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758 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N° 72

abstraindo do conhecimento da força de certas resistências e do entrave de certas rotinas, quem imagine como seriam precários os instrumentos estaduais da sua fiscalização.
Não importa: o passo irreversível fora dado. Agora, a Europa oitocentista, que vira configurar-se, em toda a sua dimensão e gravidade, a questão social, teria de habituar-se, de bom ou mau grado, à intromissão, às exigências crescentes de um direito do trabalho.

22. Para além do impacte emocional que constituiu a causa próxima do seu aparecimento ao arrepio da maré política liberal, a intervenção legal no mundo do trabalho foi accionada, claro está, por factores inteligentes e acções organizadas.
Paul Durand e R. Jaussaud 67 reduzem as influências determinantes das preocupações sociais e inspiradoras da formação do direito do trabalho ao seguinte elenco:

a) As ideologias novas, na linha de crítica ao liberalismo, tanto as favoráveis como as hostis ao capitalismo;
b) As influências jurídicas, em reacção contra a teoria da autonomia da vontade;
c) A acção dos meios de trabalho, nomeadamente com o renascimento das organizações profissionais;
d) As transformações profundas do meio económico, que o levaram a "encontrar" a face económica e o interesse produtivo da regulamentação do trabalho.

Abarcando mais dilatada época e referindo-se, menos no plano do pensamento inspirador do que no das realizações imediatas, especìficamente à regulamentação da duração do trabalho e em concreto à limitação do dia laboral, outros autores 68 dão esta variante:

a)A actividade reinvindicativa das organizações sindicais;
b) A acção de determinados políticos e sociólogos;
c) A acção social católica;
d) A influência e a pressão dos organismos internacionais especializados.

Será desnecessário encarecer o papel relevante que durante o século passado coube às organizações operárias na aceleração do processo de redução da duração do trabalho. Fosse qual fosse o quadrante ideológico em que se inscrevessem e a formação mental dos seus guias, fizeram dos limites legais do horário de trabalho, para si próprios uma questão de princípio, em face dos seus interlocutores patronais e governamentais uma questão fechada.
Na cadência proverbial deste tipo de acção reivindicativa, cada objectivo conquistado foi apenas o degrau para uma escalada, e não tardou que a Europa industrializada visse agitar-se a bandeira das "oito horas de trabalho".
Enquanto, porém, as organizações de vários matizes, desde as de filiação socialista- reformista às dos católicos-sociais, contribuíam com assinalável influência directa para a articulação de legislação do trabalho progressivamente mais generosa, as de inspiração marxista, cuja lógica doutrinária as desinteressava do melhoramento de uma sociedade que devia ruir na catástrofe, fincavam-se em posição crítica absoluta que as servia e não comprometia.
Entretanto, os próprios liberais começaram a ser permeáveis ao ambiente cada vez mais homogéneo e "a não aceitar a indiferença da doutrina clássica em matéria social".
Em breve todos reconheceriam que a acção do legislador no domínio da regulamentação do trabalho corresponde ao interesse geral 69.
O problema do futuro seria não já o da indispensabilidade e da legitimidade da intervenção legislativa, mas o dos seus limites, ou, antes, o de descobrir a fórmula técnica da distribuição de "competências", que, reservando para o Estado os aspectos de interesse e ordem pública, confie aos corpos intermédios a harmonia dos interesses particulares que representam. Embora com muito menos agudeza do que noutros capítulos da política social, também a duração do trabalho ofereceu campo a essa discussão.
Transposto o dissídio da zona dos princípios para o domínio dos processos, socialistas e católicos desencontram-se e a Rerum Novarum não deixou de o assinalar.

23. A importância da Rerum Novarum não pode medir-se, evidentemente, pelo seu conteúdo e pela sua forma, nem mais denso aquele nem esta mais expressiva do que os das obras representativas anteriores da escola social católica. Afere-se, sobretudo, pelo facto de constituir uma definição oficial da doutrina da Igreja sobre tema candente, que tinha graves implicações morais e religiosas.
Ora, quando em 1891 Leão XIII se ocupou da "condição dos operários", a questão do prolongamento demasiado da jornada de trabalho continuava na ordem do dia.
"Não é justo nem humano", escreve o Pontífice, "exigir do homem tanto trabalha a ponto de fazer, pelo excesso de fadiga, embrutecer o espírito e enfraquecer o corpo.
A actividade do homem, restrita como a sua natureza, tem limites que se não podem ultrapassar."
Leão XIII, noutro passo, aponta para a necessidade de se fixarem, além do máximo inultrapassável -"o número de horas de trabalho diário não deve exceder a força das trabalhadores" -, limites especiais proporcionados "à natureza do trabalho, às circunstâncias do tempo e do lugar". E concretiza o seu pensamento:
O trabalho, por exemplo, de extrair pedra, ferro, chumbo e outros materiais escondidos debaixo da terra, sendo mais pesado e nocivo à saúde, deve ser compensado com uma duração mais curta.

Também o "trabalho excessivo e desproporcionado com a idade e sexo" do operário suscita a sua atenção e determina um enérgico apelo à imposição "da força e da autoridade das leis".
Noutro passo é ainda mais explícito:

Enfim, o que um homem válido e na força da idade pode fazer não será equitativo exigi-lo de uma mulher ou de uma criança. Sobretudo a infância - e isto deve ser especialmente observado -, não deve entrar na oficina senão depois que a idade tenha suficientemente desenvolvido nela as forças físicas, intelectuais e morais, e sem prejuízo da sua educação.

67 Traité de Droit du Travail, cit., fls. 76 a 100.
68 Perez Botija: Curso de Derecho del Trabajo, 7.ª ed., fls. 164-168, Alonso Garcia: ob. cit., fl. 389.
69.Cf Paul Durand e R. Jaussaud, ob. cit., fl. 89.