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II SÉRIE-RC — NÚMERO 36

que está redigida — vão desculpar-me — de forma um tanto absurda, porque se prevê a possibilidade de «(…) convocação e a efectivação de referendo (…) em simultâneo com a realização de eleições gerais para os órgãos do poder local.»

Não sei como é que «a convocação e a efectivação» podem ser em simultâneo seja com o que for! O que está em causa é a efectivação e não a convocação, mas os senhores, se fazem a norma, sabem o que estão a fazer e, portanto, limito-me a dizer que esta norma é absurda, não apenas pela forma que tem, que é manifestamente incorrecta, mas também pelo seu conteúdo, pois não há razão alguma para fazer esta coincidência absurda de submeter a referendo um Tratado que já não o é, fazendo coincidir esse acto com umas eleições da maior importância como são as eleições autárquicas. Mas, enfim, estamos no início de uma trapalhada…

Não contarão connosco nesta operação que é, de facto, mais uma vez, a negação ao povo português do direito a pronunciar-se genuinamente em referendo sobre as condições da participação de Portugal na União Europeia.

O Sr. Presidente: —Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas. O Sr. Fernando Rosas (BE): — Sr. Presidente, através da folha que circulou, tomámos conhecimento de

que o Partido Socialista adoptou a solução do PSD para a revisão constitucional. Dentro do mau, mesmo assim, esta solução é menos má, visto que a proposta do Partido Socialista era, a vários títulos, a pior de todas. Esta, contudo, continua a ser uma proposta, a nosso ver, inaceitável.

Antes de mais, cumpre dizer que não se revê a Constituição. É bom que se entenda este facto. Estamos perante uma pseudo-revisão constitucional, visto que se adita à Constituição um artigo transitório que deixa de existir, que deixa de fazer sentido, que fica a fazer parte, sem fazer parte da Constituição. Ou seja, este artigo deixa de fazer parte da Constituição logo que se esgotem as circunstâncias específicas e concretas para as quais ele está previsto, o que, do ponto de vista técnico, é uma originalidade.

O que se faz, portanto, é suspender, através de um novo artigo, a vigência da Constituição com o objectivo de referendar este Tratado ou as suas alterações. E, a propósito desta revisão específica, convém dizer que há aqui uma violação do carácter geral e abstracto da lei constitucional. Esta, de facto, não é uma norma com carácter geral e abstracto, mas, sim, uma excepção concreta, com a qual se diz, na realidade, que se suspende a Constituição para votar aquele Tratado. Isto é, na minha opinião, contra o espírito das leis! Referenda-se este Tratado ou as suas alterações, excepcionando a vigência da Constituição para um efeito concreto.

Como tal, neste ponto subscrevo o que disse o Deputado António Filipe, pois, na verdade, não se sabe se este Tratado vai ou não existir, se vai ter ou não alterações e, portanto, quando se utiliza esta técnica de as normas de excepção não serem gerais e abstractas, mas, sim, ad hominem, destinadas a prover a situações concretas, basta esgotarem-se as situações concretas para se abrir uma grande trapalhada, do ponto de vista técnico-jurídico, em relação a este artigo da Constituição.

Um outro efeito desta pseudo-revisão constitucional — que, na realidade, é a suspensão da vigência da Constituição para efeitos concretos — é o de fazer coincidir, para este efeito concreto (abandonando-se, assim, o único aspecto de revisão constitucional genuína que constava do projecto do PS, que era o de adoptar um novo regime constitucional, permitindo a coincidência dos referendos com as eleições), a realização do referendo com a realização de eleições. Ora, tal significa que, de uma forma tecnicamente surpreendente, se adita à Constituição um artigo que dentro de três ou quatro meses deixará de fazer sentido. Não estará lá a fazer nada, mas constará do texto da Constituição.

Como tal, parece-me que, quer do ponto de vista técnico, quer do ponto de vista político, esta é uma solução que não pode merecer a nossa concordância.

Não se optou, por outro lado, pela revisão que parecia ser consensual, ou seja, por aquela que permitiria que certo tipo de tratados internacionais pudessem ser referendados. Não se foi por aí e não há, portanto, qualquer espécie de hipótese de referendar tratados internacionais, excepto este. Tal significa que, a partir daqui, vamos começar a fazer isto para o que nos apetecer.

Quando quisermos que a Constituição não se aplique, faz-se uma norma a excepcionar a aplicação da Constituição a um caso concreto, o que é extraordinário e representa um precedente cujo carácter me espanta que ninguém destaque. De facto, suspende-se a vigência da Constituição desde que haja, numa situação concreta, uma maioria de dois terços para a suspender quanto a um assunto concreto.

As normas de excepção da Constituição não têm, assim, carácter geral e abstracto; são normas concretas para efeitos concretos, desde que haja maioria política para isso. Estou contra, completamente contra e não podia estar mais contra! Até porque esta não é uma questão de técnica jurídica, mas, sim, uma questão de saber como é que se interpreta a vigência da Constituição.

Há, contudo, um aspecto menos negativo, visto que não se criou o regime normal de coincidência de referendos com tratados — salvou-se o pior! Admite-se, porém, essa coincidência para este caso concreto, quando, ainda por cima, não se sabe como, quando ou em que condições se vai levar a cabo este referendo, visto que estamos a aprovar esta norma num momento em que tudo isto está a ser posto em causa pela