30 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 86
e no decreto n.º 18:551, de 3 de Julho de 1930, que remodelou, como ainda nas bases para a constituição e funcionamento da Colónia Agrícola dos Milagres, aprovadas pelo decreto n.º 19:903, de 18 de Junho de 1931, e no Estatuto Orgânico dos Serviços de Colonização, aprovado pelo diploma legislativo n.º 704, de 9 de Março de 1928, o regime jurídico do casal de família não importa mais do que um regime de indivisibilidade dos bens que o compõem, respeitando-se sempre, se falecer o proprietário do casal, os direitos de sucessão dos seus herdeiros 14.
Não é diversa a doutrina do projecto de lei de fomento rural apresentado por Oliveira Martins à Câmara dos Deputados, em sessão de 17 de Abril de 1877 15. E igual orientação consagra o direito francês
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14 No regime dos decretos n.º 7:033, de 16 de Outubro de 1920, 7:034, da mesma data, e 18:551, de 3 de Julho de 1930, a indivisibilidade do casal, por morte do seu proprietário com descendentes, apenas determina adiamento da partilha até ao momento em que o último dos filhos menores, que o eram à morte do proprietário, atinge a maioridade. Até esse momento subsistem a indivisão e a inalienabilidade, e prevê-se mesmo uma indemnização, aos herdeiros maiores pelo adiamento da partilha, quando não tirem proveito dos bens que formam o casal.
Com efeito, o artigo 24.º do decreto n.º 7:033 dispõe:
«Existindo menores na ocasião da morte do cônjuge proprietário de todo ou de parte do casal de família, o juiz de direito pode, havendo lugar, a requerimento do cônjuge sobrevivente, do tutor, de um filho maior ou a pedido do conselho de família, ordenar o prolongamento da indivisão até a maioridade do filho mais novo e estabelecer, se for necessário, o pagamento de uma indemnização pelo adiamento da partilha aos herdeiros que são ou se tornem maiores e não se aproveitem do casal de família.
No caso de ser mantida a indivisão, subsistirá a inalienabilidade nos termos dêste decreto».
E o decreto n.º 18:551, de 3 de Julho de 1930, prescrevendo no artigo 21.º que a inalienabilidade e impenhorabilidade consignadas no artigo 19.º duram emquanto subsistir o casal, e dispondo no artigo 22.º que o casal pode ser transmitido por testamento em favor dos descendentes, de qualquer dos parentes em benefício de quem tenha sido feita a instituição, ou, na falta de uns e de outros, em favor das pessoas que, nos termos do artigo 3.º, entram na definição de «chefe de família», preceitua no artigo 23.º que fica sem efeito a instituição do casal de família:
«1.º Quando o instituidor ou qualquer dos seus sucessores dele não dispuser em testamentos, na forma estabelecida no artigo 22.º».
E para êste caso determina o § 1.º do mesmo artigo 23.º:
«... caduca a instituição do casal de família quando o mais novo dos filhos ou dos parentes a quem aproveite p benefício atingir a maioridade, se êste facto ocorrer depois da morte do chefe de família».
Na sua técnica imperfeita - que torna por vezes impossível a interpretação das normas e a determinação do regime jurídico aplicável a casos sôbre que se guardou absoluto silêncio - permitem os diplomas citados concluir que, respeitando-se fundamentalmente os princípios dominantes do instituto das sucessões, apenas se consente o adiamento da partilha da herança, para prolongar a indivisão e inalienabilidade do casal até ao momento em que o mais novo dos filhos atinge a maioridade.
Procuram, porém, esses diplomas respeitar os princípios fundamentais do direito sucessório, não só mediante a indemnização prevista para os interessados maiores, prejudicados pelo adiamento da partilha, como ainda por outros meios consignados em diversas disposições que é conveniente referir.
Assim: no § 1.º do artigo 23.º do decreto n.º 7:033, depois de se declarar que o casal de família pode ser transmitido pelo seu proprietário, por doação ou testamento, em favor dos seus descendentes, ou, na falta dêstes, a favor de certas categorias de pessoas em benefício de quem permite a instituição do casal, preceitua-se expressamente:
«Se a disposição fôr em favor de um descendente do testador e êste tiver outros herdeiros legitimários, entender-se-á, embora não seja expressamente declarado, que é pelas fôrças da parte disponível da herança».
E o artigo 25.º dispõe:
«Se o cônjuge sobrevivente é comproprietário do casal de família e nele habita, tem a faculdade de reclamar, com exclusão dos herdeiros, a sua atribuição integral, sendo as legítimas dos herdeiros inteiradas por tornas a dinheiro, quando necessárias».
Quanto ao decreto n.º 18:551, o respeito dos princípios fundamentais do direito sucessório é atestado por disposições como a dos §§ 1.º e 2.º do artigo 22.º, já citado, onde se preceitua:
«§ 1.º Se a disposição fôr em favor de um descendente do testador e êste tiver outros herdeiros legitimários, entender-se-á, embora não seja expressamente declarado, que é pelas forças da parte disponível da herança.
§ 2.º Se o casal de família legado nos termos do parágrafo anterior exceder a cota disponível da herança, as legítimas dos demais herdeiros legitimários serão inteiradas por tornas a dinheiro, pagas pelo legatário».
Ainda o § 2.º do artigo 23.º, prevendo as hipóteses de o legatário do casal de família já instituído deixar de promover a renovação, a seu favor, da instituição, ou atingir a idade de quarenta e cinco anos sem reunir as condições que o artigo 3.º requere para a qualificação de «chefe de família», dispõe que os bens que formam o casal de família serão repartidos como livres entre os herdeiros do testador.
De todas estas disposições, em que tam nitidamente transparece a já acentuada deficiência de técnica jurídica que se nota nos diplomas citados, não é difícil concluir, embora nem sempre se aluda directamente à sucessão legítima, que os bens que formam o casal se transmitem, nos termos gerais de direito e na falta de testamento, aos seus herdeiros legítimos, embora seja necessária a observância de certos requisitos e formalidades para que possa subsistir a instituição do casal de família.
O estatuto orgânico dos serviços de colonização, aprovado pelo diploma legislativo n.º 704, de 9 de Março de 1928, determina que os imobiliários obtidos pelos colonos constituem um casal de família inalienável e impenhorável, excepto nos casos de expropriação por utilidade pública ou execução por dívidas ao Estado (artigos 57.º, 58.º e 59.º) e preceitua em seguida que o regime de casal de família caduca por morte dos seus primeiros possuidores, mas dispõe que o casal pode manter-se, subsistindo a instituição relativamente aos menores, se estes o requererem judicialmente no acto das partilhas (artigo 60.º).
Acrescenta ainda o artigo 61.º que a instituição do casal de família será regulada por diploma especial na parte que diz respeito à sucessão, quando tiver sido requerida a subsistência do casal pelos sucessores.
Respeita-se, pois, em absoluto o regime sucessório geral e apenas se considerou como objecto de regulamentação especial futura a instituição do casal de família em relação aos sucessores dos bens que o forem segundo o direito comum.
15 Na verdade o projecto de lei de Oliveira Martins consagra a indivisibilidade do casal com absoluto respeito dos princípios do direito sucessório. Prevendo nos artigos 123.º e seguintes a declaração de indivisibilidade dos casais contínuos cuja área não excedesse 25 hectares, dispõe no artigo 268.º que a indivisibilidade, uma vez declarada nos termos legais pelo dono, vigorará durante a vida e sucessão do declarante, podendo o seu herdeiro ou sucessor repetir ou não a mesma declaração segundo a sua conveniência; e, quanto à transmissão por morte do casal indivisível, dispõe o artigo 271.º que o proprietário poderá designar de entre os seus descendentes, sem distinção de sexo, o sucessor do casal, mas preceitua claramente que o sucessor fica com a obrigação de satisfazer aos coherdeiros as tornas em dinheiro para igualar as partilhas nos termos gerais de direito.
Acrescenta o § 1.º:
«Não havendo designação testamentária, ou não havendo testamento, será o casal encabeçado em um dos herdeiros, conforme amigavelmente convierem entre si ou na conferência a que no respectivo inventário tenha de se proceder, segundo o disposto no artigo 714.º do Código de Processo Civil de 1876».
E dispunha ainda o artigo 272.º que, na transmissão dos casais indivisíveis por sucessão entre herdeiros, descendentes ou ascendentes, não seria devida nenhuma contribuição de registo pelo herdeiro que ficasse com o casal, tanto quanto à parte do valor que lhe pertencesse em partilha, como quanto ao seu excedente.
Quere isto dizer, na técnica dos nossos dias, que o herdeiro adquirente do casal estava isento, quer do imposto sucessório que como tal lhe competisse, quer da sisa por excesso de imobiliários.