José de Matos Correia responder. O Sr. José de Matos Correia (PSD): — Sr. Deputado, para terminar o meu raciocínio, quero chamar a sua

atenção para dois aspectos que me parecem essenciais. As normas sobre direitos, liberdades e garantias constituem limites materiais à revisão constitucional e, só

por isso, a questão de as maiorias conjunturais afectarem o regime jurídico que a Constituição prevê está resolvida. Acresce que, do ponto de vista legal, por exemplo — e essa matéria, a meu ver, também tem de ser considerada protegida pelos limites materiais —, a nossa Constituição estabelece, no artigo 18.º, que as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, essas sim, têm obrigatoriamente de apresentar carácter geral e abstracto. Portanto, aí, o problema está, por natureza, resolvido. Só que a situação não é comparável àquela que estamos a discutir neste momento.

O Sr. Presidente: —Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rangel. O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Sr. Presidente, quero intervir para, de alguma maneira, chamar a atenção

dos Srs. Deputados António Filipe e Fernando Rosas para um ponto relativamente ao qual, julgo, ainda não foi totalmente entendida a perspectiva do PSD – e imagino que a do PS e a do CDS-PP sejam a mesma.

Quando se diz que estamos só a focar-nos no Tratado Constitucional e nas suas alterações e que, se calhar, daqui a 15 dias, já não há nenhum Tratado Constitucional mas um outro, totalmente diferente, de Bruxelas, de Liverpool, daqui ou dali, o que importa considerar é o seguinte: o Tratado Constitucional, que é este que temos, é que motiva esta revisão — é este! E é este por aquilo a que chamaria o seu impacto constitucional: é por se assumir como um Tratado Constitucional que ele tem impacto sobre a nossa Constituição e sobre a nossa organização política.

Nós não sabemos se outros tratados aí vêm e, por isso, não falamos de outros. Falamos deste e das suas alterações. Isto é, dentro do quadro deste, se houver alterações, naturalmente que, se este é um Tratado Constitucional, serão alterações dentro do quadro de um Tratado Constitucional. Se se abandonar a ideia de um Tratado Constitucional, porventura até a ideia de um referendo poderá já não fazer sentido, porque podem ser alterações puramente processuais ou procedimentais, que não justifiquem sequer um referendo.

Portanto, a razão pela qual nos circunscrevemos ao Tratado Constitucional e ao regime em que o seu referendo pode ser feito, foi justamente a de estarmos a considerar este Tratado Constitucional e o seu impacto — e vou dizê-lo agora — constitucional sobre a nossa ordem constitucional. E o que isto significa é que passamos a lidar com duas Constituições, ou com uma Constituição e uma para-Constituição.