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774 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.° 72

A expressão "para além do período normal", entendida num sentido literal, aliás de muito contestável exactidão e que sem dúvida o espírito do preceito repele, conduziria na aplicação prática a soluções incongruentes e injustas.
Assim, julgou-se que o trabalho extraordinário não poderia ser prestado por antecipação do período normal 129, como se, dizendo para além de, devêssemos pensar no tempo que lhe sucede, em vez de pensarmos naquele que o excede.
Por outro lado, chegou a pretender-se, segundo parece, que a classificação do trabalho como extraordinário supõe necessàriamente que o trabalhador haja esgotado o "número de horas que se obrigou a prestar" e que, nos termos do artigo 45.° do diploma citado, correspondem ao período normal. Haveria, assim, a possibilidade de a entidade patronal lhe exigir, como normal, fora dos limites do horário, isto é, antes da hora de início, depois da hora do termo e durante o intervalo de descanso, o trabalho que por qualquer motivo não fosse cumprido no momento previsto.
Num caso como no outro, há uma visão parcelar e inconcludente do problema.
Como adverte o Dr. Bernardo Xavier 130, deve considerar-se extraordinário todo o trabalho prestado além do convencionado, e o convencionado, quantitativamente, corresponde a um número determinado de horas.
Mas o horário de trabalho, elaborado pela entidade patronal dentro dos condicionalismos legais, passa a ser parte integrante do contrato, e os respectivos limites definem, qualitativamente, as horas que o trabalhador está obrigado a prestar.
A Câmara recomenda, apesar de tudo, que, em vez de "para além do período normal", se diga "fora do período normal".
E inequívoco e não se afasta do sentido do artigo 46.° da Lei do Contrato de Trabalho.

64. Desta sorte, para os efeitos da lei, nomeadamente para o efeito de remuneração 121, todo o trabalho prestado fora do período normal é trabalho extraordinário.
Mas o número de horas prestadas e a sua localização relativamente ao horário apenas definem de facto o trabalho como extraordinário: não lhe dão a essência de trabalho extraordinário e, portanto, não o legitimam. Legitima o trabalho extraordinário a natureza extraordinária das tarefas que o determinam.
Embora o uso corrente das palavras possa ter habituado a outra ideia, o espírito da nossa legislação foi sempre o agora claramente denunciado pelo teor do n.° 2 deste artigo 13.° e que vem da alínea b) do artigo 6.° da Convenção de Washington. O que se prevê como derrogação temporária das normas reguladoras da duração do trabalho não são acréscimos de horas de trabalho, independentemente da normalidade ou excepcionalidade dos motivos que as originam; são horas do trabalho suplementar, prestadas "para fazer face a anormais acréscimos de trabalho" 132. Quer isto significar que, em bom rigor, o carácter extraordinário é do serviço que acresceu ao habitual, e não tanto das "horas de trabalho a mais" necessárias para o executar.
A alínea b), referente aos casos de força maior e de iminência de prejuízos importantes, também previstos na Convenção n.° 1 133 (artigo 3.°), tem sobre o artigo 5.º do Decreto-Lei n.° 24 402, como se viu (nota 129), a clara vantagem de explicitar que, podendo os casos de forca maior e a iminência de prejuízos ocorrer antes do início e depois do termo do período normal, tanto se justifica a antecipação deste como o seu prolongamento.
Tem-se, no entanto, por dispensável proclamar de forma expressa o que a inexistência de alusão ao prolongamento do trabalho, ao contrário do que está na lei vigente, torna perfeitamente líquido.
De resto, a redacção do projecto quanto a esta alínea b) deveria, para o sistema ser lògicamente impecável, impor a correspondente alteração da alínea a).
Do exposto resulta que, no parecer da Câmara, a disposição em causa deve dizer:

1. Considera se trabalho extraordinário o prestado fora do período normal.
2. O trabalho extraordinário só poderá ser prestado:

a) Quando as entidades patronais tenham de fazer face a acréscimos de trabalho;
b) Quando as entidades patronais estejam na iminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior [...]

ARTIGO 14.º
(Trabalho não compreendido na noção de trabalho extraordinário)

65. Dispensa comentários a alínea a) do n.° 1, consequente dos efeitos atribuídos à isenção pelo artigo 12.°
A alínea b) mão tem precedentes no nosso direito do trabalho. Parece constituírem antecedentes justificativos da excepção aí estabelecida certas dúvidas suscitadas pela aplicação do n.° 1 do artigo 54.º da L. C. T.
Segundo esta última disposição, "o trabalhador tem direito à retribuição correspondente aos feriados, quer obrigatórios, quer concedidos pela entidade patronal, sem que este os possa compensar com trabalho extraordinário". É evidente a ratio legis: intentou-se arredar a muito discutível e impopular "compensação dos salários", que o § 2.° do artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 38 596 gizara e fora mantida na redacção que lhe deu o artigo 14.° do Decreto-Lei n.° 43 182. Pretendeu-se libertar da compensação os feriados não obrigatórios, e muito especialmente os não oficiais concedidos pela entidade patronal a pretexto de acontecimentos com projecção local ou de factos marcantes na vida da própria empresa.
Tem acontecido, entretanto, que, no interesse dos trabalhadores e a seu pedido, as entidades patronais, quando o calendário aproxima, quer feriados entre si, quer feriados e dia de descanso semanal, sem, no entanto, os juntar,

129 A afirmação expressa de que, em caso de força maior ou na iminência de prejuízos importantes, a entidade patronal tanto pode prolongar como antecipar o período normal, feita na alínea b) do n.° 2 do artigo 13.° em apreciação, pode justificá-la a restrição, muito pouco razoável, do artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 24 402 vigente.
Deve ter-se desejado marcar bem a diversidade do regime projectado.
130 In Regime Jurídico do Contrato de Trabalho, anotado (Coimbra 1969), nota II ao artigo 46.°, fl. 92.
131 O Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão de 14 de Dezembro de 1943) já decidiu, certamente para preservar ao trabalhador a competente retribuição com 50 por cento, que é extraordinário todo o trabalho além do prescrito no horário,
"mesmo quando executado com a regularidade própria do trabalho normal".
132 No original francês: "... faire face a des surcroits de travail extraordinaires", in Conventions et Recommandations, 1916-1966, fl. 3 (B. I. T., Genève, 1966).
133 E nas legislações, entre outros países, da Argentina, Bélgica. Brasil, Bulgária, Chile, Espanha, Finlândia, França, Israel Japão, Marrocos, México, Noruega, Polónia, Portugal, Reino Unido, Suécia e U. R. R. S. (La Durée du Travail..., fl. 258, nota 2).