4 DE MAIO DE 1971 757
Franz Funck- Brentano, o eminente historiador da França medieval, assevera que "os mestres franceses praticavam a semana inglesa, que era portanto nos séculos XII e XII a semana francesa..." 57. E, com mal escondida ironia, continua:
Dos franceses passou aos ingleses, cujo espírito tradicionalista a soube conservar. Da Inglaterra reentra em França: desbaptizada.
20. A concepção materialista do trabalho, surgida por alturas do Renascimento, afirma-se, ganha terreno e altera todos os dados da questão. A visão antropocêntrica do mundo descobrira o ideal do bem- estar, inatingível sem o amplo desenvolvimento dos recursos materiais.
Mas se o trabalho é assim mero instrumento da criação da riqueza, esta finalidade dá o critério, de ordem puramente quantitativa, para o avaliar 56. Como impedir que a sua duração cresça, avassaladora 56-a, quando se pretende que os bens terrenos na mesma proporção se acumulem?
Pois veio a pretender-se isso mesmo: a concepção materialista do trabalho serviu a política de enriquecimento que foi o colbertismo. Por fins do século XVII, no afã de alcançar a todo o custo a prosperidade colectiva, a situação dos trabalhadores piorara de maneira sensível e encontram-se já em França operários das incipientes indústrias cujo dia profissional se inicia às 5 horas de antes de alva e se prolonga até noite fechada.
Todavia, o processo de subversão de valores que deslocou gradualmente o eixo da economia "do homem para a produção, do sujeito para o objecto, da pessoa para a coisa" 59 estava longe de concluir-se. Entravam agora nele, não importa se a título diverso, o liberalismo económico, de um lado, a revolução industrial, por outro.
Imolado o que ainda restava das antigas instituições e protecções corporativas nas aras dos "direitos do homem"... ou da reverência à Carta Constitucional, a sofreguidão dos industriais da segunda vaga exige e a coerente passividade do Estado permite a exorbitância dos dias laborais com 14, 16, até 18 horas.
A exploração do trabalho infantil é o índice mais sintomático dos extremos a que a sede do lucro arrastara um egoísmo bravio. Fala- se- nos de crianças de seis a oito anos, levantadas às 5 horas da manhã para trabalharem na indústria têxtil, de pé, sem poderem mover-se, durante dezasseis e dezassete horas 60.
Mas esta situação calamitosa começou a ser divulgada
Um inquérito de Villermé, efectuado em 1835 e 1836, permitiu que quatro anos depois se visse o triste sudário de abusos da duração do trabalho estampado nas páginas do famoso. "Tableau de l'état physique et moral des ouvriers employés dans les manufactures de soie, coton et laine" 61. Na Inglaterra, o relatório Ashlev, visando sobretudo os excessos quanto à utilização do trabalho feminino e o dos menores, parece não ter feito menor impressão.
O conhecimento público da situação global e o misto de reacção compadecida e de reivindicação impaciente que o acompanharam ou se lhe seguiram iam determinar uma viragem significativa.
Como foi lapidarmente observado 62, "também neste campo o individualismo se viu forçado a abdicar da conclusão abstracta dos seus princípios".
§ 6.º
A regulamentação da duração do trabalho antes e depois da Convenção de Washington
21. A reacção contra os inomináveis excessos da duração do trabalho ganha corpo no segundo quartel do século XIX. Mas já anteriormente se desenhara aqui e ali um primeiro esboço de regulamentação.
Concretiza-se de início na atenuação das situações que mais expressivamente tocavam a sensibilidade pública, obtendo-se o que alguém denominou "protecção pietista dos mais débeis" 63 Contemplam-se, assim, os casos de manifesta exploração da mão-de-obra feminina e infantil.
Conjuntamente com a proibição de admissão ao trabalho antes de determinada idade - e a tanto haviam chegado os abusos que fixá-la nos nove anos completos, como aconteceu em Inglaterra, se afigurou então generoso benefício -, impede-se o emprego de menores em certos trabalhos nocturnas e o das mulheres no trabalho subterrâneo das minas.
Aquele primeiro passo foi dado nos alvores do século, o segundo alguns anos mais tarde.
A França, seguindo a Inglaterra neste contramovimento, como a seguira na génese dos factos que o ocasionaram, ia atrasar-se um tanto. Com efeito, "arrancou" sòmente com a Lei de 22 de Março de 1841, relativa a trabalho infantil. Proibiu o emprego, nas fábricas e estabelecimentos manufactureiros, de crianças com menos de oito anos e limitou a oito horas por dia o trabalho dos menores dos oito aos doze anos e a doze horas o dos menores de doze a dezasseis anos. Impôs o descanso dominical e dos dias, feriados até aos dezasseis anos e impediu que até aos treze se trabalhasse de noite 64.
Na vizinha Espanha, surgiu em 1873 a primeira lei de carácter social e, para não fugir à regra, tendo igualmente por objecto o trabalho de mulheres e de crianças.
Sobre duração do trabalho pròpriamente dita, o primeiro ensaio de limitação tentou-o o Reino Unido em 1833 e abrangendo os menores: o máximo diário vinha até dez horas.
Depois começaram a surgir em diversos países leis de âmbito mais genérico, aplicáveis aos adultos, que ao longo do século XIX 65 trouxeram, progressivamente, o limite a doze, a onze, por fim a dez horas 66.
Parece que muitas destas normas, sobretudo as que tiveram lugar de pioneiras, foram imperfeitamente cumpridas, o que em boa verdade não pode espantar, mesmo
57 Le Moyen Âge, 7.ª ed., fl. 329.
58 Leonel Franca, ob. cit., fl. 326.
58-a No sonho dos utopistas, que têm a sua filosofia do ócio, anda a redução da duração do trabalho.
Tomas Morus "decreta" para todos os habitantes da Utopia o dia de seis horas do trabalho, ao passo que Campanella não o deixa ir na Cidade do Sol além de quatro horas ...
Vide Gonzalez Seara "O ócio e o tempo livre", in Opinión Pública o Comunicación de Masas, Barcelona, 1968, fls. 74 e segs.
59 Leonel Franca, ob. e loc. cit.
60 Ed. Dolléans, Histoire du mouvement ouvrier, 2.ª ed., t. I, fl. 23, cit. por P. Durand e R. Jaussaud, ob. cit., fl. 74.
61 P. Durand e R. Jaussaud referem ainda, quanto ao seu país, entre outros: "Discours sur quelques recherches de statistique comparée faites sur Mulhouse", 1828, de A. Penot;
"De la misère des ouvrieurs et de la marche à suivre pour y remédier", 1832, do barão de Morogues; "Nantes au XIX siècle",
1835, do Dr. Guépin.
62 Doutor Lúcio Craveiro da Silva, A idade do Social, 1952, fl. 118.
63 Miguel H. Marquez, in Derecho del Trabajo, 1946, fl. 34, ref. por Lúcio Craveiro da Silva, ob. cit., fl. 120.
64 Touren, "La loi de 1841 sur le travail des enfants", cit. por P. Durand e R. Jaussaud, ob. ref., fl. 75.
65 Sabe-se ser muito completo um estudo de Charles Rist intitulado "La durée du travail dans l'industrie française de 1820 à 1870", e que parece ter sido publicado na Revue d'economie politique, em 1897.
66 La Durée du Travail..., fl. 193.