O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

16 Diário da Câmara dos Deputados

Como testemunha dos factos que presenciei, vou contar o que vi, para que se faça luz e para que o País o saiba.

Sr. Presidente: saía eu da Câmara quando se ouviram os tiros; mas como já estou acostumado a essas manifestações, fui para casa jantar tranqüilamente. Dirigi-me depois ao quartel do Campolide onde encontrei o Govêrno no seu lugar, dando ordens terminantes para só reprimir o movimento.

Como V. Exa. sabe e sabe o País, era já bem de noite quando os tiros soaram.

Não foi fácil ao Govêrno saber e determinar cora rigor quem se tinha indisciplinado, quem tinha mais uma vez provocado a revolta, prejudicando assim os interêsses da Nação.

Cerca da uma e meia, o ilustre Presidente do Ministério, Sr. Dr. Ginestal Machado, telefonava para a Presidência da República — ouça bem a Câmara e ouça bem a imprensa para que o comunique ao País — cêrca da uma e meia, repito, o Sr. Presidente do Ministério telefonou para a Presidência da República comunicando ao Chefe do Estado que tinha na sua mão os elementos de ordem necessários para jugular o movimento e que àquela hora o supunha absolutamente dominado.

Pois, Sr. Presidente — cousa assombrosa!— dez minutos depois, estando reunido o Conselho de Ministros num gabinete ao lado, foi o Sr. Presidente do Ministério chamado ao telefone sendo-lhe comunicado da Polícia de Segurança do Estado haver conhecimento de que o Chefe do Estado tinha passado do automóvel em Alcântara, dirigindo-se ao Corpo de Marinheiros.

Isto, Sr. Presidente, dez minutos depois do Sr. Presidente do Ministério ter comunicado ao Chefe do Estado que considerava jugulado o movimento.

Passado algum tempo, o Chefe do Estado pede ainda autorização ao Sr. Presidente do Ministério para ir a bordo do Douro, barco que estava revoltado.

É realmente assombroso que o Sr. Presidente da República, depois de saber que estava tudo dominado, andasse a passear pela cidade como se isso fôsse a cousa mais natural, procurando ainda ir a bordo do Douro, não sei para quê.

Desafio quem quer que seja que desminta êstes factos.

Sr. Presidente: tudo isto veio a propósito do projecto em que se procura encobrir a verdade, em que se procura lançar lama sObre homens cujo carácter, cuja dignidade o espírito de sacrifício à causa da República e da Pátria estão acima de toda a suspeita.

Ah, Sr. Presidente, por muito que eu esteja costumado às cousas mais assombrosas, às cousas mais extravagantes, nenhuma me enojou tanto como êsse desenrolar de factos e do acontecimentos, cujo complemento é êste projecto que está em discussão o que para honra da Câmara não devia ter sido sequer admitido à discussão emquanto as responsabilidade» não estivessem apuradas.

Sr. Presidente: esta amnistia tem tantos inconvenientes que até vai de encontro, como uma censura, àqueles elementos que souberam dignamente obedecer a quem do direito.

Assim, muitos daqueles que depois de noites perdidas, sofrendo frio e os acasos da sorte, se bateram nobremente no seu pôsto acabarão por reconhecer que não merece a pena cumprir o seu dever, porque o cumprimento do dever parece mais um motivo para censura, do que para elogio. Penso a Câmara em tudo isso, porque é mester que pense.

Os instrumentos de ordem precisam ser auxiliados e fortalecidos; e não é com exemplos desta ordem que se conseguirá obter a obediência necessária a quem de direito.

O regime em que temos vivido não pode por forma alguma continuar, porque seria estabelecer como uma norma que os movimentos revolucionários seriam como que um modo de vida para conquistar um lugar para cujo desempenho muitas vezes não só tem autoridade moral. Acabe-se com isso; é urgente que assim se proceda.

De novo presto homenagem às palavras do Sr. Ministro da Marinha, que falou como um militar cumpridor e disciplina-dor e mais ainda como português que quero ver honrado e dignificado o lugar que ocupa, exactamente porque só julga com direito a ocupá-lo.

Sr. Presidente: casos desta ordem, como muito bem disseram os meus ilustres colegas Srs. Pedro Pita o Cunha Leal? não se resolvem com sentimentalis-