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136 DIARIO DAS SESSÕES - N.º 95

Muito embora haja confiança no futuro - confiança traduzida na proposta de lei orçamental , a verdade é que todos nós estamos sujeitos às surpresas e imprevistos que com frequência se registam, sobretudo em tempo de guerra. E muito pior seria se, apanhados numa situação de surpresa, fôssemos encontrados descalços, sem pé de meia e sem reservas, para acudir às primeiras necessidades emergentes. Em tal caso, o imposto seria lançado atabalhoadamente com o carácter de um imposto de salvação pública, muito mais gravoso e muito anais difícil de suportar .por toda a Nação.

Foi obedecendo a este critério que os galhardos paladinos do contribuinte, como ainda na sessão de ontem sucedeu com o Sr. Deputado Melo Machado, não se atrevem a pedir que as contribuições sejam diminuídas. Reconhecem o melindre da situação que atravessamos.

O que é indispensável, segundo aquele ilustre Deputado, é que o fisco seja mais razoável, menos rigoroso e mais humano. Neste ponto todos estamos de acordo.

Quere-me parecer que as contribuições são geralmente odiosas ao povo, não tanto por serem impostos, mas em grande parte pelo modo como a cobrança é feita e pela forma como são tratados os contribuintes pelo fisco.

Neste emmaranhado de complicadas redes de licenças, de taxas, de posturas, que são lançadas pelos municípios e pelos diferentes serviços- autónomos, hidráulicos, eléctricos, radiofónicos, florestais, etc., o que mais fere o contribuinte é a ignorância em que ele se encontra para poder obedecer e a incompetência para poder cumprir as leis e regulamentos, que muitas vezes nem os próprios técnicos sabem compreender e discriminar.

Com respeito à forma como o fisco trata o público, toda a gente sabe, principalmente quem vive na província, como o público é tratado por funcionários que são por via de regra duros, mal dispostos, sem paciência alguma para aturar os interessados ignorantes e destituídos e para lhes ensinar a maneira como hão-de proceder, requerer ou reclamar.

Quanto à dureza, autoritarismo e má vontade com que alguns funcionários do fisco lidam com os contribuintes, eu peço ao Sr. Ministro das Finanças para mandar afixar dentro das repartições fiscais os seguintes dizeres, impressos, num quadro, para que todos os funcionários desses serviços os leiam todos os dias:

a Perante a gente humilde, para quem as dotações orçamentais esgotadas, o reforço de verbas, os manifestos, as matrizes, os lançamentos, os relaxes, as execuções, são cousas terrivelmente obscuras e misteriosas, que escuta com pavor e incompreensão e lhe amarfanham a alma, porque por vezes destroem a vida, perante credores e devedores do Estado - o funcionário não é altaneiro nem arrogante, nem imensamente superior: é mestre e guia, antes de ser juiz e severo executor da lei».

Estas palavras, Sr. Presidente, foram proferidas por S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho, Dr. Oliveira Salazar, em Agosto último, no almoço de despedida aos altos funcionários do seu Ministério, palavras que não só traçam com mão de mestre a imagem do pobre contribuinte, mas também o tipo ideal do verdadeiro funcionário

Razão tenho eu para me referir a este assunto, porque o Sr. Presidente do Conselho ao proferir tais palavras teve a impressão nítida e clara do que na realidade se passa em muitas repartições fiscais do País, tanto do Estado como as outras.

Apoiados.

E já que me dirigi neste ponto ao Sr. Ministro das Finanças cumpro o dever de me associar efusivamente aos oradores que se referiram com palavras de homenagem a S. Ex.ª, palavras dirigidas a um Ministro que pela primeira vez assina a proposta da lei de meios e pela qual se vê que segue as pegadas do Mestre, o que é motivo para o felicitar e para que todos nos congratulemos.

Sr. Presidente: Já que me referi à forma como o fisco trata os contribuintes, agora, relacionando-a com a falada atmosfera de animadversão pelas contribuições, quero referir-me também à instalação e ao local das repartições. Não exagero dizendo que as repartições de finanças em todo o País são, por via de regra, insuficientes, acanhadas, desconfortáveis e pobres, a começar pelas da capital.

Sabem V. Ex.ªa que nos últimos dias do prazo de pagamento das contribuições é frequente ver os contribuintes estravazarem dos vestíbulos das tesourarias para as ruas e praças de Lisboa e estenderem-se em bicha, de pé quedo, ao vento, ao sol e à chuva, horas sobre horas, à espera da sua vez de pagar as contribuições.

Quere dizer: as repartições não têm espaço suficiente para conter os contribuintes. E mem se diga que isso sucede em dias excepcionais, porque mesmo nos dias normais de pagamento essas repartições são deficientes nas mais elementares comodidades.

Nalgumas repartições nem sequer há esses bancos toscos, que existem nos jardins públicos, para se sentarem os contribuintes que esperam a sua vez de serem atendidos.

Ainda há dias tive necessidade de acompanhar uma senhora a uma repartição de finanças, onde ia prestar declarações por óbito do seu marido para a instauração do processo do imposto sucessório. Depois de subirmos um prédio de aspecto modesto em dois lanços de escada íngreme, estreita e sombria, entrámos num cochicho cuja porta era encimada por um letreiro relativo «i sucessões e doações. Este compartimento tinha cerca de 3 X 4 metros de superfície, onde estavam sentados, cada um a trabalhar na sua mesa, dois funcionários ; e a pobre senhora, que ia naturalmente fatigada, querendo sentar-se para descansar, não tinha onde, porque lá não havia senão as duas cadeiras em que os funcionários estavam sentados. Teve, ali de pé, de prestar declarações, responder às preguntas que lhe fizeram e esperar que se redigisse e escrevesse o auto, numa situação inferior até àquela de que gozam os réus nos tribunais, porque esses ainda têm os clássicos bancos para se sentarem.

Isto não está certo.

Mas nem todas as repartições públicas são assim, porque dias antes tinha eu ido com a mesma senhora a uniu conservatória do registo civil emancipar um filho, e a conservatória não só tinha bancos para o público, mas até cadeiras para as pessoas que vão prestar declarações.- E, no entanto, as conservatórias do registo civil também são repartições do .Estado.

Porque é que as repartições de finanças estão, assim, em contraste flagrante com as outras repartições? Não sei. E este um assunto para que me atrevo a chamar a atenção do Governo, porque não faz sentido que, em mais de catorze anos de Estado Novo, ainda não se tenham tomado as providências necessárias para que is repartições de finanças sejam mais cómodas e mais prestigiosas da Situação.

Apoiados.

E preciso que o Estado tenha um pouco mais de consideração para quem paga. Não digo que se dê a mesma consideração que se dá àqueles que recebem, mas que, pelo menos, se lhes dê aquela consideração elementar que se costuma dar às pessoas que cumprem com o seu dever ë se sacrificam, por vezes, a vir de longe para o cumprir e, quantas vezes, como eu tenho observado, quando chega a vez de serem atendidos, se lhes fecha