144 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 49
8. PRECEDENTES PRÓXIMOS NO DIREITO PORTUGUÊS. - Sem querermos fazer a história da rehabilitação, que seria aqui descabida, embora interessante, por nos mostrar como a rehabilitação, aparecendo como manifestação do direito de graça, tomou depois a forma de concessão administrativa, para revestir por fim o carácter de rehabilitação de direito ou de uma declaração de justiça, diremos contudo algumas palavras acêrca dos precedentes próximos da proposta nas nossas leis, os quais podem explicar algumas das suas disposições.
No nosso direito, a rehabilitação tem revestido até hoje as duas modalidades de rehabilitação graciosa e de rehabilitação de direito.
O Código Penal de 10 de Dezembro de 1852, imitando até certo ponto o Código de Instrução Criminal Francês de 1808, dispunha no artigo 129.º: «O condenado a pena temporária que tenha por efeito a perda dos direitos políticos não pode recobrá-los pelo cumprimento da pena sem que obtenha a rehabilitação.
§ 1.º A rehabilitação é o acto que restitue ao condenado que cumpriu a pena temporária, ou a quem esta foi simplesmente perdoada ou que a prescreveu, todos os direitos que pela condenação perdera.
§ 2.º A rehabilitação é concedida pelo Govêrno passados três anos depois do cumprimento, ou perdão ou prescrição da pena temporária, precedendo as necessárias informações da autoridade administrativa.
§ 3.º Quando a pena da perda de todos os direitos políticos for imposta como pena principal, pode também, passados quinze anos, ter lugar a rehabilitação nos termos do parágrafo antecedente.
§ 4.º O disposto no parágrafo antecedente aplica-se aos casos da incapacidade - para servir um emprego ou qualquer emprêgo».
Era a rehabilitação graciosa concedida por um acto do Poder Executivo.
Silva Ferrão, criticando severamente este preceito do Código Penal de 1852 (Teoria do direito penal, III, pp. 283 e seguintes), sustentou a doutrina de que a rehabilitação deveria resultar pura e simplesmente o cumprimento da pena, não devendo ficar dependente nem do Govêrno, nem do Poder Judicial, senão para o efeito de verificar e homologar o facto material daquele cumprimento.
A reforma penal de 14 de Junho de 1884, encorporada no Código Penal de 16 de Setembro de 1886, revogou quási inteiramente as disposições do Código Penal de 1852 em matéria de efeitos das penas, sendo estes efeitos regulados nos artigos 74.º a 81.º do Código Penal vigente, onde se encontram os dois importantes preceitos:
1.º De que a condenação do criminoso tem unicamente os efeitos declarados naqueles artigos (artigo 74.º);
2.º De que as incapacidades estabelecidas nos dois artigos fundamentais (artigos 76.º e 77.º), como efeitos das penas, cessam pela extinção destas (artigo 78.º). Por outro lado, a reforma penal de 1884 revogou o artigo 129.º do Código Penal de 1852, escrevendo o autor da proposta de que ela resultou, o então Ministro da Justiça, Lopo Vaz de Sampaio e Melo, no relatório dessa proposta:
«No capítulo relativo ao efeito das penas inseri disposições que alteram profundamente os preceitos da legislação em vigor. A pena deve conter em si e nas circunstâncias que a acompanham todos os elementos da punição dos delinquentes; se é curta a sua duração, alongue-se e, se isto não basta, aplique-se outra mais grave, mas, uma vez extinta, é justo e conveniente que não fique, nem permanentemente, nem temporariamente, o vestígio dela estampado nas faces do infeliz que se desviou do estado de legalidade. O homem delinquíu, a sociedade, ofendida, puniu e o condenado expiou a pena, e, por consequência, está feita e encerrada a liquidação da responsabilidade criminal. O delinquente suportou e pagou tudo quanto a sociedade exigiu dele em compensação da grande dívida que havia contraído com ela, saldou a sua conta, deve entrar para o meio social no gozo pleno dos seus direitos civis e políticos ...».
Foi assim a teoria da rehabilitação legal derivada da extinção das penas, defendida por Silva Ferrão, que a reforma penal de 1884 quis consagrar e que se encontra hoje estabelecida, em princípio, no nosso direito penal.
Depois da reforma penal de 1884, foi a rehabilitação regulada, de modo indirecto, digamos assim, e em termos restritos, pelo decreto de 17 de Março de 1906 e pelo decreto-lei n.º 27:304, de 8 de Dezembro de 1936, que regularam sucessivamente o registo criminal.
O decreto de 1906, sem falar, aliás, em rehabilitação, estabelecia duas formas de rehabilitação - rehabilitação de direito e rehabilitação graciosa pelo Ministro da Justiça.
A primeira resultava do disposto no artigo 11.º do decreto, o qual determinava que os certificados não solicitados por autoridades omitiriam, entre outras, as inscrições de sentenças de condenação passados cinco, dez ou quinze anos, segundo a gravidade das penas impostas, depois do cumprimento da pena, sob a condição de que contra o mesmo indivíduo não estivesse averbada mais que uma sentença condenatória por crime, exceptuadas, porém, as sentenças relativas a crimes amnistiados. O simples decurso dos prazos de cinco, dez ou quinze anos eliminava os efeitos da condenação.
Era a rehabilitação de direito para delinquentes primários.
A segunda resultava da combinação do artigo 11.º, n.º 9.º, com o artigo 12.º O artigo 11.º, n.º 9.º, mandava omitir nos certificados que não fossem solicitados por autoridades as sentenças cuja transcrição fosse suspensa condicionalmente. O artigo 12.º determinava que a suspensão condicional da transcrição da sentença se verificava nos casos em que fosse outorgada a liberdade condicional a réus condenados e que, além disso, também podia ser concedida a quaisquer outros indivíduos, em atenção ao seu comportamento moral. A suspensão era concedida pelo Ministro da Justiça, depois de devidamente informado e sob parecer da Procuradoria Geral, e podia ser pelo mesmo Ministro revogada, em virtude de informações verificadas.
Esta forma de rehabilitação também só podia aproveitar a delinquentes primários. E era uma rehabilitação sempre revogável em virtude da má conduta verificada do rehabilitado.
E, assim, apareceu no direito português um sistema mixto de rehabilitação de direito e de rehabilitação acto do poder social.
O decreto de 1936 manteve as duas formas de rehabilitação estabelecidas pelo decreto de 1906, mas com algumas innovações dignas de nota, como se vê dos seus artigos 27.º, 28.º, 29.º e 30.º
Os artigos 28.º e 29 mandam considerar canceladas para os efeitos do artigo 27.º, isto é, para o efeito de serem omitidos nos certificados não solicitados por autoridades:
1.º Um ano depois do cumprimento da pena, os registos das sentenças de condenação por contravenções e transgressões de regulamentos;