16 DE DEZEMBRO DE 1943 59
Portanto (eu digo o que acontece agora), tem acontecido sempre, apesar mesmo de uma economia sistemática ou totalmente dirigida, tentada por alguns países. Posso dizer que, nào obstante isso, são ainda fatais as altas das mercadorias e de todas as cousas.
O Sr. Deputado Ulisses Cortês leu números que exprimem a universalidade e fatalidade do fenómeno.
Portanto, o espectáculo é sempre idêntico, com os seus aspectos pitorescos habituais: falta o sabão, semeiam-se batatas nos canteiros dos jardins, um enxame de fiscais, com seu ferrão aguçado, espalha-se por toda a parte, com a única diferença: dantes andavam a cavalo e hoje de motocicleta. E uma lei histórica, contra a qual não se resiste. As próprias tentativas da economia dirigida não foram capazes de apagar inteiramente todos os vestígios desta lei histórica.
é uma fatalidade invencível da guerra para os países que guerreiam, e para os que não guerreiam mas estão hoje solidarizados pelo comércio mundial.
Podia examinar agora algumas origens mais profundas. As necessidades de grandes compras, as faltas, as urgências, as necessidades, a produção que deminue, a falta de mão de obra de apetrechamento, a imensidade do capital destruído. Mas não vale a pena.
A evolução geral que tracei explica inteiramente o fenómeno.
Nota-se que, se os fenómenos são fatalmente acompanhados de sôbre-estimação dos produtos e dos serviços, numa conflagração como esta eles têm repercussão mesmo para além das fronteiras. Portanto, daqui posso tirar como consequência daquilo que acabo de dizer que fatalmente tínhamos de sofrer as repercussões gerais. Mais: nem mesmo com uma economia terrivelmente restritiva, e porventura inadaptável à índole do povo português, conseguiríamos travar inteiramente a alta do custo da vida.
Por outro lado, acho que o esforço louvável do Ministro das Finanças consiste exactamente em evitar que a pressão dos acontecimentos altere de algum modo a solidez que acompanhou sempre a gestão, particularmente o basilar equilíbrio orçamental.
As finanças sãs continuam a ter necessidade primordial de administração pública.
Mas este é o aspecto primário do problema, porque o aspecto essencial está para além desta estrutura. A questão importante, Sr. Presidente, é social, não é económica.
A questão importante é saber dentro de cada sociedade as repercussões exercidas nas classes económicas que são afectadas pelo problema da alta do custo da vida. Quere dizer: há uns indivíduos que perdem e outros que ganham, uns que lucram e outros que fatalmente suportam a grande massa dos sacrifícios económicos resultantes da guerra.
O que importa é saber o que no quadro social representa a alta desmedida do custo da vida, quem enriquece e mais ainda quem empobrece.
Há aqui uma redistribuição da riqueza, uma nova distribuição de ganhos e lucros. Tomo a liberdade de chamar a atenção para este ponto, que é essencial: há mais valias, e essas mais valias são para os mineiros, para os grandes exportadores que podem realizar os seus negócios, para os armadores, para os pescadores, para os tecelões, para os madeireiros, para a lavoura do vinho, talvez para a lavoura da cortiça, para os senhorios que podem arrendar em regime de liberdade contratual, para o negociante que dispõe de grandes stocks, para o que trabalha com grandes diferenças de preços, para o armazenista, para os devedores simples e mais para os que são ao mesmo tempo os produtores e até para certas categorias de assalariados.
Em compensação temos uma lista imensa de classes que empobrecem: credores do Estado, credores de particulares, reformados, pensionistas, classes com ordenados fixos ou com lucros e ganhos rígidos, exportadores e industriais que porventura não podem colocar os seus produtos, a lavoura do azeite até certa altura, a lavoura dos lacticínios, a do milho, etc. Estes classes perdem em virtude da nova distribuição de riqueza efectuada pela guerra e podem perder por uma intervenção pouco matemática dos governantes.
Além desses fenómenos há os menos visíveis: os ganhos que não chegam e que obrigam a um nível de vida cada vez mais baixo, o sub-consumo, a sub-alimentação. Isto traz a perturbação moral, a descrença na segurança económica, no futuro económico da Nação, traz muito trabalho com ganhos que não correspondem ao seu valor tradicional, angústias que se moem entre quatro paredes e que o sol não ilumina, e das quais nào nos podemos aperceber.
Resulta daqui também como consequência uma certa desordem na- aplicação da riqueza sobrante para uns, falha para outros; ninguém quere poupar, ninguém quere aplicar capitais em empresas, porque não sabe qual o dia de amanhã, entregam-se aos consumos mais desregrados, mais extravagantes.
Ora o meu receio é o de que o perigo da inflação permaneça mesmo depois de acabada a guerra. E, por isso, se não sou pela deflação brusca, sou pela deflação possível, mas lenta, à procura de uma nova equação geral de equilíbrio.
Receio a inflação depois da guerra. Porquê? Em primeiro lugar persistirão grandes massas de poder comprador, comprazendo-se no supérfluo, no capricho e na especulação.
Os salários, uma vez que atingiram certo nivel, dificilmente terão a elasticidade suficiente para descer. Criaram novas necessidades, melhoraram o trem de vida, obviavam a exigências eternas e justificadas; no que assim fizeram dificilmente poderão descer.
Há-de ser difícil, num mundo assim inquieto em que ninguém sabe o dia de amanha, convencer alguém a poupar e manter aquela sobriedade que fizeram a virtude portuguesa dos últimos séculos. Os capitais sobrantes não tomarão, rápido, o caminho e o jeito das empresas produtivas. As repercussões dos fenómenos económicos internacionais dar-se-ão através de organizações comerciais e monetárias desencontradas.
Claro que o Estado tem o dever de evitar as distribuições injustas o agir contra os atentados ao nivel de vida e deve defender e limitar o ganho até ao que é legítimo, ao lucro que é devido, ao benefício que é razoável. Pregunta-se: como se tem resistido? Como se tem intervindo nuns casos e porque se tem sido indiferente ou inane em outros?
Parece-me que se pode afirmar de facto que se tem vivido conforme a um esforço de reacção contra a alta, tendo-se assegurada, neste País, nesta emergência, a paz social.
E nós, votando o imposto sobre lucros de guerra, devemos ter contribuído alguma cousa para isso. Tem-se evitado o enriquecimento excessivo do comércio do retalho. Os lucra dores extraordinários têm resultado mais de um monopólio natural e só raramente de uma especulação. Ao contrário da outra guerra, não tem havido, senão restritamente, as negociatas, os escândalos, os grandes enriquecimentos perceptíveis. Claro que se pôs em movimento uma máquina poderosa, de arestas muito vivas, uma larga aparelhagem repressiva.
E não se têm conseguido eliminar as grandes diferenças entre materiais e artefactos. Calçado, vestuário, móveis, aparecem ao consumidor-produtor por preços descompassados.