23 DE FEVEREIRO DE 1942 253
sanada a situação e garantida por forças portuguesas a neutralidade daquelas regiões.
O Império Nipónico não podia mesmo invocar, como a Inglaterra, deveres de auxílio derivados de pactos existentes, bem ou mal interpretados no momento; e nem a declaração de amigáveis sentimentos para connosco e dos seus propósitos de abandonar Timor pode fazer calar o nosso protesto e abafar a nossa mágoa. (VOZES: - Muito bem, muito bem!). (Palmas).
É lamentável que novas violências escusadas caiam sobre o mundo, tam cansado delas, e se teime em demandar a justiça através do desconhecimento ou desprezo de direitos soberanos cuja legitimidade se não pensa contestar.
Para, restabelecermos o nosso direito ofendido não deixemos ofuscar a luz dos princípios que nos guiam, e recomecemos pacientemente...
(VOZES: - Muito bem, muito bem!). (Muitas palmas) . (Vivos e prolongados aplausos).
O Sr. Presidente: - Interrompo a sessão por uns momentos.
Eram 15 hora* e 30 minutos.
Em seguida o Sr. Presidente saiu da sala, acompanhando S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho, a quem a Assemblea continuou aplaudindo com entusiasmo..
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 15 horas e 33 minutos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhãis Ramalho.
O Sr. Magalhãis Ramalho: - Sr. Presidente: o peso dos anos que já vivemos esmaga, tritura, como o de unia prensa, as energias mais vibráteis da nossa alma, e os invernos que sobre aios passaram congelam, com o seu frio glacial, as emoções mais ardentes e impetuosas do nosso coração.
Por isso sinto e me crucia agora, como nunca, a dolorosa certeza de que a minha pobre palavra não poderá honrar, como seria mester, as imperativas exigências da conjuntura em que uso dela.
Mas a minha voz é, neste momento, a voz da Pátria que sofre e espera, e os sofrimentos da Pátria amarguram por igual, e as suas esperanças por igual alentam todos os seus filhos; não seleccionam idades, nem sexos, nem classes, nem lugares, nem zonas políticas, nem sectores ideológicos - difundem-se por todo o Império, contagiam todos os portugueses.
Por isso subo a esta tribuna.
Sr. Presidente: pouco mais de dois meses, apenas - e longos meses para a ansiedade nacional têm sido -, transcorreram sobre a inesperada e injustificável agressão de um país poli-secularmente aliado aos nossos inalienáveis direitos de soberania, sobre essa infeliz e indefensável violação da integridade territorial do Império Português, que sacudiu todo o País num frémito de justa indignação (Apoiados), e fundiu as almas de todos os portugueses na mesma profunda dor, e na vibração de um um sono e revoltado movimento de protesto como se a todas unisse uma só e mesma linha isotérmica de uniforme exaltação patriótica, como se a Nação fosse ferida aios mais íntimos sentimentos da sua alma colectiva.
Apoiados.
Pouco mais de dois meses são também volvidos sobre a hora magnífica em que o Sr. Presidente do Conselho, com a memorável e impecável exposição com que através da Assemblea Nacional informou o País da gravidade dos acontecimentos de 17 de Dezembro, ocorridos em Timor, foi a personificação suprema, mas calma daquela dor nacional, a corporização serena mas perfeita daquele veemente protesto, a encarnação viva e admirável da alma colectiva portuguesa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- E já uma nova agressão à nossa soberania, outro inesperado ataque à integridade territorial do nosso Império, uma violação inqualificável dos postulados fundamentais do direito internacional, veio hoje o Sr. Presidente do Conselho, com aquela sua inigualável e diáfana limpidez e sua imperturbável calma e firmeza, anunciar ao País, através da Assemblea Nacional, de inteira conformidade com a política de verdade que é hoje uma das linhas de força, uma das constantes da nossa governação pública.
Agressão não menos inesperada, ataque não menos injustificável, violação não menos condenável, perante os princípios eternamente bolos e luminosos da justiça, da razão, da moral e do direito (Apoiados] porque é feita por um país que não tem deixado de afirmar a cordealidade das suas relações de amizade com o nosso, por um país que não desconhece a melindrosa delicadeza da nossa posição de neutralidade, sempre honrada e irrepreensivelmente mantida, por um país que, sem deixar de render homenagem à verdade, não podia nem pode ignorar que dentro de poucos dias as tropas inglesas e indo-holandesus abandonariam, a nossa Ilha de Timor, e que esta fracção tam longínqua do Império Português estaria eficazmente defendida pela nossa força militar, já quási no termo da sua viagem, que não foi um cruzeiro cuidadosamente clandestino.
§ Liga os dois acontecimentos apenas uma relação de sucessão, ou antes uma certa relação de causalidade? Não é este o momento oportuno para o discutir, nem essa discussão teria qualquer utilidade. A sua gravidade e os perigos do momento dão, contudo, ao País o irrenunciável direito e o indeclinável dever de os registar com a sua mais legítima repulsa, a sua mais veemente indignação, o seu mais clamoroso protesto.
Há na vida dos povos um índice que não é falaz: o da sua condução por caminhos não ínvios nem errados; um momento culminante da formação ou do renascimento da sua consciência colectiva e unidade nacional.
Esse índice e esse momento atingem-se quando os povos e os seus chefes se irmanam e fundem na comunhão geral e completa de uma mística criadora de novas energias ou restauradora de energias latentes e imobilizadas por mórbidos e transitórios colapsos, quando os povos, desde as suas mais profundas camadas sociais, por instintiva intuição, até às suas mais aristocráticas elites mentais e morais, por consciente dedução, querem aos seus chefes até às excepcionais proporções de uma profunda e fervorosa veneração, feita de fé inabalável aã raridade das suas virtudes, na extensão da sua capacidade e na fecundidade e patriotismo da sua acção, e quando os chefes amam os seus povos até ao extremo inultrapassável de um culto absorvente e constante, feito de plena confiança no potencial dos anseios nacionais e das suas virtualidades étnicas, e de inteiro a abnegado sacrifício de si próprios à causa sagrada do bem comum e da defesa da pátria.
Foram esses, Sr. Presidente, os momentos que Portugal viveu nas horas mais dolorosas e mais altas da sua História, é esse o momento que Portugal vive nesta hora, tam alta e angustiada como aquelas, da sua existência, da existência de uma nação de tam resistente arcabouço e de tam rija têmpera que não bastam para envelhecê-la oito séculos de idade, mais que suficientes para o total aniquilamento de tantas outras de que já só resta a lembrança. A Assemblea Nacional, como todo