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8 Diário das Sessões do Senado

Olhemos um pouco para trás e recordemo-nos de que um benemérito amigo da sua terra, aí por 1876, quis fazer um museu que a engrandecesse, lembrando-se então de colocar os objectos antigos colhidos em Santarém e seu distrito na vetusta igreja de S. João de Alporão, acentuadamente românica e cuja idade aproximada transparece indubitável da sua fisionomia austera.

De princípio, essas reminiscências da arqueologia escalabitana lá se foram acomodando, melhor ou pior; mas, ou porque o seu número fôsse sendo avultado ou porque as dimensões do repositório não as pudesse já conter, ou ainda porque a heterogeneidade dos objectos encontrados os pusesse em desacordo com a sobriedade da construção, impedindo claramente que êles pudessem brilhar aos nossos olhos curiosos e sedentos de beleza, debaixo do peso daquelas arcarias dominadoras, houve quem imediatamente se lembrasse de adaptar a igreja do Convento da Santa Clara a museu onde êsses objectos ficariam bem à vista de cultos e de incultos, sem que se amontoassem tumultuáriamente, sem uma coordenação lógica, sem uma disposição consentânea com as suas várias proveniências e feições.

Nunca a razão se harmonizou tam bom com a conveniência do momento. Assim pensou a comissão de salvação dos monumentos de Santarém. Assim penso eu tambêm.

Essa belíssima igreja de três naves, com o seu restauro do século XVII e onde se vê ainda, no capitel dumas das suas colunas, o escudo de cadeado do Rei Afonso III, está naturalmente indicada para guardar todos os objectos arqueológicos espalhados pela cidade e seu termo.

Assim se deve fazer, Sr. Presidente. Santarém, pelas s«as tradições históricas, arqueológicas, literárias e Liberais tem direito a essa pequena regalia.

Arquitecturalmente, o ciclo que ela nos apresenta vai desde o pesado e sóbrio estilo românico, representado, como já disse, em S, João de Alporão, até a inconfundível mole arquitectónica que é a característica da construção jesuítica do século vil, patenteada no edifício de Santarém e na igreja do Hospital.

Intermediáriamente surge com Santa Clara o Convento de S. Francisco, que
fere a admiração do estudioso e o delicado edifício ogival, da Graça, com a sua rosácea flamejante, onde dorme o descobridor do Brasil, que ai quis sepultar-se, e a tocar neste período o português manuelino, de que é exemplar perfeito o portal de Marvila.

Nas minúcias da arte ornamental podem os artistas ver, enlevados, a talha, os azulejos e os mosaicos florentinos que tanto colorido dão à capela-mor do seminário. Dos azulejos de relevo, caracterizadamente árabes, quando êste povo assentou arraiais na península e que são os primeiros que aparecem em Portugal no século XVI, possui Sá atarem exemplares que são verdadeiramente interessantes, como simplicidade e fixidez de cor, contrastando com os azulejos históricos do século XVIII e aqueles que os ceramistas chamam de «motivo solto», representando, entre outros objectos, passaritos que nos parece que ensaiam a medo o voo e cravos que parecem rescender perfumes.

Sob o ponto de vista histórico e literário, tem as suas tradições na lenda de S. Fr. Gil e nas obras o nos feitos de Duarte Pacheco, Fr. Luís do Sousa, Almeida Garrett e tantos outros a que o nosso passado anda ligado.

Nas tradições liberais o princípio da liberdade encontrou sempre eco nos corações dos filhos de Santarém, como sucedeu no século XVII em que vemos Fernão Teles da Silveira, soltando lá o grito da independência de 1640, e mais tarde no século XIX, Sá da Bandeira, figura brilhante e excelsa do liberalismo constitucional.

Sr. Presidente: por todos êstes motivos, acho que Santarém merece toda a nossa atenção e espero que o Sr. Ministro da Guerra não hesitaria sôbre a cedência da igreja das Claristas para museu, já hoje tam rico de objectos que atestam o grande passado da antiga Scalabis. - Não quero terminar sem que ardentemente peça à Câmara que me per dói se eu por momentos me esqueci que estava falando no Parlamento o me julguei transportado ao antigo Convento de S. Bento da Saúde, que por tantos séculos aqui demorou a soa existência.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

Entra o Sr. Ministro dos Abastecimentos.