244-(16) DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 104
para que não possamos, de ânimo leve, admitir que êles nos venham ainda de fora sem, ao menos, procurarmos reduzi-los o mais possível.
Trata-se de verdadeira medida de defesa do trabalho nacional, portanto do interêsse nacional.
Como vimos, há no País, nos diversos ramos da engenharia, e particularmente na especialidade de engenharia civil, número bastante de engenheiros para satisfazer as necessidades, e êsses engenheiros são, afora alguns, poucos, casos especiais, suficientemente habilitados e competentes para não se admitir a liberdade de concorrência de técnicos estrangeiros.
Como muito bem disse o ilustre Deputado Sr. Dr. Alçada Guimarãis durante a discussão do projecto de lei do condicionamento do exercício da medicina em Portugal por médicos estrangeiros: «O projecto suscita, no fundo, o problema do reconhecimento de direitos aos estrangeiros que o § único do artigo 7.º da Constituição e o artigo 26.º do Código Civil fazem assentar no sistema da igualdade. É êste um princípio aceite na generalidade das legislações, mas, embora claramente consignado na nossa Constituição, não significa que ao Estado seja vedado cercear ou limitar, na medida conveniente, os direitos dêle emergentes. O que há é que respeitar um mínimo de direitos aos estrangeiros, o suficiente para conservar a sua qualidade de pessoas fora do Estado a que pertencem e para que possam exercer livremente a sua actividade como homens civilizados».
Além disto, a doutrina que assegura apenas aos nacionais dos diversas países o exercício das profissões liberais foi prevista no projecto da Comissão Económica da Sociedade das Nações de 1938, e está assegurada, entre outras, na Constituição brasileira, que sòmente permite o exercício das profissões liberais aos brasileiros natos e aos naturalizados que ali tenham prestado serviço militar (artigo 133.º), nas leis do Estado de Nova York de 1923 e 1926, nas leis francesas de 26 de Julho de 1935 e 17 de Junho de 1938 que garantem o exercício da medicina apenas aos respectivos nacionais, e, ainda, na nossa lei n.º 1:976 sôbre o exercício da medicina.
Os técnicos portugueses que fizeram os seus cursos em escolas estrangeiras ou que, tendo-os feito em escolas nacionais, pretenderam trabalhar em país estrangeiro conhecem bem as dificuldades que muitas vezes ali encontraram para o conseguir.
Por todas estas considerações fica demonstrado justificar-se plenamente a medida que faz objecto do presente projecto de lei.
4. Mas, se apenas aos nacionais deve ser assegurado o exercício das profissões liberais, casos há - uns de natureza especulativa, outros de natureza prática - que plenamente justificam a permissão do exercício da profissão a engenheiros estrangeiros, a bem da ciência, do ensino, da indústria, ou de determinados trabalhos de construção, e isto sem desdouro para os engenheiros portugueses, que os há dos mais sabedores e competentes. Simplesmente, porém, a mais intensa especialização escolar e post-escolar, o mais vasto campo de acção, o mais íntimo contacto com as fontes do progresso técnico, fazem com que, em determinadas circunstâncias, engenheiros estrangeiros devam ser considerados vantajosos e óptimos colaboradores, principalmente no campo industrial, onde, por exemplo, não é difícil suceder que um engenheiro português de certa especialidade não seja, no entanto, suficientemente especializado em alguns dos seus pormenores ou aspectos técnicos, pormenores ou aspectos que podem ter capital importância para determinada indústria.
Impõe-se, pois, a necessidade de considerar celtas restrições na aplicação do princípio basilar em que êste projecto de lei assenta.
5. Seja, porém, dito de passagem que a doutrina preconizada só parcialmente resolve o problema da situação dos engenheiros. Emquanto não estiver devidamente regulamentado o exercício da profissão, não raramente continuará a suceder que, em vários ramos da engenharia, funções da competência exclusiva dos engenheiros sejam exercidas por indivíduos, tanto nacionais como estrangeiros, que o não são.
6. Ocorre preguntar se não conviria tornar extensiva às colónias a doutrina do projecto. Se as colónias constituem com a metrópole, segundo a Constituição e o Acto Colonial, num todo indivisível, a unidade nacional perfeita e completa, parece razoável responder afirmativamente a semelhante pregunta. No entanto, são tam pronunciadas as diferenças de meio, desenvolvimento, cultura, condições de vida e recursos entre a metrópole e, pelo menos, uma parte importante dos nossos domínios ultramarinos, que, embora pareça aconselhável a aplicação às colónias da doutrina do projecto de lei - pois não há razão para que no ultramar não se procure defender o trabalho dos engenheiros e outros técnicos portugueses da concorrência dos estrangeiros, tanto mais que, nas regiões em formação, mais se faz sentir a intromissão de actividades internacionais atraídas pelas maiores possibilidades que aí julgam encontrar -, demanda essa aplicação aturado estudo e cuidadoso conhecimento das condições locais, tam diferentes de colónia para colónia e até, em certos casos, de uns para outros pontos da mesma colónia.
Por estas considerações e, ainda, porque colónias estrangeiras, vizinhas das nossas, têm adoptado medidas rigorosas tendentes a defender os seus técnicos nacionais, a Câmara Corporativa limita-se a assinalar a importância do problema e a fazer votos por que, em breve, o seu estudo seja eficazmente empreendido pelo Ministério das Colónias.
7. As razões alegadas para justificar as medidas de protecção aos engenheiros igualmente procedem para os arquitectos, pois é fora de dúvida havê-los em Portugal em quantidade bastante para as necessidades do País e suficientemente aptos e competentes para resolverem, em regra, os problemas de ordem arquitectural postos pelo Estado ou pelos particulares, como bem o atesta a obra por êles realizada em todo Portugal e nas colónias durante os últimos anos.
Dêste modo, o projecto de lei n.º 133 deveria antes ser designado de «condicionamento da actividade dos engenheiros, arquitectos e outros técnicos estrangeiros em Portugal», devendo notar-se, porém, que o têrmo «engenheiros» abrange não apenas os correspondentes às especialidades dos engenheiros portugueses que, em harmonia com o respectivo Estatuto, se achem inscritas na Ordem dos Engenheiros, mas todos aqueles engenheiros estrangeiros que possam vir concorrer com os cidadãos portugueses que, pelo decreto n.º 11:988, de 29 de Julho de 1926, têm direito a usar o título de engenheiro, entre os quais se contam também os engenheiros geógrafos, agrónomos, silvicultores e hidrógrafos.
Por estas considerações, a Câmara Corporativa emite parecer favorável ao projecto de lei n.º 133, considerado na generalidade.