768 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 72
duração normal de trabalho inferior "à da que é aplicável ao conjunto dos trabalhadores". Aproveitam-no ora os empregadas de escritório em geral (Dinamarca, Portugal) ou, conjuntamente, os empregados de escritório e no comércio (v. g., Luxemburgo e Venezuela), ora os bancários e empregados de seguros (México, Nova Zelândia), ora certas categorias restritas de trabalhadores não manuais (Espanta, U. E. S. S.). Trata-se, nestes e noutros casos mencionados no relatório, de máximos de duração normal obrigatoriamente impostos, mas nem sempre de máximos de duração legal fixados no diploma base da respectiva legislação. Não deixam por isso de constituir valioso elemento subsidiário a ter presente para juízo sobre o nosso regime tradicional.
A legislar ex novo, talvez houvesse motivos para hesitações; assim, parece ter de constituir-se pelo bom aviso da manutenção no projecto do regime de que há mais de meio século beneficiam os empregados de escritório.
41. A doutrina 108 tem frequentemente arguido de ilegalidade a aprovação de horários de trabalho das chamadas "semana inglesa" e "semana americana", desde que consistam na simples transferência para os cinco dias úteis restantes das horas de trabalho que deixam de ser prestadas no sábado. De facto, não admitindo o artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 24 402, na redacção do Decreto-Lei n.° 26 917, que o período diário ultrapasse oito horas, parece duvidosa a admissibilidade de tais horários. Compreende-se, aliás, que o legislador não tenha previsto em 1934, ou mesmo em 1936, os problemas suscitados por uma tendência que só alguns anos mais tarde, entre nós, foi dominadora e que, por conseguinte, aquele tipo híbrido de horário de trabalho e a própria "instituição social" denominada "fim de semana", sem os pergaminhos de que podia já então ufanar-se noutras latitudes, permanecessem como que à margem da lei e estranhas ao seu espírito informador. A vida se encarregara, entretanto, de acumular argumentos irrespondíveis para impor à Administrarão a solução empírica por que desde cedo enveredou.
Agora, a lacuna da lei nem teria por si a desculpa da imprevisão, nem se justificaria com dúvidas sobre a oportunidade de legislar. Mas o menos que se pode dizer do n.° 3 do antigo 2.° em apreciação, conjugado com os três primeiros números do artigo 35.°, é que permite finalmente legalizar o real.
42. A Câmara nadai entende dever objectar ao n.° 5, cuja necessidade decorre de outro preceito e que, "tudo somado, será de aplicação restrita" quando eventualmente tiver de funcionar.
O n.° 4 carece, porém, de ser apreciado com alguma demora.
Não é, decididamente, o princípio da restrição ao acréscimo do período normal que pode contestar-se. A sobrecarga dos cinco primeiros dias úteis da semana em favor da maior disponibilidade do sábado tem por limite evidente a defesa da saúde física e do equilíbrio psíquico do trabalhador, que a extensão demasiada do período diário também afectaria.
Isto seria incontestável, salvo melhor juízo, mesmo que o alargamento do período diário representasse sempre processo e até condição necessária da redução do período semanal. Por maioria de razão, quando se trate de evitar que, à sombra da disponibilidade do sábado, e sem redução do total semanal, se onere demasiado o tempo dos restantes dias úteis e quando, do mesmo passo, como no caso presente, se pressinta a simpatia do legislador pela forma indirecta de atingir o objectivo de encurtamento razoável da semana de trabalho 'mediante a adopção do regime de autênticas semana inglesa e semana americana.
A questão não será, portanto, essa questão de princípio mas pode bem ser a do limite concreto que o projecto traçou: o acréscimo não excederá uma hora.
O número em si, como número convencional, é discutível, mas parece aceitável. Com efeito, as nove horas 109 assim completadas, acrescidas das hipotéticas duas horas suplementares autorizáveis, em regra, nos termos do artigo 16.°, somarão onze horas. Basta pensar em que, se ocorrerem motivos ponderosas, o limite diário do trabalho extraordinário ainda pode ser elevado, para verificar que um acréscimo ao período normal superior ao previsto implicaria, ao menos em casos excepcionais extremos, fadiga demasiada do trabalhador.
Só nos aspectos circunstanciais da questão se filiarão, por isso, objecções de algum mérito.
Parece ter-se receado que a restrição proposta, em vez de contribuir para incentivar a adopção da semana americana propriamente dita, funcione apenas como travão legal à extensão da forma da semana americana que certas empresas praticam.
O argumento não impressiona. Nem está demonstrado que o fim de semana, a todo preço deva ser anteposto à segurança de um dia de trabalho em condições higiènicamente satisfatórias, nem deve ficar esquecido que, dentro dos esquemas do presente projecto de decreto-lei, existem outras formas, mais directas, de obter, se e quando for julgado imperioso ou conveniente, a relativa generalização de regime de semana americana tipo.
Pode, sim, lembrar-se a injustiça de tratamento reservado às empresas que, tendo-se adiantado às congéneres na concessão do descanso complementar de sábado (de sábado completo, única hipótese em que a questão tem interesse), iriam agora ser forçadas ou a retroceder, se lhes fosse consentido e decerto não seria, ou a suportar a concorrência económica em posição desfavorável.
Conceda-se que essas empresas disponham de razoável motivo para se baterem pela conservação do statu quo: o regime teria sido, tal qual, bem aceite e acaso desejado pelos trabalhadores e foi sancionado pela aprovação formal da autoridade competente.
A estas razões se pode, no entanto, contrapor, no plano do direito constituído, que o previsto limite de uma hora não é arbitrário, pois confere com a doutrina da alínea b) do artigo 2.° da Convenção n.° 1 e corresponde ao estabelecido nas legislações de muitos países 110; no plano da nossa política legislativa que a restrição constitui, repita-se, forma indirecta de obter um nível de menor duração do trabalho.
108 Vide Dr. M. Rosado Coutinho, ob. cit., fls. 13 e segs.
109 Pensa-se nos trabalhadores sujeitos ao regime de oito horas diárias, mas o raciocínio também é válido, de certo modo, quanto aos empregados de escritório.
110 Por exemplo: Argentina [Decreto n.° 16 115, artigo 1.° alínea b)]; Bélgica (Lei de 15 de Julho de 1964, artigo 6.°); Espanha (Lei de 1931, artigo 1.°); Finlândia (Lei de 30 de Dezembro de 1965); Itália; Noruega; Suécia (Lei da Duração do Trabalho, artigo 4.°). Ver outras informações em La Durée du Travail, cit., fls. 239 e segs.
Outros países, porém, admitem, em casos excepcionais, a repartição semanal com possibilidade de maior acréscimo diário, mas deve recordar-se que o seu máximo normal é em regra menor que o nosso.
A Convenção n.° 30, sobre duração de trabalho no comércio o nos escritórios, que Portugal não ratificou, admitia que o acréscimo fosse de duas horas.