140 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 49
prisional quando escreve no seu relatório (n.º 41): «A individualização da pena, considerada no aspecto da correcção do delinquente, põe naturalmente o problema da necessidade de a alterar quanto à forma do seu cumprimento, fazendo-a agravar, abrandar, reduzir ou substituir mesmo... As alterações estão na forma de cumprimento da pena, na sua substituição e até na sua extinção».
Mas, se no cumprimento da pena pode haver modificações que vão até à sua substituição e extinção, é que a decisão do tribunal que a pronunciou pode ser alterada ou substituída em dois dos seus elementos - a classificação do delinquente e a aplicação da pena.
Que entidades deverão intervir nessas alterações?.
Põe esta questão o autor da reforma prisional no seu relatório (n.º 41), deixando-a aí sem (resposta, mas tendo-a resolvido no decreto.
Segundo as disposições da reforma lia sempre uma entidade que propõe, pode haver uma entidade que dá parecer, e há sempre uma entidade que decide.
Assim:
1.º Quanto à liberdade condicional, propõe o director do respectivo estabelecimento prisional, dá parecer o Conselho Superior dos Serviços Criminais e decide o Ministro da Justiça;
2.º Quanto às outras alterações da pena, propõe, em regra, o director do estabelecimento respectivo e decide aquele Conselho.
E dizemos em regra, pois:
1.º O decreto também regula o indulto, e este pode ser requerido pelo interessado ou proposto pelo director do estabelecimento prisional e é concedido pelo Presidente da República (Constituição, artigo 8].º, n.º 8.º), sob parecer do Conselho (artigo 407.º);
2.º O decreto, prevê igualmente a transferência para um manicómio criminal dos delinquentes perigosos a quem sobrevenha, durante a execução da pena, anomalia mental que determine a suspensão desta, mas esta transferência só pode ser realizada mediante autorização do juiz da comarca onde se procedeu ao julgamento, e a requerimento do Ministério Público, da parte acusadora, do próprio preso ou dos seus ascendentes, descendentes, irmãos ou cônjuge.
A proposta, pronunciando-se, no relatório, no sentido dê que as modificações da pena no decurso do seu cumprimento devem ser da competência de um tribunal de justiça e de que a este devem ser confiadas as atribuições hoje exercidas pelo Conselho Superior dos Serviços Criminais e pelo Ministro da Justiça, passando o Conselho a ser simplesmente órgão consultivo do Govêrno, assim o estabeleceu na base I, que dispõe:
«As atribuições que por lei pertencem ao Conselho Superior dos Serviços Criminais e ao Ministro da Justiça em matéria de execução de pena» ou de medidas de segurança e de rehabilitação serão exercidas pelos juizes de execução das penas. O Conselho Superior dos Serviços Criminais funcionará como órgão consultivo do Govêrno».
Aparte a redacção a dar a esta base, que nos parece de Ver ser modificada, consideramos a doutrina da jurisdicionalização das penas e das medidas de segurança por ela estabelecida como sendo juridicamente rigorosa e exacta.
A sua razão parece-nos decisiva. Se aos tribunais de justiça compete julgar as infracções criminais e aplicar aos seus agentes as penas ou medidas de segurança estabelecidas pela lei, a eles devem competir igualmente as deeisões tendentes à alteração, substituição ou extinção da pena ou medida de segurança quando tais modificações sejam necessárias para tornar efectiva a sua
individualização, no interesse tanto da defesa da sociedade como da readaptação social do delinquente, nos termos do artigo 124.º da Constituição.
Em apoio da doutrina da proposta, ainda poderiam aduzir-se algumas razões que consideramos valiosas.
Em primeiro lugar, notaremos que as modificações da pena no decurso do seu cumprimento são modificação da sentença que a aplicou e são determinadas pela impossibilidade em que, no momento do julgamento, o tribunal muitas vezes se encontra de classificar com rigor o agente do crime e de medir com exactidão a natureza e o grau da sua forma de delinquência. E se, por isso, depois do julgamento, o condenado se revelou por factos pessoais novos, que trazem mais luz para conhecer melhor essa forma e grau de delinquência, e se torna necessário apreciar esses factos e traduzi-los em modificações da pena, para que esta realize o seu destino, parece evidente que essa apreciação é função de quem pode marear a sorte dos criminosos, que é o Poder Judiciário.
E a mesma ordem de ideas que fez passar para os tribunais de justiça a revisão da sentença que condenou um inocente ou absolveu um criminoso (Código de Processo Civil, artigos 673.º e sgs.) não conduzirá igualmente a atribuir-lhes a revisão da sentença que atribuiu ao acusado uma forma ou um grau de delinquência que factos posteriores vieram desmentir?
Nem é de esquecer que a doutrina é conforme às tendências da evolução política e da evolução jurídica, que, produzindo a diferenciação dos poderes do Estado, atribuiu ao Poder Judiciário a função de aplicar as devidas sanções aos infractores da lei penal ou, melhor, aos violadores dos princípios que a lei penal vem proteger.
A esta tendência obedeceram ainda:
a) O decreto n.º 10:767, de 15 de Maio de 1925, que reorganizou os serviços jurisdicionais e tutelares de menores, o qual, definindo a tutoria da infância como um tribunal especial destinado a julgar e decidir sobre a defesa, guarda, reforma e correcção dos menores (artigo 19.º), e estabelecendo (artigo 20.º) as medidas de prevenção, de reforma e de correcção que inicialmente as tutorias podem tomar em relação aos menores delinquentes, dispõe (artigo citado, § 2.º):
«As tutorias procederão oficiosamente à revisão periódica de três em três anos, quando por outra forma não tenha sido promovida, dos processos dos menores colocados em famílias adoptivas ou internados nos estabelecimentos ...»,
isto é, as medidas tomadas pelas tutorias, como tribunais de menores, são por elas revistas e, se necessário, modificadas;
b) A própria reforma prisional, estabelecendo em princípio a mesma doutrina no seu artigo 18.º, que dispõe que as penas e medidas de segurança devem executar-se nos termos em que a respectiva decisão judicial as tiver aplicado, que não poderá alterar-se, na execução das penas e das medidas de segurança, a respectiva sentença condenatória, senão por força de outra decisão judicial, e aplicando-a no artigo 149.º, relativo à transferência para um manicómio criminal dos delinquentes perigosos, quando durante a execução da pena sobrevenha uma anomalia mental que determine a suspensão da pena.
B) Medidas de segurança. - Mas, se o princípio da individualização das penas no período da sua execução já justificava a intervenção dos órgãos da jurisdição nesse período, a adopção das medidas de segurança como meio jurídico de luta contra a criminalidade veio acentuar e tornar decisiva a tendência para essa inter-