26 DE FEVEREIRO DE 1944 147
Pois, se o tempo tem eficácia para inutilizar o procedimento criminal e a execução da pena, deixando-se em liberdade um criminoso que fugiu à acção da justiça durante certo prazo, porque não há-de poder aproveitar também àquele que foi posto em liberdade com a presunção de corrigido e que, no caso de pertencer às categorias de delinquentes mais perigosos, não foi posto em liberdade definitiva sem passar pelo período de prova da liberdade condicional, e não só não reincidiu no crime durante esse período, mas também não reincidiu depois disso num prazo de longos anos? E, por que motivo, em vez de o presumir um disfarçado, um simulador, um criminoso latente, uma pessoa de mau comportamento, não se há-de presumir antes um regenerado a quem repugnam os inquéritos sobre a sua moralidade?
O valor destas considerações de ordem geral acentua-se com a análise das consequências a que conduz o rigor do sistema da proposta.
Prescreve esta toda a rehabilitação de direito e todo o cancelamento advindo do decurso de qualquer prazo sobre o registo das condenações de toda e qualquer gravidade (em penas maiores ou correccionais) e de toda e qualquer natureza (por contravenções ou transgressões de quaisquer regulamentos) e por crimes tanto dolosos como culposos.
Na base V estabelecem-se os prazos por que há-de durar a boa conduta sem qualquer referência à pena aplicada, e o menor prazo aí estabelecido é o prazo de cinco anos, de modo que, mesmo os condenados por contravenções e por transgressões de regulamentos, os condenados no mínimo de prisão correccional ou de multa e os condenados por crimes culposos, todos precisam de se rehabilitar judicialmente, e só o podem fazer, o mais cedo, ao fim de eineo anos, com a única atenuação estabelecida na base XII de o juiz poder ordenar que não se faça menção da decisão condenatória nos certificados do registo para fins particulares, quando aplique penas até seis meses de prisão, quando o réu não tenha sofrido condenações anteriores e pelos seus antecedentes e teor de vida se justifique aquela decisão.
É, evidentemente, necessário, pelo menos, atenuar o rigor da proposta.
Em primeiro lugar, para as sentenças por contravenções e por transgressões de regulamentos, deverá manter-se o disposto no artigo 28.º do decreto de 8 de Dezembro de 1936, que manda considerar cancelados os registos das condenações passado um ano depois do cumprimento da pena.
As contravenções e infracções de regulamentos não representam actos intrinsecamente imorais, mas apenas constituem violações de disposições preventivas das leis e regulamentos, previstas e punidas para evitar crimes possíveis e eventuais e, por isso, não poderia explicar-se o rigor de submeter os seus autores à severidade de uma rehabilitação judicial e, sobretudo, só ao fim de cinco anos de boa conduta.
Ainda merecem evidentemente um tratamento especial os condenados por crimes culposos, os quais não quiseram o mal do crime e a quem o Código Penal (artigo 110.º) dispensa franca benevolência. Para tais crimes pode estabelecer-se, sem receio de inconvenientes, a rehabilitação de direito ao fim do prazo de dois anos depois do cumprimento da pena, prazo suficiente para verificar se se trata de uma culpa eventual ou de uma negligência, digamos assim, sistematizada.
E também são dignos de um tratamento benévolo os crimes de pequena gravidade cometidos, por delinquentes primárias, devendo considerar-se assim os crimes a que seja aplicada a pena de prisão correccional até seis meses ou qualquer pena que lhe seja equivalente, (seguimos para esta equivalência as escalas de penas estabelecidas nos artigos 64.º e 65.º do Código de Processo Penal), pois se trata de infracções que não revelam tam forte inferioridade moral que se torne necessário submeter os condenados ao processo de rehabilitação judicial ao fim de um longo prazo. Ainda para esses se poderá admitir a rehabilitação de direito ao fim do prazo de três anos depois do cumprimento da pena, tempo bastante para constatar se o primeiro crime foi um simples episódio ocasional ou a manifestação de fraca vontade moral.
Para os autores de crimes dolosos de maior gravidade, ainda poderia admitir-se a rehabilitação de direito ao fim de prazos mais longos do que os estabelecidos para a rehabilitação judiciária, pelas considerações que acima foram expostas e em razão da acção eliminadora do tempo, tam geralmente reconhecida na esfera do direito penal. Seriam certamente para isso suficientes os prazos de quinze anos para os condenados em pena maior e de dez anos para os condenados em prisão correccional. São já prazos bastante amplos, os quais, juntos ao período - normal do cumprimento das penas, constituem larga margem para o esquecimento do mal do crime cometido por quem nunca mais sofreu qualquer condenação penal.
A Câmara Corporativa conhece as razões que levaram os autores dos novos - Códigos Penal e de Processo Penal italianos a proscrever a rehabilitação de direito. A rehabilitação de direito seria excluída, por um lado, pelo princípio da individualização da pena, que deve ser adaptada ao grau de perigosidade do delinquente, e, por outro, pela consideração de que a rehabilitação implica a idea de reeducação moral, da qual o simples decurso do tempo não pode dar nenhumas garantias, e de que, se a rehabilitação produz, sobretudo, efeitos jurídicos, a sua causa só pode ser uma causa moral.
São certamente valiosas estas razões, mas não deve esquecer-se nem que todos os condenados devem ser considerados como tendo sido submetidos ao regime de individualização das penas e que, ao serem postos em liberdade definitiva, se devem considerar readaptados à vida honesta, nem que todo o direito penal assenta em fundamentos morais, e nem por isso deixou de estabelecer a prescrição do procedimento criminal e a prescrição das penas, sinal de que, se há uma razão moral para proceder criminalmente contra os delinquentes e para os punir na medida da forma e do grau da sua delinquência, também a há para eliminar aquele procedimento e a punição do condenado quando o tempo, passando sobre o crime ou sobre a punição, tem o valor de os eliminar. E que deverá dizer-se quando sôbre o cumprimento das penas ou sôbre a sua prescrição passou ainda um longo prazo? Parece que aqui, como em tudo, se poderá dizer: summum jus, summa injuria.
O desenvolvimento que apareceras bases relativas à rehabilitação de direito deriva logicamente das razões em que esta Câmara a considerou fundamentada.
11. AMPLITUDE DA REHABILITAÇÃO. - A base IV permite a rehabilitação aos condenados em quaisquer penas e, portanto, a todos os condenados e a todos os imputáveis submetidos a medidas de segurança por decisão judicial, e a base V (§ 2.º) mostra que o direito de rehabilitação é concedido mesmo àqueles que já tenham sido anteriormente rehabilitados e, devido a novas infracções, de novo incorreram nas incapacidades que resultam das condenações penais.
Esta grande amplitude do direito de rehabilitação está na lógica dos princípios em que ela assenta.
Os seus fundamentos são a inexistência de nova condenação e a boa conduta do condenado durante o prazo, considerado suficiente para a ter como provada.